Por um futuro melhor
Perspectivas do setor educacional são auspiciosas, mas as companhias ainda precisam demonstrar que é possível gerar lucros a partir de aquisições árduas

Investir em educação privada é algo que faz sentido num país carente de mão de obra qualificada e com capacidade restrita de garantir vagas em instituições públicas de ensino. Mas provar esse argumento está levando mais tempo do que os investidores imaginavam. Não há dúvida de que a ascensão das instituições privadas vem sendo impulsionada pelo mercado de capitais, que permite a grupos de educação crescerem por meio da captação de recursos de fundos de private equity ou na bolsa de valores. Basicamente, o dinheiro vem sendo usado para aquisições. As companhias, porém, não pareciam contar com um processo tão dispendioso para reestruturar as várias escolas adquiridas nos últimos anos.

O processo de consolidação não deve terminar tão cedo. As projeções são de, no mínimo, mais dois anos de reorganização no setor, principalmente nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Com tantas fusões e aquisições pelo caminho, prevê-se que os 15 maiores grupos do Brasil passem dos atuais 35% de participação no mercado para 50% dentro de cinco anos, e que a ampliação se intensifique se houver mais incentivos governamentais de financiamento estudantil. O histórico recente é estimulante. No fim de 2010, havia 6,4 milhões de matrículas no ensino superior no Brasil, um crescimento de 110% em relação às pouco mais de 3 milhões em 2001, conforme censo divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep). A maior parte dessa expansão pode ser atribuída a estabelecimentos particulares de ensino, cuja participação na oferta de vagas passou de 68,9% para 74,2% no período.

Os investidores estão encantados pelos ganhos de escala a serem obtidos no segmento. Mas os desembolsos elevados postergam os lucros para o longo prazo. Veja-se o caso da Kroton, rede de ensino que compreende da educação básica à pós-graduação. No ano, até 20 de julho, as units da companhia acumulavam retorno positivo de 52,8% na bolsa, uma das maiores valorizações da temporada. A alta foi motivada, sobretudo, pela maior captação de alunos no vestibular. As faculdades tiveram o número de alunos ingressantes alavancado pelo programa de financiamento estudantil do governo federal, o Fies. Novas regras do subsídio, implantadas a partir deste ano, dispensaram o pagamento prévio da matrícula pelos universitários atendidos, facilitando as inscrições.

“O destaque foi para a Kroton, por ter mais expertise no Fies. Ela começou a participar do programa antes, quando ele ainda não tinha ganhado escala”, observa Jacqueline Lison, analista do Banco Fator. No primeiro semestre de 2011, 18,2% da base de alunos da empresa tinha contrato com o Fies; no primeiro trimestre deste ano, a parcela ficou acima de 30%. O vínculo com o Fies é uma espécie de vacina contra a inadimplência e a evasão escolar, pois o subsídio financeiro aumenta a probabilidade de o aluno terminar o curso.

A valorização da Kroton este ano, no entanto, foi incapaz de reverter o retorno negativo de suas units desde a oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), em 2007, de 15,4%. Parte da inconsistência do desempenho é explicada pelo apetite voraz da companhia. A empresa fez uma oferta subsequente de ações no começo de 2011. Sua perspectiva era ter 60 mil alunos em dois anos. Com o anúncio da compra da Universidade Norte do Paraná (Unopar), por R$ 1,3 bilhão, logo ultrapassou a marca, atingindo 160 mil alunos. A negociação foi alvo de críticas de alguns analistas, que consideraram “cara” a aquisição.

Carlos Lazar, diretor de relações com investidores (RI) da companhia, afirma que a Unopar vai gerar rentabilidade superior a outros tipos de instituições, porque oferece a maior plataforma de graduação a distância do País, um segmento em fase de expansão galopante. “Outros negócios, pelos quais pagamos mais barato, necessitam de mais trabalho para geração de valor”, compara o executivo. Desde o IPO, a companhia fez 20 aquisições. O plano, de acordo com o diretor, é dar continuidade ao crescimento inorgânico. “A consolidação é um processo natural”, diz.

Na avaliação de Ryon Braga, presidente da Hoper Educação, consultoria de gestão universitária, o movimento de consolidação é uma das causas da diluição da rentabilidade do segmento de ensino superior. “Esse mercado ainda não trouxe retorno da forma como prometeu, porque escolheu caminhar pelas aquisições”, observa. A analista Jacqueline reforça a necessidade de tempo para absorver as escolas adquiridas. “Quanto mais ágil a companhia for para colocar as empresas adquiridas no padrão, mais rápido é o ganho”, explica.

PÉ NO FREIO — A Anhanguera Educacional, maior companhia do segmento de ensino superior privado, também tem investido na compra de faculdades e na exploração de sinergias. Porém, depois de realizar uma série de aquisições e perder 50% de seu valor de mercado em 2011, pretende reduzir o ritmo. “Após um ano de pesados investimentos em aquisições, temos, em 2012, um foco grande em performance e geração de caixa”, afirmou o diretor-presidente, Ricardo Scavazza, na teleconferência de resultados do primeiro trimestre.

As estratégias diferem, mas um desafio comum às instituições de ensino é o ganho de eficiência em gestão. Nas faculdades brasileiras, é comum encontrar a convivência de cursos lucrativos com outros que só dão prejuízo, anulando os resultados positivos. Esse fator requer esforços extras dos consolidadores, que precisam criar cursos, repensar grades curriculares e reinventar modelos de negócio — algo que costuma levar tempo. A Estácio Participações, por exemplo, definiu não manter prédios próprios. Quando compra uma faculdade que é dona de suas instalações físicas, negocia o aluguel com o ex-proprietário. “Assim, ele faz uma condição mais favorável”, explica Rogério Melzi, presidente da companhia. Também buscando a redução de custos, a Estácio investe em cursos online e fornece certas disciplinas para turmas grandes de alunos, de diferentes graduações.

Graças ao aumento real de renda, uma parcela muito maior de alunos das classes C e D está cursando o ensino superior

GRADUAÇÃO ACESSÍVEL — As críticas quanto à qualidade de algumas universidades particulares não diminuem a importância do setor privado para os “apagões” de mão de obra no Brasil, na visão do executivo. “Não existe outra solução a não ser educação superior privada”, diz Melzi. O Estado está longe de suprir a demanda da população. As universidades públicas têm vagas limitadas e seus vestibulares, tradicionalmente, privilegiam estudantes egressos de escolas particulares, em que a qualidade costuma ser melhor. As instituições privadas de graduação atendem, principalmente, essa fatia com menos acesso às universidades municipais, estaduais e federais. Graças ao aumento real de renda, uma parcela muito maior de alunos das classes C e D está cursando o ensino superior: dados da Hoper indicam que até a abertura para o setor privado, em 1996, apenas 6% dos estudantes de graduação eram da classe C; hoje, 52% dos alunos são das classes C e D. Entre 1996 e 1997, uma série de leis e regulamentações possibilitou que empresários explorassem essa seara com propósitos, de fato, comerciais.

Apesar do aumento de matrículas, a sexta maior economia do mundo ainda tem um enorme déficit de acesso à educação. Em 2009, a fatia da população com idade entre 18 e 24 anos matriculada em ensino superior era 25% — proporção considerada baixa por especialistas, o que reforça o potencial de crescimento. Carlos Monteiro, presidente da consultoria CM, acredita que o aumento da empregabilidade, a chance de mobilidade social e a oportunidade de expandir a rede de contatos profissionais são os aspectos mais ressaltados pelas instituições privadas para atrair estudantes. Um dos grandes motivos da demanda pelas faculdades é financeiro: um diploma no ensino superior gera um aumento de cerca de 2,5 vezes no salário.

PRIVATE EQUITY — Cientes do potencial do segmento, gestores de private equity têm se dedicado a pinçar negócios dirigidos, inclusive, ao ensino básico. A BR Investimentos abriu o fundo de investimento em participações (FIP) BR Educacional em 2009, voltado para investidores institucionais. Depois de angariar R$ 360 milhões para o fundo, a gestora está trabalhando na captação de um segundo FIP. O plano é investir R$ 1,2 bilhão ao longo de 12 anos (considerando o ciclo de investimento e desinvestimento) em diferentes nichos — desde livros para uso pedagógico a cursos de pós-graduação.

Também gestora de private equity, a Local Invest constituiu, no fim de 2010, o Local Invest FIP Educacional, que, através de uma holding, compra escolas de ensino básico — da pré-escola ao ensino médio. Nessas unidades de ensino, a Local busca enxugar estruturas administrativas e padronizar o material didático. “No fim, só restam na escola professor, diretora, servente e aluno”, aponta Luis Fernando Pessôa, diretor da gestora. Voltado ao investidor institucional, o FIP coloca como meta 20% de lucro anual para cada escola adquirida e tem pela frente mais seis anos de investimento e três de desinvestimento. Até maio, o FIP tinha investimentos em três escolas, com um número total de oito estabelecimentos de ensino. Nos próximos quatro anos, a gestora pretende desembolsar até R$ 200 milhões e elevar o número de alunos matriculados nos colégios do portfólio dos atuais 6 mil para 80 mil. “Os pais sabem que precisam qualificar seu filho no ensino básico para que ele possa pleitear uma oportunidade numa faculdade pública”, ressalta Pessôa.

Na opinião de Braga, da Hoper, embora traga vantagens de governança e de financiamento para a educação, o mercado de capitais, às vezes, não sabe respeitar o ritmo do setor. “As mudanças de gestão levam tempo. Resultado trimestral, em educação, não existe”, lembra. O consultor acredita que o mercado pode acabar pressionando as companhias do ramo a adotar medidas que reduzam não só os custos como a qualidade dos cursos.

Um aspecto favorável do negócio de educação é que ele não se retrai em períodos de desaceleração. Os especialistas apontam que, na crise, pode haver até um pequeno aumento de procura por estudantes, em busca de qualificação profissional. “É um mercado de muita estabilidade”, acrescenta Braga, que defende o modelo de crédito estudantil — segundo ele, em países desenvolvidos, o governo financia mais de 50% dos estudantes universitários, enquanto, no Brasil, essa parcela é de 17%. Para Monteiro, da CM, se houver apoio estatal, o País poderá chegar à casa dos 10 milhões de pessoas cursando ensino superior em 2015. O Brasil só tem a lucrar com mais diplomas. “Com uma massa de trabalhadores mais bem preparada, ganhamos produtividade e competitividade em relação a outras nações”, conclui Monteiro.


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