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Turma visionária
Novatas da Bolsa conquistam investidores com surpreendentes histórias de empreendedorismo

, Turma visionária, Capital AbertoAo longo de 2010, nove empresas realizaram ofertas iniciais (IPO, na sigla em inglês). Captaram juntas um total de R$ 9,746 bilhões, mas suas semelhanças não vão muito além do plano comum de abrir o capital e do ano em que conseguiram concretizá-lo. A atual safra de novatas da BM&FBovespa revela que o mercado de capitais brasileiro está cada vez mais diversificado e democrático. No grupo, há empresas familiares com décadas de história e firmas que sequer começaram a operar. A oferta de mais de R$ 2 bilhões da HRT Participações foi precedida pela da Renova Energia, de apenas R$ 160 milhões. Há empresário que chegou a esse estágio depois de abrir mão dos estudos para se dedicar integralmente ao negócio. E aquele que obteve o mesmo feito depois de uma jornada acadêmica irretocável. A seguir, um pouco da história dessas companhias e de seus idealizadores.

Nicho alternativo

Ricardo Delneri é o que podemos chamar de empreendedor em série. Aos 40 anos, nunca teve uma carteira profissional. Desde a faculdade — cursou administração de empresas na Faap, em São Paulo —, dedica-se aos próprios negócios. Seu currículo é diversificado. Embarcou no boom da internet com um site de hospedagem de fotos, numa época em que a câmera digital ainda estava longe de ser popular. Foi dono de uma agência de turismo, de uma corretora de seguros e de uma gestora de recursos — a Tudor Asset Management, que fez parte da primeira geração de gestoras independentes do País.

Vendeu-a em 1999, depois de sucessivos abalos decorrentes de crises internacionais. “Na época, o Brasil era um mercado pequeno que sofria muito com a fuga dos estrangeiros”, recorda. O que poderia ser a saída de Delneri do universo do mercado de capitais foi, na verdade, o começo da sua empreitada rumo à Bolsa. Em 2000, ingressou no setor elétrico ao fundar a Renova Energia. Dez anos depois, comanda — e controla — a única companhia de energia alternativa de capital aberto do mercado brasileiro.

Ao lado de Renato do Amaral Figueiredo, parceiro que o acompanha na série de empreendimentos dos últimos 20 anos, Delneri iniciou a Renova com foco em geração de energia através de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). As PCHs produzem até 30 megawatts e, diferentemente das grandes usinas, não são exploradas por meio de concessões. O modelo é baseado na identificação de projetos e obtenção de uma autorização do órgão regulador para executá-los. “Achamos que era uma forma de estar em um segmento diferente, interessante e grande”, justifica Delneri.

A Renova se define como uma “fábrica de projetos”. Sua expertise é identificar locais com bom potencial de aproveitamento, implantar a infraestrutura necessária através de parcerias com grandes construtoras, administrar o negócio e comercializar a energia gerada. Tudo isso através de uma engenharia financeira arrojada, guiada por pesados investimentos em ativos imobilizados. Três PCHs, todas na Bahia, estão em operação, enquanto outras centrais se preparam para começar a produzir em diferentes estados.

Mas a menina dos olhos da Renova é a energia eólica, principal destino dos R$ 160 milhões captados no IPO. São 20 parques em construção, também na Bahia, e com previsão de início das operações em 2012. Se os ventos soprarem a favor do projeto, os parques gerarão, juntos, 460 megawatts de energia. O incremento é significativo, especialmente se considerada a capacidade instalada do País. Atualmente, o Brasil é capaz de gerar 100 mil megawatts de energia, e apenas 700 megawatts vêm de parques eólicos. A energia gerada pelos ventos tem fama de cara, mas Delneri garante que isso não é bem verdade. Seu custo só seria superior ao do megawatt gerado por usinas hidrelétricas de grande porte.

A necessidade de capital para levar adiante tantos projetos promete tornar a Renova uma emissora frequente. A primeira oferta de debêntures, realizada com esforços restritos de venda, seguia em andamento até o fim desta edição. Um follow-on da oferta de ações também não é descartado, principalmente porque o volume do IPO ficou abaixo do esperado. A ideia era ofertar cerca de 40% do capital total da companhia por R$ 550 milhões, em vez dos 20% vendidos. O preço saiu abaixo do esperado — “foi o momento de mercado”, diz o empresário —, o que o levou a reduzir a oferta. Enquanto isso, os investidores se familiarizam com o modelo de negócios da Renova. “Temos a vantagem de ter saído na frente”, orgulha-se Delneri.

A força do petróleo

“Meu sonho era ficar a vida toda na Petrobras”, lembra Marcio Rocha Mello, referindo-se aos primeiros 26 anos de carreira, todos dedicados à gigante do petróleo. Mas seu destino mudou com a promulgação da Lei do Petróleo, de 1997, que pôs fim ao monopólio estatal do setor e abriu as portas do País às empresas estrangeiras. Era a sua chance de um voo solo usando os conhecimentos adquiridos como chefe de geoquímica do petróleo e criador do primeiro centro de excelência da Petrobras. “Em 2000, decidi sair e montar um negócio próprio”, conta. Na verdade, montou três: um laboratório de geoquímica de análise, outro de geofísica e uma divisão especializada na interpretação de dados do setor.

Passados quatro anos, sua empresa acumulava 1,8 mil funcionários e era a maior da América Latina na atividade. Mas os atributos não foram suficientes para evitar a venda. A necessidade de capital era intensa, admite Mello. Na ocasião, o empresário garantiu à esposa que deixaria de trabalhar. Não cumpriu o prometido. Apenas quatro dias depois montou a HRT, exatamente com os mesmos serviços que a antiga empresa oferecia. “Não havia cláusula de quarentena na negociação, porque nunca imaginariam que eu recomeçaria”, especula Mello que, além de fundador, é hoje diretor-presidente e membro do conselho de administração da companhia.

Em 2009, a prestadora de serviços de seleção e localização de campos de petróleo e gás resolveu desbravar uma atividade nova: exploração. A ideia era usar a própria expertise para identificar ativos promissores e convencer investidores a financiar a compra dos campos. A estratégia deu certo. Em uma colocação privada de ações realizada em outubro e novembro de 2009, atraiu cerca de 60 investidores. Dentre os novos sócios estava o bilionário fundo MSD Energy, de Michael Dell, fundador da Dell Computers, que arrematou 12,5% da companhia.

Com os recursos captados, a HRT adquiriu 51% de 21 blocos na Bacia do Rio Solimões, na Amazônia, e 100% de dois blocos no mar da Namíbia (área que é uma espécie de irmã geológica do pré-sal brasileiro). Menos de um ano depois, chegou à BM&FBovespa através da HRT Participações, holding que engloba a prestadora de serviços Ipex e a pré-operacional HRT Oil & Gas, titular dos blocos. Captou R$ 2,3 bilhões — o segundo maior IPO do ano, atrás apenas da OGX, do empresário Eike Batista.

“O que nos favoreceu foi o momento econômico. O Brasil é o país da vez, o país do petróleo”, avalia. O otimismo de Mello vai além. “A BM&FBovespa será a maior bolsa do mundo. E nós queremos ser a maior empresa independente de óleo e gás e a melhor em relacionamento com investidores”, afirma. De acordo com Mello, o custo máximo de produção, por barril de petróleo, na Bacia do Rio Solimões, é de US$ 16. “O óleo da Amazônia é o melhor do Brasil, com cotação internacional de US$ 80 atualmente”, ressalta. Na Namíbia, o custo seria ainda menor: US$ 14 por barril. As primeiras perfurações serão feitas no ano que vem. As reservas estimadas são de 2,07 bilhões de barris.

Construindo com parcerias

As principais obras de engenharia das últimas décadas contam um pouco da história da Mills Engenharia. Constituída em 1952, a empresa forneceu andaimes e soluções de escoramento para a construção de marcos do desenvolvimento econômico da década de 1970, como a Ponte Rio-Niterói, o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, a Catedral de Brasília e a usina hidrelétrica de Itaipu, a maior geradora de energia do mundo. Mais recentemente, ajudou a erguer a ponte estaiada Octávio Frias de Oliveira, em São Paulo, e a Cidade da Música, no Rio de Janeiro. As obras de arquitetura arrojada evidenciam sua habilidade em desenvolver soluções personalizadas e desafiadoras — o mesmo diferencial que a permitiu driblar décadas de acesso a crédito caro e de curto prazo para chegar à Bolsa, em abril. Numa tacada só, captou R$ 685 milhões.

“Fazíamos dívida de curto prazo para financiar o crescimento da empresa”, volta no tempo Andres Cristian Nacht, filho do fundador, ao contar sobre os anos do “milagre brasileiro”. Na época, a demanda da construção civil era crescente, mas empresas como a Mills, uma prestadora de serviços de porte mediano, não se encaixavam nas linhas de crédito oferecidas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), as únicas de custo acessível. Hoje, a situação é bem diferente. A parcela primária do IPO forrou o caixa da Mills com R$ 425,9 milhões.

A chegada ao Novo Mercado representou outras mudanças significativas. Aos 68 anos, Nacht, filho do fundador da companhia e dono da maior parcela de ações, diz estar “ocupado como há anos não se encontrava”. Em 1998, o engenheiro — filho de imigrantes romenos, nascido na Argentina e educado na Inglaterra — deixou a presidência executiva da Mills para participar apenas do conselho de administração. Foi quando passou a se dedicar com mais intensidade a atividades no terceiro setor. É diretor da Vila Olímpica da Favela da Maré e presidente da cooperativa de microcrédito Viva Crédito, dois projetos sociais sediados no Rio de Janeiro. “Depois do IPO passei a ser mais demandado. Nos deparamos com situações que são inéditas para a empresa”, afirma, orgulhoso.

O engenheiro é o único membro da família controladora no quadro de executivos da Mills, comandada por profissionais de mercado desde antes da chegada dos primeiros fundos de private equity na empresa. Auditoria externa, por exemplo, já existia na companhia na década de 70, por conta de associações com pares internacionais. “Desde meados dos anos 90, temos conselho de administração constituído. Percebemos o benefício de ter pessoas de fora para guiar os executivos”, reconhece. Desde a estreia na Bolsa, os papéis da Mills acumulam alta de mais de 90%. Saltaram de R$ 11,50 no IPO para R$ 22,36 no fechamento do dia 23 de novembro. O desempenho fica ainda melhor quando comparado ao do Ibovespa, que registrou queda de 3,64% no mesmo período.

Vida nova

A trajetória da Julio Simões até a Bolsa de Valores foi conduzida por Fernando Simões, filho do fundador, um ex-mecânico de caminhões que em 1956 tomou a decisão de ter a sua própria frota. Inicialmente criada para atender as indústrias petroquímica e de papel e celulose, a transportadora rodoviária depois ampliou seu escopo de atuação, tornando-se uma operadora logística com serviços de carga, descarga, coleta de matéria-prima e gestão de informações.

Ao contrário de Nacht, da Mills, e de Mello, da HRT, Simões não estudou na Europa. Pelo contrário. Abriu mão de cursar uma faculdade ao optar pela dedicação integral ao negócio da família. Começou aos 14 anos, como auxiliar administrativo, na área de expedição de cargas. “Datilografava notas fiscais”, lembra. A tarefa lhe rendeu as primeiras noções de logística. Ao preencher o documento, identificava o tipo de carga, seu destino e o custo do transporte. Aos 20 anos, já era responsável por toda a operação. Aos 21, assumiu a divisão comercial. Simões não sabe dizer se o conhecimento acadêmico lhe faz falta. “Como nunca tive, não sei”. E arremata: “Talvez não sinta falta porque estou cercado de pessoas que me complementam”.

Simões se orgulha do crescimento de “25% ao ano nos últimos dez anos”. Esse teria sido um dos principais motivos do sucesso do IPO, que somou R$ 478 milhões em uma oferta exclusivamente primária e correspondente a cerca de 25% do capital social. “Em 2009, vimos que, para desenvolver a companhia, perpetuá-la e atender às necessidades dos clientes, o acesso ao mercado de capitais deveria entrar nos planos”, relata Simões, que até então nunca havia convivido com sócios. “Chegamos a ser procurados por fundos de private equity, mas no estágio em que estávamos avaliamos que eles não acrescentariam ao negócio”, justifica.

Aos 42 anos, Simões acumula os cargos de presidente executivo e do conselho de administração. Mas a sobreposição está com os dias contados. A partir da entrada em vigor das mudanças no regulamento do Novo Mercado, companhias já listadas terão até três anos para pôr fim ao acúmulo de funções. No processo de votação conduzido pela BM&FBovespa para a reforma do segmento, a Julio Simões votou contra a proposta. Entende que não seria prejudicial manter a atual estrutura. Mas como foi voto vencido, promete cumprir o prazo. Uma possibilidade é manter a família à frente dos dois principais órgãos, com a promoção do conselheiro Fernando Simões Filho, de 22 anos.

Quando a oportunidade faz o IPO

Começar um negócio do zero, empreendendo durante toda uma vida, não é o único meio de se chegar à bolsa. Prova disso é a Gulf, comandada por Ney Prado Júnior. A empresa realiza investimentos em diversos segmentos — construiu, por exemplo, o Hotel Fasano do Rio de Janeiro, mas o que chama atenção é a sua capacidade de formar novas companhias através de vultosos processos de consolidação.

Sua primeira incursão na BM&FBovespa foi em 2007, quando realizou o IPO da BR Brokers, uma holding na qual agrupou várias corretoras de imóveis. Na operação, captou R$ 304 milhões, via oferta primária, que reforçaram o caixa da companhia; além de outros R$ 395 milhões, embolsados pela Gulf e pelos demais sócios, os donos originais de cada corretora. Neste ano, a Gulf voltou à Bolsa. Dessa vez, ofertando ações da BR Insurance, holding que reúne mais de 20 corretoras de seguros.

O formato do negócio é o mesmo da BR Brokers. Uma vez mapeadas as oportunidades de compra, a Gulf começa o processo de consolidação. A vantagem é conseguir, rapidamente, formar uma rede de atuação capilarizada e em pleno funcionamento. O desafio é poder reunir interesses e expectativas de sócios que, até então, comandavam o próprio negócio. Mas, a julgar pelo IPO, não foi tão difícil convencê-los. No começo de novembro, a BR Insurance levantou R$ 644,6 milhões, dos quais R$ 296 milhões foram embolsados pelos acionistas vendedores. O restante será usado para dar prosseguimento à onda de aquisições.

No modelo Gulf, os donos das corretoras vendem seus negócios e, simultaneamente, fazem uma permuta por parte das ações da nova controladora. Assim, todos passam a figurar como sócios-fundadores da holding, ganham representatividade na nova companhia (tanto no conselho de administração quanto nos comitês de trabalho) e continuam à frente de suas unidades de negócio. A atratividade do modelo deriva da liderança de mercado conquistada. Corretoras que antes atuavam de forma individual passam a usufruir dos ganhos de escala proporcionados pela expansão da carteira de produtos oferecidos.

A expectativa de crescimento da área de seguros é outro atrativo. “Até setembro, o setor cresceu 16%”, destaca Carlos Alberto Trindade, CEO da BR Insurance. Da estreia ao dia 23 de novembro, as ações da seguradora acumulavam alta de 20% — desempenho bem diferente do apresentado pela BR Brokers, que registrava baixa de 2,15% desde o início dos negócios. (Y.Y.)


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