Bem casados
Profissionais de relações com investidores e de comunicação finalmente se convencem da importância de trabalhar em sintonia

bem-casadosEm um mercado dirigido por regras rigorosas de governança, falar da necessidade de adotar uma eficaz estratégia de comunicação pode soar redundante. Na prática, porém, as companhias brasileiras de capital aberto ainda patinam na hora de transmitir uma mensagem a destinatários com perfis diversos, como clientes, analistas, sócios, investidores, imprensa. E a falta de alinhamento estratégico na comunicação pode ter consequências desastrosas. Em novembro de 2014, o presidente da JBS, Wesley Batista, falou mais do que devia em uma entrevista sobre a oferta inicial de ações (IPO) da JBS Foods, e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) suspendeu a emissão por 30 dias.

Embora pareça primário, o erro acontece com alguma frequência. Em 2005, a Cosan teve uma oferta de ações suspensa por ter declarado a uma revista informações inexistentes no prospecto. Anos depois, foi a vez de a Aliansce vivenciar situação semelhante. A CVM interrompeu a emissão da administradora de shopping centers após um dos seus gerentes regionais revelar, em entrevista a um jornal durante uma inauguração, números que não estavam na descrição da oferta. “A gestão da empresa estava muito envolvida com o IPO e houve um descuido da parte operacional. Isso serviu como lição. Hoje, toda informação divulgada passa pela área de relações com investidores”, conta Eduardo Prado, superintendente de RI da Aliansce. O lado positivo desses escorregões é despertar a necessidade das áreas de relações com investidores e comunicação trabalharem em parceria ou, até mesmo, comporem um único departamento.

Maior locadora de veículos do País, a Localiza aposta na proximidade entre as áreas de RI e comunicação para evitar ruídos de informação. Apesar de não haver uma relação de subordinação entre os departamentos, os dois trabalham juntos na divulgação de resultados financeiros, fatos relevantes e no atendimento à imprensa. É comum profissionais da área de RI acompanharem entrevistas concedidas por executivos, da mesma forma que a equipe de comunicação participa de teleconferências com os investidores. “O importante é a integração do discurso, independentemente da subordinação das áreas”, ressalta Mariana Campolina, gerente de RI da Localiza.

Na fabricante de autopeças Mahle Metal Leve, a opção é por deixar sob a alçada da área de RI toda a estratégia de comunicação externa e interna. “Dessa forma, conseguimos saber o que acontece na companhia e trabalhar oportunidades de comunicação”, afirma Diogo Corrêa Zinsly, chefe de RI. Para ele, a mudança no perfil da base acionária da companhia, hoje composta predominantemente por estrangeiros, exigiu uma sofisticação do tipo de informação divulgada. “Muitos investidores montaram posição perguntando sobre governança e tecnologia.” A comunicação gestada no RI tem também como o alvo as universidades, servindo de ferramenta para atrair talentos aos centros tecnológicos da companhia.

A decisão da empresa de deixar a comunicação sob total responsabilidade do RI é uma raridade. E a explicação para isso está no perfil desse executivo no Brasil. “O profissional de RI ainda é predominantemente financeiro. Em muitas empresas, ele sequer conhece a equipe de comunicação”, observa Valter Faria, sócio da consultoria Valor Partners e experiente consultor na área de relações com investidores. De acordo com o professor do MBA de RI da Fipecafi, Roberto Gonzalez, as empresas deveriam ser tão cuidadosas quanto as auditorias ao dialogar com o mercado. “Essas firmas têm profissionais formados em comunicação para cuidar da revisão dos textos, por exemplo, com o intuito de evitar má intepretação. Essa cultura poderia ser levada para as áreas de RI”, defende.

Passos lentos
Mas se a sintonia pode ser tão benéfica, por que mais companhias não a perseguem? Primeiro, o hábito de se comunicar com o mercado e seus diferentes públicos é relativamente recente no Brasil. “Ná década de 1990, as empresas não falavam. Advogados cuidavam do RI das companhias, e a comunicação integrada era um sonho distante”, recorda o jornalista Geraldo Magella, na época repórter e hoje gerente de comunicação da Fibria. A entrada das empresas de varejo na bolsa, aos poucos, começou a mudar esse cenário. Algumas perceberam, inclusive, que seus clientes eram também potenciais compradores de ações. Ao abrir o capital, em 2011, o Magazine Luiza fez uma campanha ousada e criativa: seus vendedores convidavam os clientes nas lojas a se tornarem sócios da companhia adquirindo as ações distribuídas na oferta.

Para a consultora Doris Wilhelm, ex-presidente do Ibri, a maior integração do RI com a comunicação esbarra em uma questão de percepção. “Falta a visão estratégica de que os stakeholders são vasos comunicantes; eles podem ser fornecedores e investidores ao mesmo tempo, por exemplo”. Por isso, a importância de envolver o RI em toda a comunicação corporativa. É fundamental, também, que os conselheiros de administração e os diretores executivos atuem em parceria com esse profissional, definindo o tom do discurso com base nos propósitos e objetivos da organização. “É preciso definir o posicionamento estratégico para se fazer um trabalho sistêmico”, afirma Simone Soares, superintendente de comunicação da Cosan.

Incentivar a comunicação integrada representa ter claro qual a perda da empresa ao não levar este assunto a sério.
Um estudo feito pela Brunswick com a lista de 50 integrantes da “Most Admired Companies”, publicado pela Forbes em março, mostra que 74% delas possuem custo de capital mais baixo do que suas concorrentes graças à reputação. “Quanto mais pessoas trabalharem juntas na comunicação, mais eficaz ela será. A empresa pode ter públicos diferentes, mas precisa possuir uma única voz e uma única mensagem”, ressalta Thomas Kamm, sócio da consultoria. Ex-diretor de comunicação e assuntos corporativos do grupo francês PPR (atual Kering), dono de grifes famosas como Gucci e Puma, para ele conta que, na época, reportava-se diretamente ao CEO e era responsável pelas áreas de RI, mídia e comunicação interna. Na opinião do executivo, a “cultura do fato relevante” é um obstáculo para a comunicação integrada ser estabelecida nas companhias brasileiras. “As empresas estão acostumadas a informar tudo via fato relevante, utilizando um texto de linguagem jurídica no qual a mensagem muitas vezes se perde”, avalia. Quebrar a inércia nunca é fácil. A boa notícia é que algumas companhias estão mais dispostas a abandonar hábitos costumeiros em benefício de uma comunicação mais inteligente e eficaz.

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Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

 


gdRI: finanças ou comunicação? foi o tema do segundo encontro do Grupo de Discussão Relações com Investidores, realizado em maio, em São Paulo.


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