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Um problema meu, seu, nosso
Melhorias são discutidas mundo afora para preservar a credibilidade do trabalho dos auditores — e uma delas é o controverso rodízio obrigatório de firmas, que retorna ao Brasil no fim do ano

, Um problema meu, seu, nosso, Capital Aberto

premioO futuro do mercado de auditoria virou um assunto global. Não há, dentre as principais economias do globo, país que não esteja preocupado em alinhar a importância que a auditoria conquistou no mundo empresarial a práticas que lhe assegurem credibilidade. A pergunta que incomoda é: como preservar essa confiança em um mercado mundialmente dominado por quatro firmas, cujos serviços são contratados e pagos pelo próprio auditado, e que se depara com instrumentos financeiros cada vez mais complexos?

Para responder a essas e outras questões — no total são 38 —, a Comissão Europeia (CE) levou ao mercado, no ano passado, o Green Paper on Audit Policy — Frequently Asked Questions. Com a crise financeira de 2008 como pano de fundo, o documento instiga o mercado europeu a refletir sobre o papel da auditoria na sociedade e as melhorias possíveis. “Existe algum conflito no fato de o auditor ser nomeado e remunerado pela entidade auditada? Que mecanismos alternativos poderiam ser adotados?”, pergunta a CE.

Nos relatórios de resposta publicados em seus websites, PwC e KPMG afirmam que não há conflito. A Ernst & Young (E&Y) reconhece que há conflitos em potencial, ao mesmo tempo em que cita medidas que aumentam a independência do auditor como o comitê de auditoria. De acordo com a E&Y, há uma clara necessidade de reforçar e definir melhor o papel e as responsabilidades desse comitê.

A concentração de mercado é outra preocupação, especialmente de reguladores. “Poderá a atual configuração representar um risco sistêmico?”, questiona a CE. O assunto também foi tema de uma reportagem da revista inglesa Accountancy, na edição de dezembro. Até o escândalo Enron (2000), o mercado era dominado pelas “big five” e, com o desaparecimento da Arthur Andersen, passou a ser das “big five”. Caso mais uma das firmas sumisse do mapa, o que aconteceria? A KPMG refuta a ideia de risco sistêmico. E dá como justificativa a capacidade do mercado de absorver os profissionais e a força de trabalho de uma firma que eventualmente venha a deixar de existir.

Se a meta é debater em escala global problemas e soluções, o Brasil tem sua contribuição: o rodízio obrigatório, que volta a valer no próximo ano. Criado em 1999 pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ele obriga as companhias abertas a trocar de auditoria em intervalos máximos de cinco anos, além de exigir que permaneçam com o novo auditor por pelo menos três anos antes de retornar à firma original. A medida estava suspensa desde 2008 para que o mercado pudesse se dedicar à incorporação das normas internacionais de contabilidade, os International Financial Reporting Standards (IFRS).

No ano passado, a CVM firmou um convênio com o Financial Reporting Council (FRC), responsável pela supervisão dos auditores que atuam no Reino Unido. Em dezembro, técnicos da autarquia embarcaram para Londres a fim de conhecer a metodologia de inspeção britânica. E os ingleses planejam desembarcar aqui no ano que vem para entender a experiência brasileira com o rodízio. “Todos os reguladores elogiam a nossa iniciativa, inclusive os Estados Unidos”, afirma Alexsandro Broedel Lopes, diretor da CVM.

O PCAOB pode ser implementado ainda em 2011, com uma equipe de inspetores independentes começando a atuar em até dois anos

O Green Paper indagou às auditorias se a rotação obrigatória das firmas não traria melhorias para a estrutura desse mercado. As grandes firmas responderam, em coro, que não. A KPMG argumentou que há poucas evidências sobre os resultados da medida. A PwC afirmou se tratar de uma “interferência altamente artificial no mercado”. A E&Y disse que o sistema já provou ter desvantagens significativas.

Diante da pouca experiência de outros países com o tema, é possível que o caso brasileiro acabe ganhando espaço nas discussões internacionais. Dentre as economias relevantes do mundo, somente o Brasil e a Itália adotam o rodízio. Esse é, aliás, um dos argumentos mais usados pelas auditorias locais para combater esse sistema. Segundo elas, o rodízio tem inúmeras desvantagens. Por exemplo, o aumento de custos (novos auditores precisam conhecer a companhia a cada cinco anos); e os riscos à qualidade do trabalho (as empresas são obrigadas a contratar serviços de firmas que não necessariamente são as mais especializadas no ramo em que atuam).

Os auditores entendem que o rodízio de firmas poderia muito bem ser substituído pelo de sócios (prática em que o auditor responsável pelo balanço é trocado de tempos em tempos, mas sua equipe é mantida). “Auditoria é conhecimento. Trazer o rodízio de volta é trazer mais riscos de erros”, sentencia Henrique Luz, sócio da PwC. Sergio Romani, sócio da área de auditoria da Ernst & Young Terco, engrossa o coro: “Não gostamos, porque preferimos que o mercado defina, com dinâmica própria, a troca do auditor”.

Do outro lado, os defensores do rodízio argumentam que o tempo de relacionamento entre as partes é uma variável crítica quando o assunto é qualidade. A ideia ganhou força no ano passado com a tese de doutorado defendida por Guillermo Braunbeck, na Universidade de São Paulo (USP). Em Determinantes da Qualidade das Auditorias Independentes no Brasil, Braunbeck elaborou um índice de qualidade dessas firmas (o Iqua) e constatou que os piores resultados ocorrem nas companhias que adotam práticas mais pobres de governança corporativa. Ao analisar os efeitos do tempo de relacionamento entre auditor e cliente, Braunbeck encontrou indícios de que a troca obrigatória tem, sim, relevância.

É curioso que, ao longo da sua carreira profissional, em que atuou como auditor e cliente de firmas de auditoria, Braunbeck tinha a sensação de que o rodízio não trazia benefícios. Agora, como acadêmico, mudou de opinião. “É cedo para falar em suspender definitivamente a troca de auditores. Há custos, mas vale a pena bancar esse processo”, constata.

Nivelar as práticas de governança das companhias em patamar elevado seria uma excelente solução para o longo prazo, mas, na prática, sabemos o quanto isso é difícil. Um exemplo foi a tentativa de impor a criação de comitês de auditoria com maioria de membros independentes na reforma dos regulamentos dos níveis diferenciados de governança da BM&FBovespa. Nem mesmo a colher de chá de um prazo de três anos para implantação do comitê seduziu as empresas.

PCAOB BRASILEIRO — O Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), historicamente contrário ao rodízio, também procura uma solução alternativa. A entidade tem na prancheta o projeto de desenvolvimento de um órgão independente para supervisionar as firmas de auditoria que funcionaria como uma espécie de Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB) — a entidade norte-americana criada pela Lei Sarbanes-Oxley, em 2002, após escândalos contábeis que abalaram o mercado e a confiança no trabalho dos auditores.

Atualmente, o projeto do PCAOB brasileiro encontra-se nas mãos do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) para análise. “Nosso modelo seria um pouco diferente do órgão de supervisão dos Estados Unidos”, antecipa Ana Maria Elorrieta, presidente do Ibracon. Isso porque já existe no Brasil um formato de supervisão em vigor: a chamada revisão externa por pares, que ocorre a cada quatro anos. “Teríamos que fazer uma transição” , diz Ana Maria. O projeto do conselho brasileiro pode ser implementado ainda este ano, com uma equipe de inspetores independentes começando a atuar em até dois anos.

Não há dúvida de que, para os auditores, o aprimoramento dos controles internos das empresas seria muito bem-vindo. Escândalos de fraude em balanços arranham a imagem das grandes firmas. O caso mais recente no Brasil é o do Banco Panamericano O prejuízo que somaria R$ 4 bilhões não foi visível nem para a Deloitte, sua auditora, que acabou por atestar um balanço que estava longe de retratar a situação econômica do banco.


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