Um passo para o mundo virtual
Área técnica da CVM dispensa reconhecimento de firma para as procurações de voto em assembléia

, Um passo para o mundo virtual, Capital AbertoNo dia 20 de fevereiro de 2008, consultores e advogados reuniram-se com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) durante um almoço, no Rio de Janeiro. No cardápio, um pedido à autarquia de posicionamento sobre o uso de ferramentas de internet em assembléias de acionistas. Transmissão on-line (webcast), certificação digital e procuração virtual de voto são tecnologias acessíveis às companhias e aos investidores que não podem ser usadas devido ao risco de anulação do encontro, dado que não há regulação da CVM sobre o assunto. As ferramentas ajudariam a resolver um problema que atormenta o mercado brasileiro: o baixo quórum que as assembléias costumam ter no País, situação que deve se agravar com o aumento do número de empresas com ações exclusivamente ordinárias e controle difuso. Advogados, executivos e prestadores de serviço tinham pressa em receber o posicionamento da CVM sobre as ferramentas e encaminharam uma consulta pública à autarquia.

Quarenta e nove dias depois, desta vez em café-da-manhã promovido pela CAPITAL ABERTO, o diretor da CVM Marcos Barbosa Pinto afirmou que as indagações geraram um pedido de consulta à área técnica da autarquia e que esta manifestou três opiniões: é a favor da dispensa do reconhecimento de firma nas procurações — conforme já prevê o Código Civil —, não vê problemas nas procurações totalmente eletrônicas e não se opõe à transmissão on-line das assembléias, desde que o acesso seja liberado a todos os acionistas. E no caso dos detentores de ADRs? Como esse tipo de investidor é obrigado a notarizar (o equivalente a reconhecer firma) e consularizar (obter uma certificação do consulado de que a notarização é válida) a procuração em meio físico, a dúvida é se será necessário passar pelo mesmo processo no ambiente virtual. Este é o único ponto da consulta, segundo o diretor, ainda sem posição da CVM. “Vamos consultar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre a questão.”

Com o entendimento do colegiado, a Equatorial Energia planeja ser a primeira a adotar o procedimento totalmente eletrônico para a procuração de seus investidores. O advogado da companhia, Alex Cukier, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão, conta que, na próxima assembléia, pretende colocar no estatuto a previsão de dispensa do reconhecimento de firma para, assim que a CVM regular o assunto, dispor de toda a base legal necessária. A esperança de Cukier de contar com um entendimento positivo também do colegiado vem do precedente aberto pela Instrução 317, que fala sobre o programa de depositary receipts (DR). Nele, a CVM dispensa a notarização e o reconhecimento de firmas dos instrumentos de procuração dos detentores de DRs desde que essa possibilidade esteja claramente prevista no estatuto social.

OUTRAS FERRAMENTAS — Mesmo que tudo ocorra como projeta a Equatorial, não será novidade que a companhia usará a internet para ampliar a participação de acionistas em suas assembléias. Em fevereiro passado, ela foi a primeira cliente do Assembléias Online, serviço lançado pela consultoria MZ Consult. O portal conta, entre outras coisas, com hotsite sobre as matérias a serem votadas no evento e modelos de procuração prontos que requerem apenas a assinatura com firma reconhecida do acionista e o envio — por enquanto — pelo correio.

A medida está de acordo com o pedido feito pela Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, para que as empresas melhorem a divulgação dos temas a serem deliberados em suas assembléias. Desde o aviso dado pela maior fundação do País, companhias como Perdigão, Itaú e CPFL adotaram manuais e passaram a divulgá-los na internet.

Equatorial planeja ser a primeira a adotar o procedimento totalmente eletrônico para a procuração de voto

Quando o assunto é manual, a Embraer pode ser considerada uma referência. Com mais de 53% de capital total em ADRs, a companhia publica esse tipo de guia para a assembléia desde 2007. No último encontro de acionistas, em 14 de abril, conseguiu a presença de aproximadamente 86% dos acionistas estrangeiros — uma conquista comemorável diante dos baixos quóruns enfrentados por outras empresas que não possuem um controlador. Segundo o vice-presidente executivo financeiro e de Relações com Investidores da Embraer, Antônio Luiz Pizarro Manso, o resultado deve ser atribuído, em boa parte, ao manual on-line do investidor — que inclui, além da descrição detalhada dos temas, os modelos de procurações. Segundo o executivo, o manual só não resolveu um problema da empresa: o prazo curto de preparação da assembléia. “O processo é muito apertado. Temos 30 dias para enviar o material e receber as procurações. Ferramentas de internet nos ajudariam a otimizar o processo”, defende Manso, também palestrante no café-da-manhã. O vice-presidente afirmou que “a Embraer investe na transparência com o intuito de atrair o investidor” — em resposta a um comentário vindo da audiência de que a divulgação pela internet das companhias seria feita apenas por economia ou obrigação, e não por um esforço autêntico de governança corporativa. O quórum total registrado na AGE, sem distinção de nacionalidade, foi de 82,75%.

Outra intervenção da platéia defendeu que a melhora no nível de governança corporativa será mais rápida se houver mais regulação da CVM sobre as obrigações das empresas em relação às assembléias. O debatedor Paul Schulman, vice-presidente executivo e chefe do grupo de proxy do The Altman Group, estranhou a idéia: “Nos Estados Unidos, ninguém pede mais regulação da governança à Securities and Exchange Commission (SEC)”, comparou. Ele citou o “notice and access (N&A)” como exemplo do efeito perverso que a regulação pode provocar. Trata-se de um modelo virtual de proxy statement — o material com os assuntos da assembléia e as procurações, equivalente ao que no Brasil se preferiu chamar de manual — no qual a companhia avisa (notice) o investidor sobre o site onde ele pode acessar (access) o material. Antes, o envio dessas informações era feito, obrigatoriamente, pelos correios. Empresas que adotaram o N&A tiveram redução no voto de investidores pessoas físicas, cuja média caiu de 20% para 9% em 2007, segundo estudo da consultoria Carl T. Hagber & Associates. A suspeita é de que a necessidade de acessar a internet para fazer o preenchimento até então manuscrito mudou a rotina e desmotivou investidores individuais a votar. De acordo com a SEC, o proxy statement físico ainda deve ser enviado obrigatoriamente quando solicitado.

O Altman Group tem como seu principal produto o pedido de procuração — um serviço que ainda não existe no Brasil e que a CVM, segundo Pinto, pretende regular. Contratada por companhias com dificuldades de quórum nas reuniões, a prestadora de serviço solicita as procurações aos investidores por telefone, carta, fax e e-mail. Segundo o diretor, essa atividade será regulamentada no Brasil pela CVM, por meio de instrução que exigirá, também, maior divulgação de informações pelas companhias. O objetivo é possibilitar aos investidores tomar suas decisões de voto com mais esclarecimento.

BRASIL X ESTADOS UNIDOS — Schulman notou que o controle das procurações de voto no Brasil é mais forte que nos Estados Unidos. Por aqui, a análise dos documentos feita pelas companhias demanda cerca de dois dias até ser concluída, enquanto no sistema norte-americano essa etapa é mais frouxa. “Se a procuração foi enviada ao investidor e retornou, o voto é computado. Não importa se a assinatura é do Mickey Mouse, lá não se analisa documento por documento como aqui.”

Mesmo sendo líder em volume, o mercado norte-americano não necessariamente é exemplo de governança corporativa. Quem acredita nisso é Eduardo Lucano, superintendente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), também debatedor no evento. Ele enxerga um bom momento para o País escolher o seu modelo ideal de assembléia. “Que tipo nós queremos: a americana, em estádios, que é mais uma forma de comunicação do que de governança, ou uma que use ferramentas para aumentar a democracia corporativa?” Lucano prefere a segunda opção e acredita que o futuro está num sistema mais afinado de procuração eletrônica de voto. Marcos Barbosa Pinto, da CVM, concorda. “Nossa tarefa atual é acelerar a regulação sobre procuração eletrônica e certificação digital”, diz. E quanto a uma assembléia totalmente virtual, sem a necessidade de um encontro físico concomitante? Essa já parece, na visão de Pinto, uma questão para o futuro. “O mercado ainda não está preparado para enfrentar essa hipótese. Quem sabe, daqui a alguns anos.”


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