Rompendo os elos
Na prática, conselhos de administração ainda estão ligados às estruturas de controle, mas novidades na legislação prometem incentivar sua independência

, Rompendo os elos, Capital AbertoUma vez por mês, o maquinista Eduardo Jardim Pinto pega um avião em São Luiz, no Maranhão, e vai ao Rio de Janeiro participar da reunião do conselho de administração da Companhia Vale do Rio Doce. Eleito representante dos empregados da mineradora no conselho no início do ano, Jardim Pinto ficou intimidado com a quantidade de informações novas nas suas primeiras reuniões. Agora, aposta no treinamento que está recebendo no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) para ser um conselheiro mais participativo. “É importante separar os interesses dos funcionários e os da companhia”, pondera o maquinista, também líder sindical.

Para Pedro Passos, a experiência tem sido bem diferente. Um dos acionistas controladores da Natura, Passos deixou o comando executivo da companhia no início do ano, na época da abertura de capital, para assumir a co-presidência do conselho de administração, partilhada com os outros dois sócios majoritários. Sabe de cor os números da empresa de cosméticos e tem uma preocupação inversa à do novo conselheiro da Vale do Rio Doce. “Fico me controlando para não interferir desnecessariamente no âmbito executivo”, admite. “O nosso papel no conselho é formular as estratégias.”

As teorias sobre as funções do conselho de administração, e sua importância para agregar valor à companhia, já são conhecidas. O desafio vem na prática, como demonstram os depoimentos dos conselheiros da Vale e da Natura. Enquanto os modernos conceitos de governança corporativa recomendam rotinas operacionais elaboradas para garantir o bom funcionamento do conselho – como a avaliação de desempenho dos conselheiros e o agendamento de reuniões sem a presença da diretoria –, peculiaridades da estrutura de controle no País contribuem para que o órgão continue muitas vezes sendo uma mera formalidade burocrática.

Entre as práticas que, quando mal gerenciadas, podem ser prejudiciais à conduta de um conselho atuante e independente está a chamada reunião prévia. Nela, controladores ligados por um acordo de acionistas decidem o que seus representantes vão aprovar no conselho, sem, em alguns casos, dar chance ao debate e à transparência na tomada de decisões. “Tomei conhecimento da existência da reunião prévia no início do meu treinamento. Ela é algo natural dentro do conselho de administração da Vale”, diz Jardim Pinto. “Encontramos uma estrutura montada. Mas estamos evoluindo e acredito que tenhamos mais espaço no futuro.”

Como na maioria das empresas privatizadas, o controle da Vale do Rio Doce é compartilhado por meio de um acordo de acionistas que têm o direito de orientar o voto de seus representantes no conselho de administração. Dentre as boas práticas do conselho da Vale destacam-se a instituição de uma reunião mensal, a criação de cinco comitês de assessoramento – que aprofundam os assuntos antes dos encontros – e a permissão para representação dos empregados, com um membro assegurado entre os 11 assentos.

MUDANÇAS EM CURSO – A distância entre as boas intenções e o “modus operandi” dos conselhos de administração reflete também a profunda transformação pela qual o órgão vem passando. A metamorfose que tirou a conotação de encontro social das reuniões para transformá-las em uma formalidade com implicações legais para seus membros está apenas começando. Além dos padrões de independência que a lei americana Sarbanes-Oxley infunde nos conselhos de companhias com pretensões globais, duas novidades referentes à atual legislação societária brasileira podem acelerar os processos de mudança.

A primeira delas é a iminência de uma participação mais efetiva dos acionistas minoritários nos conselhos de administração. Pela Lei das S.As, a partir do ano que vem os minoritários ordinaristas com pelo menos 15% do capital votante e os preferencialistas com no mínimo 10% do capital social terão direito de nomear diretamente um representante no conselho de administração. Teoricamente este direito já existe, mas está limitado à escolha de um nome de uma lista tríplice proposta pelo controlador. A lista será eliminada em 2006. “Vamos usar mais este direito e tentar formar blocos, para poder indicar nomes que antes não seriam aceitos”, conta Cristiano Souza, sócio da Dynamo Administradora de Recursos. “Nossa política não é ter obrigatoriamente um representante, mas indicar um nome sempre que isso for agregar valor à empresa”, ressalta.

Para William Grava, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e especialista em governança corporativa, a participação dos minoritários é o que dá sentido ao modelo brasileiro de conselho de administração. “O conselho clássico só tem função quando o controle é pulverizado, pois serve para fiscalizar e controlar a administração e funciona como elo entre a gestão e os acionistas”, afirma Grava. “No Brasil, onde o controle é definido, este elo não é necessário, pois o dono tem acesso à administração. Em compensação, aqui temos um outro problema, que é o conflito entre majoritários e minoritários, e neste aspecto o conselho pode ser útil.”

A presença de conselheiros externos, de reconhecida reputação, é fundamental para dar credibilidade ao conselho, sejam eles indicados pelo controlador ou por minoritários, diz Grava. Mas é preciso dar espaço ao membro externo no dia-a-dia e informação ao mercado sobre a atuação do conselho, acrescenta o professor. Mesmo que seja voto vencido, o membro externo ou representante do minoritário tem visibilidade suficiente para influenciar as decisões, registrando suas discordâncias e conseguindo repercussão sobre o assunto.

Roberto Teixeira da Costa, ex-presidente da CVM e conselheiro de cinco companhias, lembra que os acionistas preferenciais lutaram arduamente para ter participação no conselho, como compensação parcial ao fato de não terem direito de voto. E enfrentaram a resistência de alguns grupos à introdução dessa representação. “Certamente, teremos uma nova fase de militância em que os dois lados terão muito que aprender para ter uma convivência harmoniosa e produtiva. Alguns tabus serão quebrados”, prevê.

O ativismo do minoritário no conselho muitas vezes não é visto com bons olhos pelo controlador, que teme os “criadores de caso”, com “interesses de curto prazo”. “O conselheiro indicado pelo minoritário não deve defender os seus interesses, mas sim os da companhia”, defende Souza, da Dynamo, preferencialista com representantes em três conselhos de administração. “Esta é uma forma distorcida de ver o conselho. Se eu quiser defender os meus interesses de acionista, processo a companhia; não vou usar o conselho.”

Renato Chaves, diretor de participações da Previ, diz que a fundação prega o “ativismo com responsabilidade”. “Somos um investidor de longo prazo e queremos aperfeiçoar as práticas de governança corporativa”, afirma Chaves. Os representantes da Previ são em sua maioria ex-funcionários do Banco do Brasil, selecionados entre aqueles com formação adequada e experiência administrativa. Já a Dynamo prefere recorrer a profissionais conhecidos no mercado, como Nildemar Secches, presidente da Perdigão, indicado duas vezes como seu representante no conselho da Ultrapar.

VOTO AMARRADO – Mas o discurso sobre a independência do conselheiro – que deve votar sempre de acordo com a sua consciência e os interesses da companhia – perde força quando este administrador representa o bloco de controle de uma empresa com acordo de acionistas. O artigo 118 da Lei das S.As, alvo de críticas desde a reforma legislativa de 2001, invalida o voto do conselheiro que apresentar uma decisão contrária às premissas do acordo entre os acionistas que o elegeram. A lei consagrou, assim, a reunião prévia e a orientação de voto, para garantir que os contratos entre os acionistas majoritários sejam respeitados.

Foi em relação a este artigo que surgiu a segunda expectativa de mudança nas práticas dos conselhos de administração brasileiros. Além do reforço da participação dos minoritários, com o fim da lista tríplice imposta pelo controlador, o mercado aguarda um anunciado parecer de orientação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o artigo 118, que será divulgado com o intuito de deixar clara a responsabilização dos conselheiros que representam os controladores.

A lei determina que, se o conselheiro discordar do que foi decidido na reunião prévia e votar em contrário, seu voto não seja computado. O parecer da CVM deverá indicar que isso, no entanto, não é suficiente para livrá-lo de ser responsabilizado legalmente, caso a decisão em pauta seja contrária aos interesses da companhia. Ou seja, se o conselheiro discordar e quiser exercer seu direito à independência em favor do que acredita ser o melhor para a companhia, a atitude contará a seu favor em caso de investigação por dano dos administradores à empresa.

“Vamos aguardar o parecer”, diz Chaves, da Previ, lembrando que a decisão de votar contra a orientação do bloco de controle não é tão simples, já que muitos acordos de acionistas prevêem a substituição do membro nesses casos. Das 102 empresas em que têm participação acionária, a Previ faz parte do bloco de controle de 22. Nestas companhias, a fundação recomenda que, se o conselheiro discordar da decisão tomada em reunião prévia, deve votar a favor, como manda a lei, mas registrar o seu “desconforto” com a proposta. “É o que chamamos de voto qualificado”, explica o diretor da Previ.

Pesquisa da Watson Wyatt com uma amostra de 17 companhias apontou apenas 33% de conselheiros externos e independentes dos acionistas

“O artigo 118 vai contra as práticas de governança corporativa e tira a importância do conselheiro de administração”, acredita Paulo Vasconcellos, membro do IBGC e um dos responsáveis por uma pesquisa sobre a estrutura dos conselhos em 17 empresas brasileiras conhecidas pela governança diferenciada. O estudo, feito em parceria com a consultoria Watson Wyatt, mostrou que, mesmo neste universo selecionado, os conselhos alternam procedimentos recomendáveis, como a formação de comitês de assessoramento, com outros considerados atrasados, como a pequena participação de conselheiros externos e independentes.

Do total de conselheiros das empresas consultadas, apenas 33% foram classificados como externos e independentes dos acionistas. Mas tudo indica que, apesar do pequeno número, esses membros são cada vez mais participativos. “Os controladores têm hoje a consciência de que um bom conselheiro, do tipo atuante e que debate as questões sem constrangimentos, agrega valor à companhia”, diz Teixeira da Costa, do alto da experiência de quem já participou de 25 conselhos desde 1960. “O grande benefício para a empresa é ter profissionais qualificados com visões diferentes de seus executivos”, acrescenta Vasconcellos, membro de três conselhos.

A partir de 2006, acionistas minoritários terão direito a nomear diretamente o seu representante no conselho de administração

Na Natura, que participou da pesquisa feita pela Watson Wyatt e pelo IBGC, os dois membros independentes do conselho foram alçados à condição de líderes dos comitês de recursos humanos e estratégico com a missão de entrosá-los com o ambiente da companhia e colocá-los em contato com os executivos. As boas práticas de governança corporativa, como a presença de conselheiros independentes, começaram muito antes dos planos de abertura de capital, conta Pedro Passos. “Tivemos a intuição de que isso seria importante para o futuro da empresa”, diz o co-presidente do conselho de administração. São decisões espontâneas como essa – e não apenas aquelas tomadas por medo das responsabilidades da lei – que mostram que o conselho de administração vai tornar-se cada vez mais estratégico para as empresas. Na teoria e também na prática.


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