A estratégia da Movile para se tornar um unicórnio
Paranoia dos sócios garantiu sobrevivência ao fim dos produtos para celulares pré-smartphones
A estratégia da Movile para se tornar um unicórnio

Eduardo Henrique, sócio fundador da Movile. Foto: Gustavo Lourenção

Eles sentiram na carne o que é ser pego pela onipresente disrupção do mundo da tecnologia. Sobreviveram porque seguiram a pregação de Andy Grove, o falecido presidente da Intel: “Tem que ser paranoico! Só os paranoicos sobreviverão!” Duas décadas depois de fundar — e quase afundar — a Movile, Eduardo Henrique e Fabricio Bloisi transformaram a empresa em mais um unicórnio brasileiro, ao lado de nomes como Nubank, Pag Seguro e 99. O status de valor de mercado superior a 1 bilhão de dólares, entretanto, não foi alcançado sem obstáculos. A dupla teve que superar baques como o fato de os smartphones terem engolido os celulares e, consequentemente, seu negócio de ringtones e SMSs. “Lembro das aulas de empreendedorismo com o professor Vasco [de Vasconcelos]. Tínhamos uns 18 anos em 1995, novatos na Unicamp, mas já falávamos da aventura que seria abrir nossas próprias empresas”, recorda Eduardo, que conversou com a reportagem, via whatsapp, de Miami. Ele vive nos EUA desde 2017 com o objetivo de expandir as operações da Movile.

O sonho dos dois de abrir uma empresa não ficou no papel. Fabricio já trabalhava na Conpec, a empresa júnior de TI da Unicamp, quando abriu seu primeiro empreendimento, a Intraweb, mais tarde renomeada para Compera, em 1999. Na mesma época, Eduardo dava início à sua primeira startup, a Infosoftware. Desenvolvedoras de softwares, as empresas tiveram como clientes a Bosch e a Unilever, instaladas na região de Campinas.

Inspiração de fora

O investimento de partida na Infosoftware de Eduardo veio da família de um amigo, que procurava ativos novos, de tecnologia; já seu atual sócio conseguiu naquela época atrair a gestora de recursos Rio Bravo para a Compera. As operações de ambos foram se avolumando até que, em 2007, Fabricio apresentou dissertação de mestrado em que comparava o ambiente do Vale do Silício, nos Estados Unidos — essencial para o nascimento e o agigantamento de empresas de tecnologia — com o do Brasil. “É uma comparação até injusta, considerando a maturidade das duas regiões”, admite Eduardo. “Mas, na cabeça do Fabricio, o Brasil tinha potencial para muito mais. Ele achava que faltava pensar grande, tomar mais risco, ousar, ter investimentos e projetos mais ambiciosos.”

Levando a teoria para a prática, Fabricio montou um projeto que contemplava a fusão com uma empresa mais ou menos do mesmo tamanho da Compera, a fim de levantar os maiores investimentos em startups que o Brasil já vira até aquele finzinho da década de 2000. Com a tese na cabeça e o plano na mão, convenceu a carioca N Time, uma empresa da Endeavor e concorrente da Compera, a fechar uma fusão, meio a meio. O passo seguinte foi captar aporte da Naspers, tradicional grupo de mídia da África do Sul, que estava diversificando investimentos de internet em mercados emergentes.

Resiliência

Enquanto isso, Eduardo enfrentava seus desafios na Infosoftware. Quebrou duas vezes, recuperou-se e ainda assim amealhou capital suficiente para abrir mais uma empresa — justamente a Movile —, que apostava no celular como ferramenta de marketing para empresas. Fabricio se animou com a empreitada e, embora pensasse diferente — acreditava mais no avanço do SMS interativo — resolveu juntar sua empresa à Movile. Com a musculatura recém-adquirida, a dupla passou a sonhar mais alto. O objetivo era desenvolver a maior empresa de mobile no Brasil, o que implicava uma aquisição, ou fusão, com o primeiro ou o segundo colocado. Abordaram a Yavox, que em 2009 se somaria ao time para criar a maior empresa de interatividade por SMS, ringtones e conteúdo para celulares do Brasil.
Como bons bandeirantes, conquistado o território nacional, expandiram as fronteiras para a América Latina. Com dinheiro da Naspers, compraram a Cyclelogic, que possuía operações no Brasil, na Argentina, no Chile, na Colômbia, na Venezuela, no México e nos Estados Unidos. Ganharam presença física, profissionais de vendas e operações em todos esses mercados, o que foi imprescindível para aclimatar produtos e plataformas às realidades de cada país. “Na teoria é fácil contar, mas nunca é fácil manter integrados comunicação, cultura e gestão”, destaca Eduardo.


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Barra mais alta

Quando tudo estava arrumado, em 2011, Fabricio — cuja função na parceria é justamente “subir a barra” —, lançou o desafio de serem mais focados em inovação. Nessa época, os smartphones, inventados em 2007 por Steve Jobs, estavam crescendo exponencialmente na América Latina e varrendo os produtos desenhados para celulares antigos — a razão de ser da Movile. Ou seja, quem tinha sido disruptivo no começo fora alcançado pela onda da nova disrupção. “Foi um momento crucial na vida da companhia. Tínhamos que decidir: ou a gente ficava paranoico, se reinventava e apostava tudo na inovação, ou em cinco, seis, sete anos, desapareceríamos”, lembra Eduardo.

Partiram para a opção do tudo ou nada. Em fevereiro de 2012, abriram um escritório no Vale do Silício. Eduardo foi expatriado para descobrir como a Movile poderia se reinventar. “Foi um ano muito bom e muito ruim ao mesmo tempo. Muitos experimentos fracassaram e gastamos dinheiro em coisas que deram errado. Mas valeu pelo que gerou de aprendizado”, afirma Eduardo. “A cada erro percebíamos que tínhamos que andar mais rápido, testar mais rápido e aprender mais rápido, na velocidade com que as empresas do Vale do Silício aprendem.”

Em janeiro de 2013, a dupla apostou no desenvolvimento de um aplicativo de desenhos animados para crianças, o Play Kids, que se tornou um sucesso global (em pelo menos 100 países) nos dois anos seguintes e hoje é o principal em receita da loja da Apple. Planejado como ferramenta de apoio educativo para as famílias, serviu também para a Movile aprender como se relacionar com gigantes do mundo digital, como Apple, Google e Facebook.

O salto do unicórnio

Paralelamente, no Brasil, Fabricio levava a Movile a investir em startups. Uma das empresas que recebeu aporte em 2013 — no total de 2 milhões de dólares — foi o aplicativo de entrega de comida iFood. Naquela época, o app recebia 15 mil pedidos por mês. O casamento foi tão bem-sucedido que o número subiu para 13 milhões — crescimento que, no fim do ano passado, valeu um aporte de 500 milhões de dólares. Com o sucesso da iFood, Fabricio, como de costume, elevou a aposta. Desta vez, investiu na Sympla, uma empresa de ingressos de Belo Horizonte. Por meio da plataforma oferecida pela startup, um organizador pode criar e gerir seu evento, bem como disponibilizar os ingressos para compra.

Os investimentos fazem parte da “visão” inscrita na sede da Movile: “melhorar a vida de 1 bilhão de pessoas com as nossas tecnologias”. Eduardo e Fabricio estimam já ter batido 25% dessa meta e acreditam que vão atingi-la por completo se continuarem paranoicos. “Não acredito em outra filosofia para empresas de tecnologia”, diz Eduardo. “Aprendemos a usar tentativa e erro no Vale do Silício, e dizemos para nossos colaboradores não terem medo de tomar risco. É preciso se ter ousadia de mudar o status quo”, prega.

Mas existe um senão: deve-se errar do modo mais rápido e mais barato possível. Cometer um erro de 2 milhões de dólares em seis meses é uma tragédia, pelo tempo e pelo montante de dinheiro desperdiçados. “Agora, se um analista diz que fez um experimento de 5 mil reais que poderia abrir um mercado de x milhões de dólares, mas deu tudo errado, a primeira pergunta que vou fazer é: e o que você aprendeu com esse erro? É importante o erro resultar em aprendizado”, sublinha Eduardo.

Hoje, ele é CEO da Wavy, empresa que concentra a área de conteúdo móvel e mensageria da Movile. A empresa se tornou pioneira no mundo na troca do SMS pelo WhatsApp, mas ainda mantém presença no negócio de SMS corporativo. É a Wavy que envia, por exemplo, mensagens a correntistas de Bradesco, Caixa, Santander, Itaú e a usuários do Google. “Está vindo uma nova onda de inovação que pode revolucionar de novo nosso negócio de SMS”, diz Eduardo.

A inovação a que ele se refere é o WhatsApp. O aplicativo abriu canais de diálogo entre as empresas e seus clientes, que, na sua visão, vão evoluir exponencialmente graças à inteligência artificial e a outras tecnologias de automatização das conversas empresa-cliente pelo app. “Vem aí um tsunami!”, anima-se Eduardo. “Vejo oportunidades de trilhão de dólares em inteligência artificial nos próximos dez anos. Vamos ver quem vai surfar essa onda e quem vai ficar pelo caminho.”

Mas o Brasil estará preparado para essa expansão ainda maior de inteligência artificial, redes neurais e robôs? “Acho que coisas boas aconteceram no Brasil nos últimos 20 anos”, observa Eduardo. Ele destaca que, há duas décadas, dinheiro para startup era praticamente nenhum, enquanto que hoje pululam os fundos e investidores-anjo à caça de novatas. “O Brasil já tem vários casos de sucesso, e quem esteve envolvido com eles passa adiante histórias inspiradoras.” Palavra de quem foi, viu e viveu para contar.


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