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Remédio importado
Medidas regulatórias tomadas para inibir os desmandos financeiros respingam no Brasil

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Nem mesmo países menos afetados, como o Brasil, escaparam do clamor por mudanças pós-crise financeira. No primeiro dia de fevereiro, o Banco Central (BC) colocou em audiência pública proposta para regular a remuneração dos executivos de bancos, em linha com compromissos assumidos pelos líderes do G-20 nas reuniões de Londres e Pittsburgh, realizadas ano passado. Nelas, o grupo formado pelas 20 maiores economias do mundo decidiu implementar padrões internacionais exigentes de remuneração que desestimulem a tomada de riscos excessivos por parte das instituições financeiras. Apesar de os nossos bancos ainda estarem longe das práticas de incentivos descabidos de países como os Estados Unidos, a proposta do BC foi elogiada. “É uma oportunidade de alinharmos nossas políticas de remuneração com o que há de melhor lá fora”, diz Felipe Rebelli, sócio-gerente da divisão de remuneração da consultoria Towers Perrin.

Um dos pontos comemorados foi o parágrafo 2º, que estende a aplicação da regra, além da alta diretoria, aos cargos gerenciais e aos empregados cuja atuação tenha impacto material sobre a exposição ao risco. “Durante o auge da crise, todo o foco se deu na diretoria, mas os problemas começaram mais embaixo. Os derivativos tóxicos foram criados na área de produtos e negociados em mesa de operação”, lembra Rebelli.

“Grandes bonificações para um departamento que desempenhou bem em um banco que deu prejuízo estão com os dias contados”

Augusto Korps Jr., vice-presidente da Stern Stewart, destaca o artigo 5º, que alinha a remuneração variável não somente ao desempenho individual — a prática mais usada atualmente —, mas também ao sucesso da área de negócios e do banco como um todo. “Grandes bonificações para um departamento que desempenhou bem em um banco que deu prejuízo estão com os dias contados”, afirma.

Muitos participantes de mercado criticam a iniciativa do BC, argumentando que não é papel do Estado interferir na gestão de empresas privadas. Korps vê o fato como um mal necessário. Para ele, a atuação prudencial se justifica em bancos, cujo impacto em uma economia é muito maior que o de uma empresa não financeira. “A experiência mostra que se esse setor não for regulado, ele desanda”, opina.

INDEPENDÊNCIA MONITORADA — A crise também trouxe uma dose de trabalho extra ao regulador do mercado de capitais. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) prepara-se para criar uma regulamentação específica para agências de rating, a exemplo que do ocorre tanto nos Estados Unidos quanto na União Europeia. O estabelecimento de regras para as agências, um dos principais alvos de críticas durante a crise, após concederem boas classificações para produtos duvidosos, também é uma das recomendações do G-20 no âmbito das mudanças regulatórias globais.

Luciana Dias, superintendente de desenvolvimento de mercado da CVM, conta que a autarquia está finalizando um estudo sobre a atuação das agências de classificação de risco no Brasil, que deverá ser enviado ao Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização (Coremec), até o fim do primeiro semestre. As bases da regulação deverão sair da discussão entre as duas entidades. “Estamos esperando o resultado do debate lá fora, para lançar a regra aqui. É bem provável que a CVM saia em linha com o que for definido internacionalmente”, diz Luciana.

Nos Estados Unidos, as agências de rating estão na mira da Securities and Exchange Commission (SEC). O xerife do mercado de capitais norte-americano está analisando comentários feitos durante a audiência pública sobre propostas de mudanças na abordagem dessas entidades classificadoras de risco. Dentre as sugestões está a de restringir o trabalho de consultoria que essas agências prestam a companhias analisadas, apontado como fonte de conflitos de interesse. Outra proposta diz respeito a melhoras no disclosure das metodologias utilizadas no rating e a um sistema de rodízio entre os analistas, para reduzir a possibilidade de o profissional não rebaixar uma empresa por causa do bom relacionamento que mantém com ela.

LIQUIDEZ CERTA — As regras para os fundos de investimento também devem sofrer mudanças, com reformas pontuais na Instrução 409. A principal delas, conta Luciana, diz respeito às políticas de liquidez. “Durante a crise, percebemos que alguns fundos não tinham a liquidez necessária para honrar suas regras de resgate. É preciso discutir normas que levem em conta a liquidez da carteira”, comenta Luciana.

Outra mudança motivada pelo turbilhão financeiro aconteceu com as regras para fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). Seguindo recomendações do G-20, a CVM propôs, no ano passado, alterações na Instrução 356, visando a conferir maior transparência às operações com carteiras de direitos creditórios, principalmente no que tange à recompra dos créditos. A proposta é exigir a divulgação de informações periódicas sobre as operações de recompra, para que os investidores sejam capazes de avaliar a qualidade da carteira do fundo. “A recompra passa a falsa impressão de que o FIDC está saudável. Porém, se o emissor perder a capacidade de recomprar, o fundo se deteriora muito rapidamente”, diz Luciana. Para ela, o ano passado provou que, num ambiente de menor liquidez, as carteiras ficam mais dependentes dessa recompra de créditos inadimplentes, expondo os investidores a riscos maiores do que a apresentação formal do fundo sugere.

AQUI, NÃO — Alguns dos debates mais acirrados lá fora, contudo, não devem respingar por aqui. Um deles diz respeito à regulação de derivativos. Nos EUA e na Europa, as conversas sinalizam para uma ampla reforma que leve os derivativos a ser negociados em bolsas regulamentadas, para aumentar a transparência nos preços, e a ser registrados em câmaras de compensação, a fim de garantir a liquidação das transações e amortecer os impactos de eventuais calotes.

A CVM prepara-se para criar uma regulamentação específica para agências de rating

As reformas enfrentam dura oposição, em especial de empresas não-financeiras, que querem ser uma exceção na aplicação das novas regras. O argumento é que as novas exigências causariam gastos desnecessários e barrariam opções legítimas de proteção contra os seus riscos financeiros. “Deve haver um trade-off. O risco da baixa transparência é inferior ao de uma fuga em massa de empresas dessas operações por causa do aumento de custos”, opina Barney Reynolds, sócio do Financial Institutions Advisory and Financial Regulatory Group. O Senado norte-americano, porém, não tem se mostrado disposto a acatar a ideia, sob o argumento de que 60% do mercado de derivativos permanecerá na penumbra caso a exceção for aprovada.

“A recompra passa a falsa impressão de que o FIDC está saudável, quando, na verdade, pode se deteriorar rapidamente”

A discussão sobre derivativos não chegou no Brasil porque o mercado brasileiro já é bem regulado. As operações com esses mecanismos são permitidas somente em bolsa e no mercado de balcão organizado.
O registro das operações é obrigatório, e a infraestrutura operacional é bastante sofisticada. A câmara de compensação responsável pelo registro dos derivativos é a Câmara de Custódia e Liquidação (Cetip).

Outro assunto que vem dando trabalho aos reguladores lá fora são os hedge funds. A falta de uma regulamentação para esse tipo de investimento é vista por muitos como a culpada pela eclosão do escândalo Madoff, que provocou uma fraude bilionária através de um esquema de pirâmide. Os hedge funds não são regulados nos Estados Unidos e na Europa por causa da crença de que são destinados a investidores qualificados, teoricamente cientes dos riscos. Esses fundos geralmente operam de paraísos fiscais, e não são obrigados a revelar os nomes dos investidores, as estratégias de investimento, os pontos fortes e fracos das suas posições e a relação entre o capital próprio e o volume total de recursos.

As reformas também enfrentam poderosos lobbies contrários a mudanças. Nos Estados Unidos, a proposta de conferir maior transparência aos hedge funds — com a obrigação de registro junto à SEC e a divulgação de informações periódicas, como qualquer outro fundo — está parada no Congresso. A proposta da União Europeia é semelhante e está em análise no Parlamento.

No Brasil, os hedge funds, também denominados de multimercados, são regulados como qualquer outro tipo de fundo de investimento, por meio da Instrução 409. Diferentemente do que ocorre no exterior, aqui os hedge funds precisam prestar informações sobre a alocação da carteira, os níveis de alavancagem, os fatores de risco, dentre outros. Por isso, um caso Madoff verde-amarelo é improvável. Além das obrigações de transparência, as regras brasileiras impõem ao custodiante o dever de verificar a confiabilidade das operações realizadas dentro do fundo e assegurar a existência dos ativos em carteira.


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