Primeiro round
Companhias concluem primeiro rodízio obrigatório de auditores, aproveitam os descontos nos honorários e se planejam para manter revezamento apenas entre duas firmas

ed11_p036-040_pag_3_img_001A primeira troca de auditorias no âmbito do rodízio obrigatório exigido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi bem menos traumática do que temiam algumas companhias. Por enquanto, nada que chegasse a ponto de convencê-las a promover o rodízio por vontade própria, caso a regulamentação não existisse. O dispêndio de tempo com a troca e a falta de flexibilidade no processo, por se tratar de uma imposição do regulador, ainda são motivos de resistência à idéia. Mas já que a realidade é mesmo essa, e não há jeito fácil de escapar, a solução foi buscar as melhores formas de se adaptar ao rodízio obrigatório e, por que não, até tirar algum proveito dele.

Foi o que constatou a Capital Aberto em consultas realizadas a algumas das companhias que entraram na primeira leva do rodízio este ano. Nenhuma escondeu o contentamento com as economias obtidas no processo, graças à concorrência acirrada que se deu entre as empresas para disputar os novos clientes (ver matéria na página 40) e acabou por criar descontos de até 40% nos honorários. As experiências com o novo auditor também foram citadas como um ponto positivo do processo. Em muitos casos, permitiram às companhias renovar sua avaliação sobre certos procedimentos e até repensar metodologias e comportamentos.

“A Itautec tinha muito receio do rodízio, por causa das particularidades de cada negócio do grupo. A troca, no entanto, foi muito mais fácil do que se esperava. Assuntos que já estavam enterrados foram questionados e aprendemos que é possível fazer a mudança com tranqüilidade”, diz o diretor econômico da companhia, Geraldo José Belini Amorin. A Itautec passou quase 30 anos com a mesma auditoria.

O rodízio obrigatório de auditorias foi introduzido no Brasil em maio de 1999, pela Instrução 308 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Enfrentou diversos processos das firmas de auditoria contra a sua implementação e entrou em vigor somente este ano, quando as companhias que tinham os mesmos auditores há mais de cinco anos tiveram de atender à regra. A idéia do rodízio ganhou força no Brasil após a descoberta de fraudes nos bancos Econômico e Nacional e, mais recentemente, com os escândalos contábeis que colocaram a troca mandatória de auditorias na pauta das discussões sobre as melhores práticas de governança corporativa em vários países. Nos Estados Unidos, após um detalhado estudo sobre os custos e benefícios do rodízio, a decisão foi por não implementá-lo.

ADAPTAÇÕES – Em sua primeira experiência com o rodízio, companhias procuraram encontrar formas mais tranqüilas de conviver com a mudança de auditores a cada cinco anos. Neste sentido, uma das idéias foi planejar um revezamento constante apenas entre duas firmas, de forma a reduzir os impactos da mudança.

“Existe uma tendência natural da empresa em buscar o antigo auditor para prestar os serviços. O que se leva em conta é a experiência adquirida em tantos anos de convivência”, afirma o diretor financeiro da Iochpe, Oscar Becker, que trocou o seu auditor após 30 anos de serviços ininterruptos. “Manter o rodízio entre duas empresas pode ser uma boa estratégia para evitar o desgaste provocado pela mudança a cada cinco anos”, completa o diretor de Relações com Investidores (RI) do Unibanco, Lucas Melo.

No caso das instituições financeiras, a determinação do rodízio foi regulamentada pelo Banco Central (BC), ainda em 1996. Depois de cumprir o prazo mínimo de três anos para fazer nova troca, o Unibanco retomou os trabalhos com o antigo auditor. E manteve a nova firma para algumas das subsidiárias do grupo, que conta com um total de 100 empresas, nos casos em que essas controladas não haviam completado o prazo mínimo para nova troca. “Na prática, as companhias devem caminhar para trabalhar com dois auditores”, aposta o executivo do Unibanco.

Outra solução para diminuir os trabalhos envolvidos na mudança dos auditores foi a manutenção da empresa que fiscaliza os balanços entregues a órgãos reguladores no exterior. Assim fez a Companhia Vale do Rio Doce, que contratou uma nova firma para avaliar suas demonstrações contábeis no país, mas resolveu manter a anterior como responsável pelo balanço que segue as regras americanas (US Gaap).

Segundo o gerente de normas de auditoria da CVM, Ronaldo Cândido da Silva, não há restrições às companhias que queiram manter sua firma antiga para auditar as demonstrações elaboradas conforme as normas americanas. “A CVM não pode obrigar que companhias brasileiras façam os balanços em US Gaap com a mesma auditoria. Não compete à autarquia legislar sobre regras americanas”, explica Cândido.

A TAM também manteve o auditor anterior para as informações entregues a mercados externos. “Só depois de muito tempo é que a empresa aproveita o real benefício do aprendizado da auditoria”, afirma Eduardo Matzenbacher, diretor de controladoria da companhia aérea. Em sua visão, o saldo médio do primeiro rodízio foi negativo. “As reuniões tomam muito tempo dos executivos, que precisam abrir mão de tarefas internas para repassar os procedimentos e a cultura das empresas para a nova equipe de auditores”, afirma o diretor, que trocou seu antigo auditor após seis anos de trabalho. Matzenbacher chegou a pedir autorização à CVM para continuar com o seu auditor, que vinha acompanhando todas as negociações para fusão com a Varig, até a conclusão do processo de união das duas empresas. Mas, segundo o diretor, a CVM negou o pedido a fim de evitar uma nova jurisprudência.

Também o Bradesco não abriu mão da auditoria antiga para fiscalização das demonstrações em US Gaap. Ao contrário do diretor da TAM, o vice-presidente executivo do banco, Milton Vargas, considerou a troca “saudável”. Mas reconheceu que trabalhar com a dobradinha de auditorias pode representar custos maiores. “Não há conflito entre as duas firmas, porque existe livre acesso entre as informações. Talvez o custo fosse menor se mantivéssemos apenas uma, mas ganhamos em amplitude e qualidade. Se os conceitos são diferentes sobre alguma questão, deixamos isto claro para os acionistas nas notas explicativas do balanço”, defende o diretor.

Vargas ressalta que, hoje, as quatro grandes auditorias internacionais presentes no Brasil – Deloitte, PricewaterhouseCoopers, KPMG e Ernst & Young – têm padrões semelhantes de qualidade e se diferenciam apenas em alguns procedimentos. Portanto, avalia, o bom trabalho de qualquer uma destas firmas depende muito mais do fluxo de informações, da metodologia interna e da consciência dos administradores de cada companhia aberta.

POLÊMICA – O rodízio de auditorias é o tipo de assunto que reúne opiniões inflamadas, tanto dos que são contra como daqueles que o defendem. Os favoráveis alegam que a troca obrigatória pode pôr fim aos relacionamentos duradouros que, pela acomodação do convívio, reduzem o senso crítico, abrem espaço para erros de avaliação e comprometem a independência do auditor, cedendo-o a eventuais pressões.

Também são vários os motivos de quem critica o rodízio. Argumenta-se contra o tempo despendido na adaptação da nova empresa e o risco de falhas, dada a estimativa de que uma auditoria leva até dois anos para conhecer um cliente em profundidade. Há também quem defenda que os comitês de auditorias, quando formados por profissionais independentes, teriam autonomia para avaliar periodicamente o trabalho do auditor e decidir sobre a troca.

A interferência da regulamentação nas decisões da companhia, aliás, é um dos pontos que mais incomoda alguns executivos contrários ao rodízio. É o caso de Lucas Melo, do Unibanco, que foi diretor de relações com empresas e auditorias da CVM em 1992 e se opõe radicalmente à idéia. “A empresa deve ter autonomia para escolher seu auditor. O principal problema do rodízio é a continuidade dos trabalhos, principalmente em grandes grupos, como o Unibanco, que tem mais de 100 empresas e associações para administrar”, diz.

Para citar um exemplo, Melo conta que o Unibanco AIG Seguros, uma joint-venture entre a instituição e a American International Group (AIG), já tem estabelecido o seu auditor, que segue indicação da prestadora de serviço da multinacional em todo o mundo. Mas em breve terá que mudar também, porque a Superintendência de Seguros Privados (Susep) – o órgão responsável pelo controle e fiscalização do mercado de seguros – baixou uma norma que obrigará a realização do rodízio daqui a dois anos. Mais lenha na fogueira das discussões sobre o troca-troca das auditorias.

BC lança resolução sobre comitê de auditoria


Entra em vigor no dia 1º de julho a Resolução 3198, de 27 de maio de 2004, que obriga instituições financeiras a instalar o comitê de auditoria, com o objetivo de monitorar as atividades dos administradores, da auditoria interna e dos auditores independentes. Ao contrário do que deseja a maioria dos bancos, contudo, a resolução ainda está longe de ser o primeiro passo para dispensar o rodízio obrigatório de auditores, também exigido pelo Banco Central.

O comitê de auditoria deve ser criado para complementar o trabalho de fiscalização dos auditores independentes, afirma o diretor de normas e fiscalização do sistema financeiro do BC, Sérgio Darcy. “O comitê poderá sugerir a troca da firma de auditoria, se achar que existem irregularidades ou falha nos trabalhos. No final, o conselho de administração é quem decidirá sobre a contratação, mas terá que apresentar argumentos sólidos para não acatar a indicação do comitê”, afirma o executivo.

Eleito em assembléia geral, o comitê deve ser formado por, no mínimo, três membros que não façam parte das instituições. O mandato pode durar cinco anos no máximo, sem prorrogação, ou ser anual . com no máximo quatro reeleições. O comitê será obrigatório para instituições que atendam três critérios: patrimônio líquido superior a R$ 1 bilhão; administração de recursos de terceiros maior que R$ 1 bilhão; ou captações de depósitos mais administração de recursos terceiros igual ou superior a R$ 5 bilhões.

A CVM ainda não seguiu o BC na criação da mesma norma para companhias abertas, a exemplo do que fez na criação do rodízio de auditorias. Mas, segundo o gerente de auditoria da autarquia, Ronaldo Cândido da Silva, a CVM .vê com bons olhos. A hipótese de algumas companhias seguirem por iniciativa própria a cartilha de boas práticas de governança corporativa, que prevê a criação do comitê. Hoje, além dos bancos, apenas as empresas com ADRs listados na Bolsa de Nova York, por conta da lei Sarbanes-Oxley, são obrigadas a ter um comitê de auditoria.

Concorrência entre auditores reduz custos para empresas

Apesar da polêmica em torno do mérito e dos benefícios do rodízio de auditorias, as empresas consideram que saíram ganhando em pelo menos um aspecto com a concorrência entre os auditores. .Um dos principais itens que levou à escolha da nova firma foi o preço. Tivemos redução de aproximadamente 20%., estima o diretor econômico da Itautec Philco, Geraldo José Belini Amorin. A Iochpe calcula que a redução de honorários foi da ordem de 30% a 40%. Oscar Becker, diretor da companhia, diz que, na proposta de prestação de serviço, a fornecedora nova garantiu 200 horas além das 2.000 previstas no primeiro ano para conhecer a Iochpe.

“A inclusão de horas adicionais na proposta de trabalho foi uma maneira de garantir a tranqüilidade da empresa, que passava por um momento de transição, depois da experiência de 30 anos com o antigo auditor”, explica o sócio da KPMG no Brasil, Pedro Melo, que assumiu os serviços da Iochpe. O executivo conta que a KPMG só abriu a exceção para dar conforto às companhias, que fizeram a troca por força do regulamento e não por vontade própria. Hoje, a KPMG tem 30 clientes. Com o rodízio, deve atender cerca de 35: perdeu cinco, mas repôs dez.

Entre os quatro principais auditores do Brasil e também do mundo – Deloitte, PwC, KPMG e Ernst & Young – não há quem defenda o rodízio, apesar de a dança de cadeiras ter beneficiado algumas firmas. “Com o rodízio, fica difícil planejar a estratégia da auditoria a longo prazo, porque não há horizonte para além dos cinco anos. Isso desestimula o investimento das auditorias e compromete a formação de novos profissionais”, avalia o presidente da Deloitte, Alcides Hellmeister Filho. A principal preocupação das grandes firmas é não conseguir recompor a carteira com a baixa significativa de clientes. Para essas auditorias, o rodízio entre sócios teria sido uma alternativa mais branda à do rodízio de firmas. Empresas menores, ao contrário, viram no rodízio uma oportunidade de abocanhar clientes importantes das maiores firmas.

A Deloitte sofreu as substituições da Souza Cruz, que auditava há mais de 50 anos, e de grandes empresas de energia, como Eletropaulo, Duke Energy e Tractebel, que estavam com seus serviços desde a época da privatização. Em compensação, conquistou importantes contas, como as da Vale do Rio Doce, Ambev, Aracruz e Klabin. Até o anúncio das novas trocas, Hellmeister esperava fechar a carteira com cerca de 130 empresas. Ao todo, perdeu 34 clientes, mas conquistou 39 até o início de julho.

A conquista da liderança também se deve à aquisição das empresas herdadas da Arthur Andersen. Em 2002, a Deloitte passou a deter 75% da carteira de clientes da Andersen, num total de aproximadamente 50 empresas. A CVM entendeu que não havia necessidade de rodízio, uma vez que os clientes já haviam mudado de uma firma para outra. Por isso, o rodízio destas empresas será realizado apenas em 2006. Segundo a autarquia, o “espírito” do rodízio fora atendido, à medida que a Deloitte também trocou as “cabeças” que fiscalizavam os balanços. Das 300 companhias abertas no país, a Deloitte selecionou cerca de 170 como oportunidade de prospecção.

A PricewaterhouseCoopers foi a que mais sofreu com o rodízio. Além da primeira posição no ranking, a auditoria perdeu mais de 40 companhias das 130 que auditava, entre elas grupos do porte da Petrobras e Vale do Rio Doce. O sócio e vice-presidente da PwC, Henrique Luz, acusa a CVM de intervir no mercado, à medida que indeferiu o direito das companhias de escolher a prestadora de serviço. “A interferência do governo atingiu 90 anos de trabalho em todo o mundo”, afirma.

Segundo cálculos do executivo, a PricewaterhouseCoopers audita hoje 29% das 500 maiores empresas do país, contra 34% antes da obrigação. A auditoria procurou compensar as baixas prestando serviços de consultoria para os antigos clientes, em áreas como gestão de risco, tributária, governança corporativa, abertura de capital, gestão de segurança e tecnologia e outras. Segundo Luz, os cerca de R$ 8,5 milhões em faturamento que a Price deixou de ganhar por conta das trocas foram compensados pela contratação de serviços de consultoria.

A Ernst & Young foi a que conquistou a conta mais cobiçada do país, a Petrobras. Também venceu as concorrências no Pão de Açúcar e nas companhias Usiminas e Suzano. Focamos a estratégia em grupos de grande porte, que tivessem representatividade na economia brasileira, afirma o sócio da Ernst & Young, Sérgio Citeroni. Com esse foco, a Ernst abriu mão de mais empresas do que conquistou 19 contra 14. Mas só a conta da Petrobras compensou cerca de 15 baixas, segundo o sócio.


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