Patrulha reforçada
Lei amplia responsabilidades de prestadores de serviços do mercado de capitais em casos de lavagem de dinheiro

, Patrulha reforçada, Capital Aberto

 

As ações criminosas estão na agenda de Brasília. Durante o mês passado, as atenções voltaram-se para o Superior Tribunal Federal (STF) e o julgamento do mensalão. Os ministros da corte decidem se houve compra de votos de parlamentares, uso de recursos públicos nos subornos e crime de lavagem de dinheiro. Poucas semanas antes, foi a vez da Lei 12.683, editada em julho, entrar em vigor. O diploma trata do crime de lavagem de dinheiro e ocultação de recursos e traz consequências diretas para os participantes do mercado de capitais. Dentre elas, inclui, em seu capítulo 5, advogados, auditores, assessores de fusões e aquisições e outros consultores no grupo de profissionais que devem comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a incidência de transações suspeitas. Na prática, a lei divide uma responsabilidade que até então estava sob o chapéu das entidades do sistema financeiro, como bancos, bolsas de valores e corretoras, com quase todos os prestadores de serviços do mercado.

A ampliação da lista de profissionais obrigados a notificar as operações passíveis de crime é vista pelo Coaf como uma medida preventiva. “Não adianta ter apenas os bancos envolvidos nesse processo”, ressalta Antonio Gustavo Rodrigues, presidente do órgão. A justificativa é que, antes de chegar aos bancos, os recursos passam pelas mãos de outros agentes, como as seguradoras e os participantes do mercado de capitais, que podem ser usados por criminosos para conferir um ar de legalidade ao dinheiro. A expectativa do Coaf é desincentivar os profissionais a serem coniventes com operações fraudulentas. Se provado que eles tiveram acesso a informações suspeitas e não as reportaram, as punições vão de advertência a multa até inabilitação temporária e cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade.

A aplicação da lei ainda depende de regulamentação pelas entidades que representam cada categoria. No caso dos advogados, é necessário que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se manifeste. Para os contadores, a regulamentação virá do Conselho Federal de Contabilidade (CFC); e, para os auditores, do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon). As entidades enfrentarão um problema em comum: terão que pensar como conciliar as exigências da nova legislação com o sigilo que seus profissionais se comprometem a manter diante das informações de um cliente. A lei prevê que, nas comunicações ao Coaf, eles se abstenham de dar ciência do ato a qualquer pessoa, “inclusive àquela à qual se refira a informação”.

A OAB avaliou sua submissão à Lei 12.683 e, no último 21 de agosto, divulgou um entendimento: a nova lei de lavagem “não se aplica aos advogados e às sociedades de advogados em razão dos princípios constitucionais de proteção ao sigilo profissional e da imprescindibilidade do advogado à administração da Justiça”. Diante dessa conclusão, é possível que a OAB ingresse com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF). O Coaf rebate a resistência das entidades. “O sigilo profissional é tão sério quanto o sigilo bancário. E este não é absoluto, tanto que pode ser quebrado. Ou o profissional está do lado do problema ou da solução. O que não pode é ele ser um instrumento de bandidos”, defende Rodrigues.

As demais entidades não vão tão longe quanto a OAB. O CFC ainda não estabeleceu um prazo para emitir a regulamentação dos contadores, mas está analisando a nova lei em conjunto com a Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon). “Precisamos nos organizar, disciplinar a questão e, principalmente, saber até onde vai a abrangência da lei”, afirma Enory Spinelli, vice-presidente do CFC. Há incertezas, por exemplo, em relação à necessidade de notificação ao Coaf quando houver a prestação de serviços específicos, como o de auditoria externa independente. Conforme Diogo Ruiz, sócio da KPMG, a auditoria de uma demonstração contábil não se encaixa no conceito de “serviço em operação financeira ou societária” mencionado pela lei. “Trata-se de uma revisão de princípios contábeis, ainda que haja operações financeiras no balanço”, argumenta. Na visão do Coaf, a questão é mais complexa. “Imagine que uma empresa está abrindo uma filial em um paraíso fiscal. Não há nada de errado nisso. Mas se aparece alguém querendo montar um esquema societário desse tipo para esconder a origem de recursos, é preciso que haja a comunicação”, esclarece Rodrigues.

A lei exige que todos os agentes citados no capítulo 5 mantenham registros atualizados da identificação dos clientes e de todas as transações (em dinheiro, títulos, valores mobiliários e créditos) que ultrapassem os limites fixados pelas autoridades do sistema financeiro. Em geral, transações superiores a R$ 100 mil são sempre passíveis de notificação, ainda que não haja indício de lavagem. Aqui, mais uma vez, há dúvidas sobre a aplicação da lei. Prestadores de serviços que assessoram a constituição ou a auditoria de demonstrações financeiras de fundos de investimentos, por exemplo, não têm acesso à identidade do beneficiário final das cotas. Os advogados, que redigem as normas contratuais de um negócio, argumentam não ter acesso aos dados financeiros dos clientes. A proposta é que cada entidade de classe negocie com o Coaf a extensão das normas aplicáveis aos seus profissionais.

A Lei 12.683 também trouxe novidades para as bolsas de valores, os gestores e os administradores de fundos de investimento, veteranos no dever de efetuar notificações. A partir de agora, eles deverão reportar diretamente ao Coaf, e não mais à CVM, as operações que contenham indícios de lavagem de dinheiro. A autarquia do mercado de capitais, porém, não sai totalmente de campo. Caso não sejam identificadas operações passíveis de notificação ao Coaf, esses participantes devem notificar a CVM. Seria uma espécie de certidão negativa.

Todo o zelo do Poder Judiciário pelo mercado de capitais tem explicação. O movimento começou ainda na década de 80, com a Convenção de Viena, da qual o Brasil é signatário. Na época, para inibir o crime organizado, em especial o tráfico de drogas, adotou-se a tática de minar financeiramente o caixa das organizações, e não apenas prender os criminosos. A facilidade para movimentar mercadorias e recursos mundo afora obrigou os bancos a monitorar transações suspeitas. E, agora, a tarefa foi estendida a outros participantes, como os do mercado de capitais, que acabam por dar aval a arranjos societários e financeiros sofisticados que podem ser usados para ações criminosas.

O patrulhamento pode ficar ainda mais intenso se projetos que tramitam no Congresso Nacional saírem do papel. Um deles, o Projeto de Lei 5.696-A, de 2009, propõe a obrigatoriedade da abertura do quadro de sócios de qualquer pessoa jurídica estrangeira que atue no Brasil até o nível da pessoa física. A justificativa é garantir que o Poder Judiciário seja capaz de lhes cobrar a responsabilidade por atos ilegais e não se depare apenas com “laranjas” que atuam como seus representantes no País. De acordo com o texto do projeto, “essa situação (de não identificação do beneficiário final) leva o Coaf (…) a requisitar informações a entidades públicas de outros países, considerados paraísos fiscais. Fácil é presumir que a maioria dessas solicitações fica sem resposta. É uma forma de acobertar os responsáveis pela prática de atos ilícitos amparados pela legislação infralegal brasileira”.

Projeto de lei descriminaliza manipulação e suaviza insider

Na contramão da Lei 12.683, segue a reforma do Código Penal brasileiro, em tramitação no Senado. O Projeto de Lei 236/2012 ameniza punições e responsabilidades relativas a crimes cometidos no mercado de capitais. Pela nova redação, a manipulação de mercado deixaria de ser crime — posicionamento oposto ao adotado por outros mercados, como o europeu, que endureceu o tratamento dispensado em tais situações.

Atualmente, a legislação brasileira (Lei 6.385/76) prevê que o ilícito ocorre toda vez que um investidor realiza operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o funcionamento de bolsas de valores e mercados de balcão para obter vantagem indevida. O mesmo abrandamento foi aplicado à atuação irregular de agentes autônomos, prevista como crime na legislação em vigor, mas revogado pela proposta de reforma.

Outro ilícito que pode ser suavizado é o uso impróprio de informação privilegiada (insider trading). Pela legislação atual, a caracterização desse crime não depende da obtenção concreta de vantagem econômica indevida. A proposta em tramitação, contudo, muda esse entendimento, tornando esse fator essencial para caracterizar o ilícito.

A punição imposta a quem comete esse crime também pode ser abrandada. O projeto retira o pagamento de multa previsto atualmente pela Lei 6.385/76 e mantém apenas a reclusão de um a quatro anos. “Isso é particularmente ruim porque a pena de prisão, na maioria das vezes, acaba sendo transformada em penas alternativas”, avalia Julya Wellisch, subprocuradora chefe da procuradoria federal especializada junto à CVM.

De acordo com fontes ouvidas pela reportagem, as chances de o texto da reforma evoluir com a redação atual são muito pequenas. Segundo os críticos, o projeto foi redigido em poucos meses e está repleto de equívocos. A comissão que coordena a reforma do Código Penal é presidida por Gilson Dipp, ministro do Supremo Tribunal de Justiça. Dentre os poucos aspectos elogiados está o mérito de consolidar todos os tipos de crimes previstos na legislação brasileira sob um só guarda-chuva. (Y.Y)


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