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Uma terceira via?
Práticas de governança dos países nórdicos trazem novas visões para a discussão do tema no Brasil

Historicamente, os países anglo-saxões têm servido como principal padrão para a evolução das discussões sobre governança no Brasil. Contudo, inúmeros escândalos envolvendo companhias norte-americanas na década passada e problemas com diversas instituições inglesas após a eclosão da crise financeira mundial no fim de 2008 aumentaram as dúvidas sobre se tais modelos devem realmente servir de referência.

Talvez algumas respostas possam ser obtidas mais acima no mapa mundial. Os países nórdicos (englobando Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia e Islândia), apesar de apresentarem diferenças entre si, oferecem um modelo geral de governança que pode inspirar novas visões para o debate do tema no País.

O modelo nórdico foi retratado por uma publicação elaborada recentemente pelas cinco entidades de governança da região1. De acordo com o documento, as principais características que diferenciam a governança nesses países são:

1. Grande peso das assembleias de acionistas: todas as grandes questões da companhia, incluindo o sistema de remuneração dos executivos, são discutidas nessa instância decisória máxima.

2. Ações com direitos de voto múltiplo: trata-se do tema mais polêmico de governança, particularmente na Suécia, considerada como o país europeu no qual mais empresas de grande porte (cerca de dois terços) lançam mão desse artifício. As ações com múltiplo direito a voto — geralmente divididas em ações de classe A (com direito a 10 votos por ação) e B (com direito a 1 voto por ação) — e a existência de estruturas piramidais e de participações societárias cruzadas (principalmente por meio do envolvimento de bancos como acionistas de longo prazo) têm sido amplamente criticadas por investidores estrangeiros, já que contrariam o princípio de uma ação, um voto. Os defensores dessa prática, contudo, utilizam três argumentos principais: 1) as ações se baseiam no princípio da liberdade contratual; 2) muitas matérias-chave exigem a aprovação por maioria de cada classe de acionistas, reduzindo o peso das ações classe A; e 3) as ações classe A tendem a ficar em posse de acionistas controladores com interesse de longo prazo na companhia. Apesar de ser uma questão em aberto, a pressão dos estrangeiros, detentores de cerca de 40% das ações na região, parece estar surtindo efeito: são raras as empresas recém-listadas nos nórdicos com quaisquer mecanismos para aumentar o poder de controle.

3. Forte proteção aos acionistas: os minoritários têm facilidade para incluir itens na pauta da assembleia. Além disso, diversas decisões (como mudanças estatutárias e fusões ou aquisições) exigem a aprovação por voto qualificado de todas as classes de acionistas, aumentando o poder dos detentores das ações com menor direito a voto.

4. Conselhos de administração separados da gestão: nos países nórdicos, as operações diárias do negócio são delegadas a um CEO que não pode atuar simultaneamente como presidente do conselho (e que muitas vezes sequer é membro do órgão). As regras de listagem exigem ainda que a maioria dos conselheiros seja independente. No caso de Suécia, Dinamarca e Noruega, os empregados têm o direito de eleger conselheiros de administração, algo considerado positivo por contribuir para uma relação mais serena entre companhias e sindicatos.

5. Utilização de comitês do conselho: a decisão sobre a constituição desses órgãos cabe ao conselho. Entretanto, em caso de não adoção, o conselho deve explicar os motivos que o levaram a essa decisão, em linha com o princípio “pratique ou explique”. Como resultado, praticamente todas as grandes companhias possuem atualmente comitês de auditoria e, em muitos casos, de remuneração.

6. Nomeação de conselheiros de administração: o processo de nomeação de conselheiros é algo muito singular, principalmente no caso sueco. Um comitê de nomeação composto de representantes de acionistas é eleito na assembleia anual (ou em um prazo máximo posterior estipulado pela assembleia) com a função de revisar a avaliação de desempenho do conselho (que é obrigatória) e propor na assembleia do ano seguinte os nomes para compor o colegiado. De modo geral, o órgão é constituído por três ou quatro representantes dos principais acionistas e às vezes pelo presidente do conselho de administração, que não pode presidi-lo. O comitê deve atuar no interesse de todos os acionistas e explicar sua proposta de composição do conselho no website corporativo. Logo, em vez de ser um subcomitê do conselho como no modelo anglo-saxão, o comitê de nomeação é um órgão separado eleito pelos acionistas.

7. Elevada participação de mulheres nos conselhos: os países nórdicos têm a maior proporção do gênero nos conselhos de administração. A Noruega, com uma política afirmativa, determinou que todas as companhias listadas passassem a ter pelo menos 40% de representação de mulheres até o fim de 2007. Como resultado, a proporção feminina nos conselhos no país subiu de 7% em 2003 para cerca de 40% em 2008. Suécia e Finlândia, com cerca de 30% de mulheres nos conselhos, são os outros países que lideram os rankings globais.

8. Auditores escolhidos pelos acionistas e ligados diretamente a eles: os auditores são escolhidos pela assembleia de acionistas, devendo prestar contas diretamente aos acionistas. Na Finlândia e na Suécia, os auditores devem apresentar seu parecer sobre a avaliação do conselho e da gestão do CEO diretamente aos acionistas na assembleia. Na maioria dos países, opinam se a assembleia deve aceitar as demonstrações financeiras apresentadas e se o CEO ou o conselho cometeu qualquer ato que possa resultar em passivos legais à empresa e aos seus acionistas.

9. Papel ativo dos acionistas majoritários: há uma visão geral muito positiva do envolvimento dos principais acionistas nos países nórdicos, em contraponto às companhias com acionistas “sem rosto” dos países anglo-saxões. Apesar de muitas empresas já terem estruturas de propriedade mais dispersas, uma proporção substancial das listadas (principalmente as de pequeno e médio porte) possui acionistas controladores com atuação ativa em sua governança. O papel dos majoritários é visto como fundamental dentro do modelo nórdico. Espera-se que assumam a responsabilidade pela sustentabilidade da companhia e que mantenham suas posições acionárias em momentos difíceis, quando muitos investidores optam por vender os papéis. Como normalmente os controladores também são conselheiros ou membros do comitê de nomeação, todos os países exigem que no mínimo dois conselheiros (pelo menos metade no caso da Dinamarca) sejam independentes dos acionistas majoritários (definidos como acionistas com mais de 10% das ações). Existem fortes provisões legais contra a má utilização dos poderes dos majoritários em detrimento da companhia ou de outros acionistas.

10. Transparência: os países nórdicos têm sido sistematicamente bem avaliados em diversas análises comparativas sobre transparência empresarial. A Lei exige a divulgação completa do salário individual de cada conselheiro e do CEO. Adicionalmente (com certa variação entre os países), a política de remuneração também deve ser discutida e aprovada na assembleia. Outra exigência é a transparência em relação aos controles internos. O alto padrão de visibilidade exigido tem fortalecido a confiança nas empresas da região, conforme evidenciado pela demanda de investidores estrangeiros e pela alta proporção de acionistas pessoas físicas.

O modelo nórdico de governança é algo único, atrelado à história e à cultura desses países. Como todo transplante de regras e modelos desenvolvidos em outros ambientes é muito complicado, qualquer tentativa de extrapolação desses mecanismos deve ser vista com extrema cautela. Contudo, tendo em vista as peculiaridades do modelo de governança nórdico — semelhante ao nosso na questão da estrutura de propriedade — e seu aparente sucesso nos últimos anos, ele pode ser utilizado como um parâmetro adicional para a discussão sobre a evolução do tema no Brasil.


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