Com a rápida transformação do mercado de capitais brasileiro nos últimos anos, algumas práticas antigas do ambiente internacional começaram a ser desenvolvidas por aqui. Um exemplo é o guidance, vocábulo cada vez mais freqüente no glossário dos profissionais de Relações com Investidores (RI), que significa a orientação formal e sistemática de analistas e investidores sobre os resultados futuros ou operacionais da companhia. Controversa e alvo de críticas lá fora, essa prática vem ganhando cada vez mais adeptos no Brasil. Seus propulsores são, principalmente, as empresas novatas da Bovespa, que abriram o capital de 2003 para cá. Para entender como essa prática está sendo construída no País, a CAPITAL ABERTO fez um levantamento a partir dos comunicados de guidance divulgados pelas 64 companhias que fizeram uma oferta pública inicial de ações (IPO) no ano passado.
A primeira descoberta é que cada vez mais companhias ousam divulgar projeções de dados financeiros, como receita líquida ou Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). Marfrig e Cruzeiro do Sul são alguns exemplos (veja quadro na próxima página). A maioria, contudo, divulga somente o guidance operacional, cujas projeções variam de acordo com o segmento de atuação. No setor de construção civil, o guidance é baseado no Volume Geral de Vendas (VGV), que corresponde à soma do valor de lançamentos de um empreendimento imobiliário ou de vendas das suas unidades. Empresas do setor agrícola, a exemplo da Açúcar Guarani, fazem estimativas baseadas na safra de suas matérias-primas. Já holdings educacionais, como a Anhanguera, projetam o número de alunos matriculados em seus cursos. Como a divulgação de estimativas é uma opção de cada empresa, os indicadores adotados variam bastante, inclusive no mesmo segmento. No setor financeiro, enquanto o banco Cruzeiro do Sul expõe a projeção de seu lucro líquido, o Panamericano prefere o volume da carteira de crédito.
São exceções as companhias que optam pelo anúncio de resultados trimestrais, como a Camargo Corrêa. A preferência é por guidances que contemplem o período de um ano. Também não há uma padronização quanto à forma de publicação do guidance, que pode ser divulgado como Comunicado ao Mercado, Fato Relevante, dentro do press release de resultados ou até em uma teleconferência com analistas.
Por esse levantamento, todas as novatas que optaram pela divulgação conseguiram cumprir ou até superar suas metas. “É natural que, no início, as empresas divulguem projeções menores. À medida que seus fundamentos de controladoria vão melhorando, elas ampliam o leque de informações”, afirma Geraldo Soares, presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri) e coordenador do Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado (Codim). Em sua opinião, é até melhor uma projeção mais conservadora para evitar estimativas que não correspondam ao resultado. Composto por dez entidades do mercado de capitais, o Codim apresentou um pronunciamento de orientação sobre o guidance em abril.
O mercado costuma punir desempenhos inferiores ao divulgado, por menor que sejam. Exemplo disso é a Company, empresa do setor de construção civil, cujas projeções para 2007 bateram na trave. Embora o volume geral de vendas de lançamentos tenha aumentado 145% em relação ao ano anterior, o resultado foi de R$ 1,579 bilhão, cerca de R$ 21 milhões abaixo do guidance de R$ 1,6 bilhão. “Muitas empresas do setor de construção civil estrearam na Bolsa em 2007, o que aumentou a demanda pela regulamentação dos projetos pelos órgãos governamentais competentes, como a Prefeitura Municipal de São Paulo, que não tiveram tempo hábil para aprová-los até o fim do ano”, explica César Saraiva, gerente de Relações com Investidores (RI) da Company. “Muitas empresas do setor lançaram empreendimentos em dezembro com o objetivo de cumprir o guidance. Nós preferimos deixar os lançamentos para março deste ano”.
As ações da empresa sentiram o impacto e caíram 4%, de R$ 16,60 para R$ 15,94, no dia da apresentação dos resultados, em 21 de fevereiro. Desde então, os papéis da Company vêm acumulando perdas e fecharam com cotação de R$ 12,30 no pregão de 28 de maio, o que corresponde a uma queda em torno de 25% em relação às cotações de fevereiro. Segundo o gerente de RI da Company, o resultado inferior ao guidance não contribuiu para a desvalorização dos papéis, já que o mercado compreendeu que o fato não foi causado por falta de estrutura da companhia. “A queda no preço das ações está mais atrelada à demora em reverter os lançamentos em resultados financeiros efetivos para a empresa. Além disso, os papéis do setor de construção civil como um todo apresentaram queda”, diz. Para este ano, a meta de VGV da Company é de R$ 1,5 bilhão, R$ 100 milhões a menos que no ano passado. “Nossa estimativa para este ano foi um pouco mais conservadora. Se conseguirmos superar, daremos uma boa notícia ao mercado”, diz.
NA RETA FINAL — Algumas companhias conseguiram atingir suas projeções nos últimos minutos do segundo tempo. Tecnisa, Rodobens e Camargo Corrêa, por exemplo, cumpriram o guidance no finzinho do ano. A InPar alcançou a meta de R$ 1,5 bilhão em dezembro, com o lançamento de dois empreendimentos. “Há sempre um receio, pois o mercado sempre espera que a companhia consiga cumprir o guidance”, diz Gustavo Fillizola, diretor financeiro e de Relações com Investidores (RI) da InPar.
Ricardo Tadeu Martins, gerente do departamento de pesquisa da Planner Corretora, pondera que a conquista dos resultados não se deve apenas à cobrança decorrente do guidance. A sazonalidade no setor de construção civil também contribui para a concentração de lançamentos no fim do ano. “Neste período, diversos fatores favorecem o aquecimento nas vendas, como o recebimento do 13º salário e das férias, o que acelera os lançamentos”, avalia.
Com a boa maré no setor imobiliário brasileiro, incorporadoras como Agra e MRV revisaram suas projeções para 2008, apostando em estimativas mais agressivas. Para este ano, a projeção do VGV da InPar é de R$ 2,5 bilhões, e chega a R$ 3,0 bilhões para 2009. “A demanda por imóveis é muito forte, principalmente no segmento de baixa renda, devido ao aumento da renda do brasileiro e à oferta de crédito imobiliário”, analisa Filizola.
MAIS SURPRESAS, MAIS RISCO — Resultados muito acima do projetado, porém, têm seus efeitos colaterais. Eles podem aumentar a percepção de risco do investidor. “A princípio, é uma boa notícia, pois significa que a empresa cresceu mais do que o previsto. No entanto, o próprio mercado cria um fator de correção para a companhia”, considera Rodolfo Zabisky, CEO da MZ Consult. Nesse caso, o guidance tem efeito inverso, já que deixa o mercado mais apreensivo quanto às estimativas futuras. Segundo ele, o ideal é divulgar uma faixa de projeção com tendência bastante realista.
Outra técnica para diminuir possíveis erros é a revisão das perspectivas ao longo do ano, levando em conta as variáveis que podem afetar diretamente os resultados, além de fatores macroeconômicos como as perspectivas da economia brasileira e mundial, o câmbio e a taxa básica de juros. Se a empresa enxergar a possibilidade de seu desempenho ficar abaixo do guidance, deve fazer uma nova divulgação das projeções.
A rápida adesão das novatas à prática de orientação sobre resultados tem uma explicação. Ao oferecer um monitoramento das previsões, essas companhias pretendem atrair analistas que se proponham a cobrir seus papéis. “A entrega dos resultados prometidos diminui a percepção de risco e cria valor para a companhia, atraindo o investidor”, afirma Zabisky, da MZ. Consultor de várias das empresas que abriram recentemente o capital, ele foi um importante incentivador do uso do guidance.
Para aquelas que pretendem começar a fazê-lo, Geraldo Soares entende que o guidance operacional seja o mais indicado, já que o risco de incorrer em erros é menor do que o guidance financeiro. “De acordo com a legislação, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pode requerer as premissas conceituais ou numéricas que levaram a empresa a apresentar determinada projeção”. O coordenador do Codim acredita na tendência de aumento de empresas que adotem a prática. E ressalta: antes de embarcar nessa, é fundamental ter uma boa estrutura de controladoria. Tomada a decisão, o RI terá de manter sempre um olho no guidance e outro na realidade. Sem descuidos.
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