Piloto automático
Baratos e práticos para o investidor, ETFs são criticados por seu potencial de inflar artificialmente os preços dos ativos, derrubar os mercados e incentivar a passividade dos gestores de recursos

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A intenção é boa. A BM&FBovespa quer ampliar a presença em seu pregão dos exchange traded funds (ETFs) — um produto que cresce avassaladoramente no mundo, na casa dos dois dígitos nos últimos anos, mas tem participação ainda modesta no Brasil. Copiando as carteiras de índices de ações, esses fundos oferecem um benefício importante: com cotas negociadas em bolsa, permitem que mais pessoas invistam em renda variável, de maneira diversificada e com custo baixo. Mas a proliferação desses instrumentos pode trazer riscos diversos para os mercados no longo prazo, segundo alguns especialistas. Um dos temores é que a onda dos ETFs estimule os investidores a atuar no “piloto automático” — sem analisar os fundamentos das companhias listadas.

Adrian Blundell Wignall, diretor da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade internacional que congrega os países mais industrializados do mundo, tem dedicado boa parte do seu tempo a finalizar um estudo sobre o impacto do crescimento dos ETFs. O trabalho está em fase de redação, mas Wignall adiantou alguns dos seus principais tópicos.

Ele começa abordando os pontos positivos dos fundos de índice, como o custo reduzido. Alguns chegam a não cobrar nada de taxa de administração, já que seus gestores não têm gastos com análise de empresas. Também possibilitam ao investidor posicionar-se em mercados internacionais, algo que pode ser muito burocrático e custoso quando feito diretamente (ainda não existem ETFs no Brasil lastreados no exterior, mas lá fora isso é muito comum). Outra vantagem é o aspecto fiscal. Na maioria dos países, quando um fundo compra ou vende uma ação, incidem impostos sobre o ganho de capital. No caso do ETF, não há incidência de impostos quando se muda a composição da cesta.

“Quando os ativos se movem de forma altamente correlacionada, eis um sinal de que os mercados não estão fazendo seu trabalho”

Dentre os problemas, o primeiro citado por Wignall é o aluguel de ações, uma importante fonte de recursos para os ETFs. Eles tentam compensar a ausência ou a irrelevância das suas taxas de administração “emprestando” as ações do
portfólio. “Uma crise como a de 2008, em que muitos cotistas de fundos pediram resgate ao mesmo tempo, poderia causar sérios danos aos mercados de ETFs”, adverte Wignall. Outro sinal amarelo é a inflação dos preços dos papéis de companhias de baixa capitalização (small caps). A elevação da demanda por ações ilíquidas, para compor cestas de ETFs, pode levar a uma valorização artificial das ações, alerta o diretor da OCDE.

, Piloto automático, Capital AbertoO aumento da sofisticação — e dos riscos — dos ETFs também preocupa. Na Europa e nos Estados Unidos, já existem ETFs de swaps, por exemplo. Esses fundos também são compostos de ações de empresas e seguem um índice, mas se o ETF de swap obtiver rendimento abaixo de seu benchmark, uma parte deve pagar a diferença à outra, e vice-versa. “O que acontecerá se o descompasso for muito grande, e uma das partes não conseguir honrar os valores?”, questiona Wignall.

Em novembro do ano passado, um relatório divulgado pela Kauffman Foundation, uma instituição norte-americana voltada a estimular o empreendedorismo e a educação, trouxe ácidas críticas aos ETFs. Os autores Harold Bradley e Robert E. Litan, respectivamente diretor de investimentos e vice-presidente de pesquisa da fundação, constataram que os fundos de índice vêm agravando o declínio das ofertas iniciais de ações (IPOs) no mercado norte-americano, decorrente também do rigor da Lei Sarbanes-Oxley.

De acordo com Bradley e Litan, são os ETFs, e não as negociações das ações diretamente, que hoje definem os preços dos papéis das empresas de baixa capitalização (as chamadas small caps) nos Estados Unidos. Por suas facilidades, esses “pacotes de ações” possuem muito mais negócios do que as ações em si, o que, para os administradores das companhias, pode significar o absoluto descontrole sobre os aspectos que direcionam os preços dos seus papéis. Alguns CEOs de empresas interessadas em abrir o capital já negociam com as bolsas em que pretendem se listar a promessa de que suas ações não serão anexadas a um índice, relatam os pesquisadores. “É uma inversão do padrão histórico, em que os CEOs ansiavam ver suas ações em índices, porque isso aumentaria a liquidez e as cotações”, dizem.

Para provar que a disseminação dos fundos de índice está distorcendo o mercado de capitais norte-americano, Bradley e Litan usam um estudo do J.P. Morgan. A equipe de derivativos do banco notou que o nível de correlação entre os ativos negociados nas bolsas de valores atingiu níveis históricos nos últimos dois anos, num movimento sem precedentes que eles apelidam de “bolha de correlação”. Isso se deveu, conforme o J.P., ao uso de produtos baseados em índices, incluindo os mercados futuros e os ETFs. “Quando os ativos financeiros se movem de forma altamente correlacionada, eis um sinal de que os mercados de capitais não estão fazendo seu trabalho principal: o de alocar o capital de modo a disciplinar riscos e premiar sucessos”, observam Bradley e Litan.

Assim como Wignall, eles elencam os potenciais riscos sistêmicos dos ETFs. Por sua praticidade e seu baixo custo, eles tendem a ser a saída de emergência de investidores desesperados em movimentos de baixa. “São uma fonte potencial de pânico.” Não por acaso, ressaltam Bradley e Litan, mais da metade das negociações com ações que tiveram forte declínio no flash crash de 6 de maio de 2010, nos Estados Unidos, ocorreu por meio de cotas de ETFs.

RÁPIDA PROLIFERAÇÃO — O crescimento dos fundos de índice nos últimos anos impressiona. Em todo o mundo, eles eram apenas quatro ETFs em 1995 e 92 no ano 2000. Em 2010, dados da BlackRock apresentados no estudo da Fundação Kauffman indicam que eles chegaram a 2.379. No Brasil, os iShares, geridos pela BlackRock, alcançaram a marca de R$ 1 bilhão de patrimônio em janeiro. O maior ETF local, o BOVA11, que replica o índice Bovespa, atingiu, em 17 de dezembro, o volume de R$ 75,9 milhões negociados, figurando dentre os 20 papéis mais movimentados na BM&FBovespa naquele dia. Outro ETF que vem ganhando terreno no País é o SMAL11, fundo que replica o índice BM&FBovespa Small Cap. O ETF obteve crescimento de mais de 400% em seu patrimônio em 2010, para quase R$ 100 milhões.

ETFs tendem a ser a saída de emergência de investidores desesperados em movimentos de baixa

É um número ainda modesto se comparado aos valores administrados pela BlackRock na Europa, onde os seus fundos de índice ativos beiram os US$ 100 bilhões. No total, os ETFs do Velho Continente somavam patrimônio de US$ 284 bilhões no fim de 2010, ante US$ 227 bilhões um ano antes. Em ritmo semelhante, cresceram os ativos sob gestão dos fundos de índice dos Estados Unidos — 26%, de US$ 706 bilhões para US$ 891 bilhões entre 2009 e 2010. Nos Estados Unidos, os ETFs respondem por 25% de tudo o que é negociado em bolsas de valores.

O diretor de renda variável da BM&FBovespa, Julio Ziegelmann, revela que o plano é aumentar a participação dos ETFs no volume total negociado na Bolsa brasileira de 1% para 5% em poucos anos. Os fundos de índice são parte da estratégia traçada pela BM&FBovespa para captar 5 milhões de investidores de varejo em 2015.

A questão do risco sistêmico, para Ziegelmann, deve ser encarada com atenção pelos gestores. Ele destaca que, no Brasil, a regulação inibe potenciais problemas de liquidez. A Instrução 359 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que disciplina o funcionamento dos fundos de índice, estabelece um limite de 30% das ações contidas na cesta a serem destinadas a aluguel. “Porém, o gestor deve sempre avaliar criticamente a quantidade de ações que vai alugar”, aconselha.

INCENTIVO À PREGUIÇA — O projeto da Bolsa é multiplicar o número de índices para que novos ETFs sejam lançados. O diretor adianta que indicadores setoriais e de dividendos serão criados ainda no primeiro semestre de 2011. A estreia do Índice de Governança Corporativa Trade (IGCT), em 3 de janeiro, é um exemplo desse movimento. Ele foi concebido exclusivamente com o propósito de servir como base a um ETF. No dia 26, a Bolsa abriu o processo de seleção da instituição que vai gerir o fundo referenciado no índice.

Assim como o Índice de Ações com Governança Corporativa Diferenciada (IGC), o IGCT é constituído por ações de companhias listadas nos três níveis diferenciados de governança da Bolsa (1, 2 e Novo Mercado). O que muda em relação ao seu “primo” nascido em 2001 é a exigência de cumprimentos de alguns critérios de liquidez — como a participação do papel em, no mínimo, 95% dos pregões.

Os ETFs associados à governança corporativa também são alvo de duras críticas. Ao se ater a um modelo de boas práticas do tipo “check list” — como a presença ou não em um segmento especial de listagem —, o ETF não se aprofunda na análise de particularidades da companhia. “Investir em empresas com boa governança requer mais do que o preenchimento de requisitos”, garante Simon Wong, professor de direito da Northwestern University e sócio da gestora Governance for Owners. Para o professor, o crescimento de produtos como os ETFs fomenta a passividade dos investidores. Ele não se refere apenas aos fundos que investem em índices de governança, como o que se referenciará no IGCT, mas a todos os ETFs.

Em 2009, os fundos de índice foram os principais responsáveis pelo aumento do patrimônio de investimentos passivos

No ano passado, Wong produziu um estudo (Why Stewardship is Proving Elusive for Institutional Investors, algo como “Por que a responsabilidade na administração está se provando evasiva para investidores institucionais”), que aponta diversas causas para a falta de ativismo dos acionistas. Após a crise financeira de 2008, o mundo percebeu que os investidores institucionais não estão fazendo a lição de casa de analisar as empresas em que investem os recursos de seus clientes. Isso porque são estimulados por bônus de curto prazo, não veem vantagens em manter equipes especializadas em examinar empresas e, dentre outras razões, têm a seu dispor soluções práticas e rápidas como, por exemplo, os ETFs.

O acadêmico observa que, em 2009, os fundos de índice foram os principais responsáveis pelo aumento do patrimônio de investimentos passivos. Eles cresceram em mais de US$ 100 bilhões, contra a redução de mais de US$ 300 bilhões do volume de recursos sob gestão ativa. Em conversas com gestores de ETFs, Wong encontrou pouquíssima disposição em atentar-se ao quesito governança. “Eles não concordam em abrir mão do aluguel de cotas nem de aumentar o valor de suas taxas de administração”, conta. Para se tornarem mais ativos em governança, os gestores precisariam ter as ações das companhias em mãos, e não emprestadas, para participar das assembleias de acionistas. Além disso, esse tipo de engajamento incorreria num aumento de despesas que só poderia ser repassado ao investidor por meio da taxa de administração — algo que os gestores dos ETFs preferem nem considerar.

RISCO COMPENSADO — Os gestores de ETFs defendem a relação custo–benefício de seus produtos. “O investidor de varejo tem dificuldade tanto para montar uma carteira diversificada quanto para avaliar individualmente os papéis. O ETF facilita muito esse trabalho a um baixo custo”, comenta Saulo Mendes, diretor de mercado de capitais da BlackRock, instituição que administra seis dos sete ETFs existentes no País atualmente. Tanto no Brasil como no mundo, porém, o varejo não é predominante quando se trata de ETFs. Atualmente, 50% do volume negociado em cotas desses fundos no Brasil é originado de investidores institucionais, 17,8% de instituições financeiras, 15,7% de estrangeiros e apenas 14,9% de investidores pessoa física. Lá fora, a reportagem não encontrou dados oficiais sobre essa distribuição. Mas alguns sites apontam uma estimativa de que os investidores se dividem meio a meio entre institucionais e pessoas físicas.

Além do ETF ligado ao IGCT, é certa a chegada de outros fundos de índice no País. Em janeiro, foi aberta a concorrência para a constituição de um ETF ligado ao Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). E o Itaú Unibanco — que em agosto do ano passado venceu a disputa travada com outras três instituições — está prestes a lançar um ETF do setor financeiro. “Está em fase final de estudos a criação de um índice de carbono eficiente”, revela Ziegelmann. Tudo para que 2011 seja ainda melhor que 2010 nesse segmento. “A ideia é praticamente dobrar o número de ETFs negociados”, prevê o diretor.


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