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Uma relação delicada
Interesses segregados, um acordo de acionistas bem feito e um fórum de decisões equilibrado são os segredos para a longevidade das empresas familiares

, Uma relação delicada, Capital AbertoUm dos principais desafios das companhias familiares é proteger a empresa da família. Conflitos entre parentes podem levar um próspero negócio à decadência, e uma forma de evitar isso é separando a família da propriedade e da gestão. No Brasil, tal segregação avança aos poucos. Se, por um lado, a conscientização sobre essa necessidade é crescente, por outro os progressos em governança corporativa nem sempre são feitos sobre bases sólidas. Apesar de muitas empresas terem aberto o capital na última década, criando conselhos de administração e de família, falta fazer com que esses órgãos funcionem de forma efetiva.

A boa governança se torna uma questão ainda mais complexa nas empresas familiares. Além de afinar a relação entre gestão e propriedade, como em qualquer companhia, é preciso administrar questões da família. “O risco dessas companhias é maior, pois a família pode se colocar em primeiro lugar”, diz Alexandre di Miceli, professor doutor da FEA-USP. Para ele, muitas empresas familiares brasileiras viram na governança corporativa um caminho para abrir o capital. Chamaram bancos de investimento, mudaram estatutos e criaram conselhos, mas não fizeram um trabalho mais profundo para modificar as relações entre as três esferas de poder — família, propriedade e gestão.

A avaliação de Luiz Marcatti, da consultoria Mesa Corporate Governance, vai na mesma direção: “Mesmo nos IPOs feitos recentemente, ainda encontramos familiares que tomam decisões de forma centralizada e que reagem com irritação ao terem de prestar informações e ao serem criticados por analistas”, afirma. Até por conta das regras e pressões do mercado, eles estão sendo forçados a se enquadrar. Mas, quando se trata de mudança de comportamento, a conscientização é lenta. “Ainda é preciso haver uma mudança real de atitude e de percepção do valor que a governança traz para a empresa. Os resultados não aparecem rapidamente”, diz.

Apenas 60% das empresas familiares passam para os filhos dos fundadores e, destas, 30% chegam aos netos

Wagner Teixeira, sócio da Höft Consultoria, lembra que os aspectos de governança corporativa tampouco são levados em conta com seriedade por todos os investidores. Enquanto alguns, geralmente com foco no longo prazo, costumam se debruçar sobre os acordos de acionistas para verificar o grau de ingerência da família no negócio, outros dão maior peso à história da companhia e ao resultado das emissões de ações recentes, acreditando que não haverá conflito enquanto os lucros estiverem enchendo os bolsos dos familiares. Esquecem que, se a família se entender de forma precária e não houver mecanismos de salvaguarda funcionando, a empresa corre forte risco de sucumbir no médio prazo.

POUCOS SOBREVIVENTES — A elevada mortandade de empresas familiares é um fenômeno mundial. Estima-se que somente 60% dessas companhias passam para os filhos dos fundadores e, destas, 30% chegam até os netos. Ou seja, somente 18% delas atingem a terceira geração, e a principal causa da baixa sobrevivência são as brigas entre familiares. Abrir o capital pode ser uma forma de elevar os níveis de governança corporativa, reduzindo conflitos e aumentando as possibilidades de que a empresa perdure. No entanto, especialistas consideram que a ida ao mercado deve ser o resultado de um processo consciente e profundo de reformulação.

“A abertura de capital pode se tornar uma armadilha quando os sócios não conseguem se entender como tal. É um suicídio se não houver um modelo de governança familiar”, afirma o professor Eduardo Najjar, coordenador da área de educação executiva da ESPM. Para ele, existe uma profunda falta de informação das famílias empresárias sobre a necessidade de separar família, sociedade e gestão. A admissão de novos sócios, via mercado de capitais, só deveria ocorrer após essa separação.

“A abertura de capital pode se tornar uma armadilha quando os sócios não se entendem como tal”

Família, propriedade e gestão costumam ser um emaranhado, principalmente, no estágio inicial da empresa. O benefício da segregação é evitar que conflitos na família atinjam a companhia e o patrimônio de todos. Especialistas na área dizem que isso pode ser feito por meio da criação — e do efetivo funcionamento — de fóruns específicos: a diretoria, o conselho de família e o conselho de administração. Com cada assunto circunscrito a um grupo, os atritos se reduzem. Questões emocionais e os históricos de relacionamento que tanto influenciam os executivos da família passam a pesar menos. A gestão se torna mais técnica. Não se fala mais sobre a firma nos almoços de domingo.

Para se chegar a esse ponto, é necessário percorrer um árduo caminho. O primeiro passo é a compreensão, pela família, da importância dessa separação — o que só ocorre quando há abertura para o diálogo. Nos demais casos, quem conversa são os advogados.

Quando a família está sensibilizada para a questão, ela discute regras, comportamentos e condutas desejáveis e aceitáveis. Pode redigir um protocolo com a sua estrutura de governança e, depois, formalizar tudo num acordo de acionistas. Criar conselhos que façam sentido, como os de administração e de família ou sócios. O processo inverso, no qual a criação dos conselhos precede os entendimentos familiares, pode resultar em pouca governança e falta de funcionamento efetivo dos órgãos.

INTENÇÕES FORMALIZADAS — O acordo de acionistas é crucial para as empresas que querem elevar seu nível de governança. “O processo de elaboração do texto é mais importante até que o próprio acordo, pois nele a família aprende a conversar”, afirma Najjar. Consultores dizem que um acordo de acionistas bem feito deve tratar das questões mais prosaicas e ser extremamente detalhado. Marcatti costuma dividir o acordo em três grandes blocos: o dos aspectos legais da sociedade, o das combinações e acordos entre família e o das condições da participação dos sócios.

O conselheiro independente constrange os demais membros a discutir somente os assuntos relevantes para a empresa

No bloco das combinações, devem constar assuntos como as condições para o ingresso dos familiares no quadro de funcionários da empresa, o funcionamento e a composição do conselho de administração, a forma de aprovação do orçamento e dos investimentos da companhia, como será definida a distribuição de lucros, e as operações com partes relacionadas (como a possibilidade de a empresa fazer empréstimos para os parentes).

Na parte que trata do mercado, são especificadas regras de saída dos sócios: a obrigatoriedade de vender as cotas ou ações para os demais membros da família, se o acionista que está saindo pode abrir um negócio no mesmo ramo de atuação e, ainda, as regras para cálculo do valor da participação de quem está indo embora.

Quanto mais acionistas participarem do processo de elaboração do acordo, e quanto mais bem mediadas forem as discussões, maior a probabilidade de que os signatários tenham disposição de cumpri-lo. O bom acordo, diz Marcatti, é aquele que, além de tecnicamente perfeito do ponto de vista jurídico, representa a vontade dos sócios: “O acordo deve ser um consenso da maioria, no qual cada familiar abre mão de algum ponto, mas sente que sua vontade está representada”.

O acordo é o ponto de partida para o estabelecimento do conselho de administração — que pode, nas companhias fechadas, ser apenas consultivo, sem ter caráter deliberativo. “O conselho consultivo pode ser uma forma de aprendizado”, afirma Roberta Nioac Prado, da GV Law. Ou seja, serve para que o controlador aprenda a escutar opiniões de pessoas de fora da família, com experiência no mercado.

UM OLHAR DE FORA — Para que sua atuação seja mais efetiva, no entanto, o ideal é que o conselho seja deliberativo, exercendo o papel de avaliar a direção e de estabelecer diretrizes de longo prazo. Além disso, é recomendável que ele tenha membros independentes, nos moldes preconizados pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “No conselho de administração de uma empresa familiar, a figura do conselheiro independente adquire ainda mais importância”, diz di Miceli.
Além de trazer sua bagagem e visão de mercado, o independente constrange os demais membros a discutir somente os assuntos relevantes para a empresa. Sua opinião adquire um peso maior e retira muito dos aspectos emocionais que levam os conselheiros da família a apoiarem ou rejeitarem propostas dos parentes. Ele também amplia a isenção no processo de avaliação do desempenho dos executivos da família. Frequentemente, os conselheiros são parentes do principal executivo, o que torna a sua avaliação, no mínimo, enviesada.

Profissionalizar não é necessariamente demitir os parentes, mas sim instituir critérios para o ingresso de familiares na gestão

Fortalecer os conselhos de administração é um dos desafios para as empresas brasileiras: “Muitos dos conselhos são constituídos só por acionistas e não têm a independência e a disciplina necessária para cumprir seu papel”, afirma Elismar Alvares da Silva Campos, coordenadora do núcleo de governança corporativa da Fundação Dom Cabral.

“Precisamos evoluir na formação de conselheiros de administração”, acredita Marcatti. Cabe aos conselheiros da família entender o seu papel, estudar mais sobre finanças e contabilidade e sobre o mercado em que a empresa atua. Aos poucos, a percepção sobre a importância de buscar a qualificação dos conselheiros cresce nas companhias familiares, tanto abertas quanto fechadas. No ano passado, 40% dos participantes do curso de formação de conselheiros do IBGC eram de empresas familiares.

MENOS CONFIANÇA, MAIS DESEMPENHO — No âmbito da gestão, consultores concordam que uma condição essencial para elevar o patamar de governança corporativa é a profissionalização — entendida não necessariamente como a demissão dos parentes, mas sim como a instituição de critérios para o ingresso de familiares, com política de remuneração e plano de carreira condizentes aos dos demais funcionários. Algumas companhias optam por uma postura mais radical e vetam o acesso de qualquer familiar a cargos executivos.

Uma pesquisa feita pela Fundação Dom Cabral sobre a longevidade de dez empresas familiares brasileiras que estão na terceira geração identificou que, em todas, houve ruptura de modelos baseados na confiança e na lealdade entre os membros da família para aqueles em que prevalecem os critérios de desempenho. “Essas famílias descobriram que os cargos de gestão podem ser supridos pelo mercado, e que o principal problema é a preparação para isso”, afirma Elismar Campos.

O terceiro órgão que promove a segregação é o conselho de família, que visa a discutir assuntos que só dizem respeito aos seus integrantes, evitando que essas questões influenciem a empresa. O conselho de família ainda não é frequentemente adotado no Brasil. E, mesmo nos conselhos existentes, há tendência para a inoperância. A Höft, por exemplo, foi contratada no ano passado para colocar em funcionamento conselhos que já existiam, mas não funcionavam.

“O conselho de família é importante para resolver os casos de confusão patrimonial”, afirma Roberta Prado. É comum os bens de uso dos sócios estarem misturados aos da sociedade. Casas de praia e fazendas, por exemplo, mesclados aos ativos da empresa. Acionistas retirando dinheiro no caixa para passar o fim de semana. Tudo isso deve ser resolvido pelo conselho de família. Outra vantagem desse instituto é a redução da assimetria de informações entre os familiares que trabalham na empresa e aqueles que são somente acionistas. Geralmente, cada ramo da família escolhe o seu representante para o conselho de família.

Esse organismo funciona com maior ou menor grau de formalidade dependendo do tamanho da família. Alguns consideram que sua instalação vale a pena quando há mais de 30 membros, ou seja, quando a empresa já está por volta da terceira geração, e os interesses dos parentes são muito díspares. Nesses casos, recomenda-se que as reuniões sejam formais, inclusive com redação de ata.


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