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Dispersão do capital desenha novo cenário para as relações entre acionistas e inspira mudanças nos modelos de governança corporativa

, Sob revisão, Capital AbertoO conceito de boas práticas de governança está na ponta da língua de qualquer departamento de Relações com Investidores (RI). Dá até a impressão de que a correlação entre companhias abertas e boas práticas sempre existiu, mas quem viveu essa história sabe que chegar a esse estágio não foi tão simples assim. O grande desafio era colocar a teoria em prática, pois isso pressupunha entrar em rota de choque com antigas estruturas de poder, marcadas pela falta de transparência e o desrespeito ao acionista minoritário.

Mas o que esperar para os próximos anos? Não há de se pensar que os problemas estarão todos resolvidos. Falhas observadas em companhias que abriram o capital nos últimos tempos com o mote da boa governança deixam evidente que ainda há muito trabalho pela frente. Governança corporativa é um tema da moda, mas seu futuro dependerá da adoção mais efetiva das boas práticas. Esse foi um dos assuntos discutidos no encontro anual do International Corporate Governance Network (ICGN), ocorrido em junho, na Coréia do Sul. “Daqui para frente, devemos deixar de fazer as coisas para parecer, e passar a fazê-las para ser. Nada de criar conselhos para inglês ver ou cumprir checklists de códigos de governança”, observa Herbert Steinberg, sócio da consultoria Mesa Corporate Governance.

1. Assembléias, finalmente, com o devido papel
De maneira geral, pode-se dizer que as tendências para a governança passam pelas novas estruturas de capital. Viu-se nos últimos anos que a maior parte das novatas da bolsa de valores lançou apenas ações ordinárias e algumas abdicaram até da figura de um acionista controlador definido. Hoje, há 33 companhias no País com mais da metade de seu capital em circulação, o que representa 32% do Novo Mercado.

Dentro do cenário de pulverização do capital, uma tendência salta aos olhos dos especialistas consultados pela CAPITAL ABERTO. Chegou a hora de dar a atenção devida às assembléias, tão esquecida por parte dos acionistas durante anos. Sem as deliberações garantidas por acionistas controladores, as companhias precisam finalmente dos minoritários — que, em vários casos, têm ações ordinárias ou preferenciais que lhes conferem voto em situações importantes — para referendar os seus próximos passos.

“Tanto por parte da diretoria quanto dos acionistas, as assembléias ganharão muito mais atenção”, afirma o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e coordenador do Centro de Estudos em Governança (CEG), Alexandre Di Miceli. Nesse contexto, itens como procuração eletrônica e manuais de assembléia tornam-se necessários para atrair a participação do acionista.

Para Ricardo Leal, professor do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead), o aumento do quórum fará com que acionistas usufruam mais dos seus direitos, especialmente na eleição de conselheiros. “Eles deverão se unir para eleger e destituir conselheiros. Hoje, as chapas já vêm prontas, indicadas pelo controlador”, afirma. Recursos como o voto múltiplo — que atribui a cada ação tantos votos quanto o número de membros do conselho — também serão mais usados.

Algumas questões polêmicas no mercado encontram solução na atribuição de mais poder para as assembléias. Um exemplo são as poison pills. Investidores defendem que essas cláusulas estatutárias — que obrigam uma oferta pública a todos os acionistas a partir da aquisição de determinado percentual no capital — só devem ser efetivamente disparadas após aprovadas em assembléia de acionistas. O fórum também foi o caminho escolhido pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) para pôr um fim às discussões sobre o rodízio de auditores, exigido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) desde 2003. Em seu último código, o instituto sugere que a renovação do mandato de um auditor por mais de cinco anos seja possível somente com a aprovação em assembléia por acionistas que representem a maior parcela do capital social (no geral, os minoritários).

2. Remunerações ocultas com dias contados
Outra questão associada a um ambiente de maior dispersão é a transparência sobre a remuneração de executivos. Se antes havia um controlador que inspecionava diretamente os diretores, nesta nova ótica há um acionista majoritário distanciado da operação e até da estratégia da companhia. Como resultado, temos um executivo com muito mais poder. “Naturalmente, há a tendência de maximização de sua compensação”, explica Leal. Contra isso, o mercado cobrará maior transparência na remuneração dos executivos. “Nos países com propriedade mais dispersa, em especial nos Estados Unidos, as fraudes têm grande relação com a forma de compensação dos executivos. O que há por trás dessas fraudes, muitas vezes, é uma tentativa de maximizar a compensação de executivos, em particular via opções de ações”, diz.

De acordo com a Instrução 202 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as empresas precisam apenas divulgar a remuneração global para o conjunto de diretores e conselheiros de administração. A autarquia está avaliando mudanças na regra, e a obrigatoriedade de divulgação da remuneração individual de executivos é uma das possibilidades. Espera-se também alguma proatividade do mercado nesse sentido, com a disseminação de comitês independentes de remuneração.

Mas a segurança dos profissionais ficaria comprometida, caso sua remuneração fosse aberta aos quatro ventos? Para Heloísa Bedicks, do IBGC, a explicação não cola. “E o que dizer dos jogadores de futebol, cujos contratos milionários são divulgados a cada transferência?”, questiona. Leal põe lenha na fogueira: “O grande executivo de uma companhia não precisa divulgar seu contracheque para todos saberem que ele é rico. Basta olhar para o carro em que ele anda”. Espera-se que os conselhos de administração assumam papel fundamental no estabelecimento de regras de remuneração, com comitês de remuneração atuantes. “A transparência será essencial. Conselho sem independência e executivo com liberdade de estabelecer sua própria remuneração são uma verdadeira bomba-relógio para fraudes”, opina o professor.

3. Para quem não pratica, o dever (e a chance) de explicar
Outra tendência vista como reflexo do amadurecimento do mercado de capitais brasileiro é a adoção de um código de governança na forma “comply or explain” (pratique ou explique). Utilizado em países como o Reino Unido, a Inglaterra e a França, o “comply or explain” é um meio-termo entre a adesão inteiramente voluntária — como é o caso do Brasil — e a obrigatória. Nessa abordagem, uma empresa não é obrigada a seguir o código em questão, mas precisa divulgar quais recomendações são obedecidas e quais não são cumpridas, além de explicar o porquê da não-observação da conduta.

A principal referência sobre governança corporativa no Brasil é o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, que foi lançado em 1999 e está na terceira versão. “Para chegar ao atual código, foram necessárias exaustivas análises de documentos semelhantes no exterior e um profundo debate dentro do IBGC”, conta Heloísa Bedicks, secretária geral do IBGC. Atualmente, o código está sendo revisto, e o comply or explain está na pauta de discussões. A secretária geral do instituto é favorável ao formato. “O ‘pratique ou explique’ proporciona mais transparência e tende a incrementar as boas práticas das empresas. Ao tornar público o que não cumprem, as companhias passam a prestar mais atenção nesses pontos”, opina.

Para Alexandre Di Miceli da Silveira, a adoção do “comply or explain” deverá seguir o caminho da auto-regulação. “Já houve uma tentativa por parte da CVM de implantar esse modelo, mas a idéia não pegou”, lembra. A malograda experiência se deu em junho de 2002, quando a autarquia lançou sua cartilha de governança corporativa, em que exigiu a inclusão, nas informações anuais das companhias, de indicação sobre o nível de adesão às práticas recomendadas na cartilha, nos moldes do “pratique ou explique”. Mas faltou combinar com as empresas.

Para os especialistas, a adoção do novo modelo, via auto-regulação, é uma questão de tempo. Essa abordagem vem se alastrando pelo mundo, inclusive na América Latina — México, Argentina, Peru, Chile, Panamá e Colômbia já adotam o modelo. E por que o “pratique ou explique” pode ser vislumbrado no horizonte verde-amarelo? Para os especialistas, o mercado perceberá que não há um modelo único de governança, e as companhias podem escolher caminhos diferentes, de acordo com sua realidade, desde que tenham boas razões para isso.

As vozes contrárias ao modelo argumentam que a exposição pública das práticas não seguidas constrange as companhias, além de aumentar os custos e a burocracia. Para Di Miceli, as explicações não se justificam. “Uma empresa que acessa a poupança pública não deve sentir-se constrangida a se expor. Não é custoso nem burocrático; basta separar um tempo para tabular as informações no IAN”, diz.

4. Conselhos mais atuantes e independentes
Não há dúvidas de que o conselho de administração terá um papel fundamental no processo de maior dispersão de capital que se avizinha. “Sob essa perspectiva, os olhos dos investidores vão se voltar de forma muito mais contundente ao funcionamento desse órgão”, diz Heloísa Bedicks, secretária geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Nesse contexto, a avaliação do trabalho do conselheiro terá grande importância. “Hoje, elege-se o profissional e esquece-se dele”, afirma Heloísa. Atualmente, são poucas as empresas que fazem a avaliação de seus conselhos. “Dentre as que fazem, apenas algumas tornam essa avaliação pública, seja por seu website, seja via assembléia”, conta o professor Alexandre Di Miceli. Por isso o professor acredita em uma maior demanda dos acionistas para que as empresas realizem e, principalmente, divulguem avaliações do conselho, em geral, e dos conselheiros individualmente.

Além disso, haverá maior questionamento quanto à atuação do profissional, em especial no que tange à sua independência. No Brasil, o conceito de conselheiro independente diz respeito a sua relação com o controlador da empresa. Para Di Miceli, a maior pulverização de capital vai criar um ambiente muito mais exigente em relação a esse cargo. O conselheiro terá de ser qualificado e ter bastante dedicação à companhia. “Não haverá mais espaço para aquele profissional que atua em diversos conselhos, ou aquele que fica mais de 30 anos em um mesmo órgão”, diz.

Outra discussão sobre os conselhos de administração se dará em uma esfera filosófica e conceitual. Ao contrário do que ocorre hoje — em que predomina a preocupação com aspectos formais, como a estrutura do conselho e o número de membros independentes —, a tendência é focar na qualidade. “Mas isso dependerá muito mais de uma vontade própria dos participantes do processo do que de regras externas”, adverte Herbert Steinberg, presidente da consultoria Mesa Corporate Governance.

5. Empresas fechadas, a próxima onda
Até agora, as tendências mencionadas foram associadas a um ambiente de capital pulverizado. Já esta última previsão não tem relação com essa realidade, e nem com companhias de capital aberto. Os especialistas esperam uma grande disseminação das práticas de governança corporativa em empresas de capital fechado. “É cada vez mais comum encontrar empresas fechadas buscando informações para adotar as melhores práticas”, conta Steinberg. E o mais interessante: grande parte dessas empresas nem tem em mente abrir o capital no futuro.

Mas o que faz uma companhia que não pretende abrir o capital no futuro adotar práticas de governança? “Talvez tenha um pequeno componente do fato de a governança estar na moda”, admite Steinberg. “Essas empresas estão se arrumando para serem mais críveis aos olhos de todos que estão em volta delas — clientes, acionistas e fornecedores. As companhias estão percebendo que os bancos, os sócios e os consumidores confiam mais em quem têm mais controle e transparência.”

Equilíbrio é a chave de um bom conselho

Os conselhos de administração costumam incorrer em dois erros comuns. Há aqueles com estratégias fantásticas, mas sem comprometimento com sua efetivação. Em outra ponta, podem haver equipes cheias de entusiasmo, porém guiadas por um plano estratégico fraco. Diante dessas discrepâncias, Colin Coulson-Thomas, professor de administração e liderança da Universidade de Lincoln, na Inglaterra, sentencia: “O equilíbrio é fundamental em um conselho de sucesso”.

A afirmação foi feita na palestra “Criando um conselho de valor”, organizada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), no dia 21 de agosto. Coulson-Thomas realizou uma pesquisa com mais de 2 mil conselhos de administração no Reino Unido e descobriu que reputação e competência, por si sós, não garantem o bom funcionamento do órgão.

“Se o conselheiro for do tipo que só pensa nele mesmo — principalmente em sua remuneração —, não está por dentro das novas tecnologias e não tem uma visão estratégica ousada, vai comprometer o bom funcionamento da empresa”, afirma o professor. O ditado “qualidade é melhor que quantidade” vem ao encontro das convicções de Coulson-Thomas. Para ele, o bom conselho faz menos coisas, porém mais significativas, com foco na exploração de capital intelectual e em relações de qualidade com os stakeholders. (S.M.)


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