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Opção para gente grande
Difundido na Europa, o modelo “comply or explain” vem enfrentando problemas. Para ter sucesso, ele requer um mercado maduro

, Opção para gente grande, Capital AbertoO sistema “comply or explain” tem sido frequentemente citado nas discussões sobre governança corporativa. No Brasil, quase foi implementado pela última revisão do código de boas práticas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). No cenário internacional, emergiu como uma alternativa para ponderar o impulso regulatório que ganhou fôlego após a crise. O modelo de “pratique ou explique”, criado em 1992 pelo primeiro código de governança do Reino Unido — o famoso Cadbury Report —, consiste em uma forma de exigir mais das companhias, sem obrigá-las a nada. A única imposição é que, ao não aderirem a determinada prática, exponham publicamente as suas razões. Na Europa, o modelo cresceu e se desenvolveu (veja o quadro na página 36). Mas a experiência tem mostrado que, em outras culturas, sua aplicação é mais complexa.

Na opinião do professor da Universidade de Michigan, Vikramaditya Khanna, que passou pelo Brasil no início de julho para participar da Segunda Conferência Internacional de Governança Corporativa em Mercados Emergentes, cada país deve avaliar com muito cuidado os prós e contras de se adotar o comply or explain. “O modelo tem uma concepção interessante, mas, por si só, não funciona”, sentencia Khanna. O professor conta que, a exemplo do que ocorre no Brasil, muito se discute sobre a adoção do comply or explain na Índia. Para ele, contudo, seu país ainda está “cru” para implantar o modelo. “Não há quantidade suficiente de analistas para acompanhar essas informações, nem uma cultura de valorizá-las”, diz.

O grande desafio de quem adota o sistema está no “explique”. Quando uma empresa não segue determinada recomendação, o mercado deve julgar se a justificativa para o não cumprimento é convincente e refletir essa avaliação na precificação dos papéis. Em primeiro lugar, portanto, é preciso que existam analistas conscientes da importância desse tipo de regra e preparados para “ler” as justificativas das companhias.

No fim de 2008, o European Confederation of Directors Associations (ecoDa) deu um parecer sobre a situação dos códigos de governança na Europa e apontou a falta de entendimento de práticas básicas como um dos problemas dos mercados no Velho Continente. “Se o mercado não entende a importância de uma política de operações com partes relacionadas, como esse elemento será refletido na cotação dos papéis?”, questiona Khanna.

, Opção para gente grande, Capital AbertoA existência de investidores ativos, que cobrem das empresas o cumprimento das recomendações ou explicações plausíveis para a não conformidade, também é citada pelo parecer da entidade como um desafio para a evolução do “pratique ou explique” na Europa. “É de vital importância que o país seja dotado de estruturas que garantam o direito dos acionistas. O sucesso desse tipo de código pode ser afetado por investidores que não estejam interessados ou não tenham condições de monitorar o compliance”, afirma Sandra Guerra, sócia da consultoria Better Governance.

Outro desafio está na qualidade e na confiabilidade das justificativas apresentadas pelas companhias. A Alemanha, que utiliza o “comply or explain” desde 2002, tem no disclosure das explicações um de seus maiores problemas. Dentre as justificativas mais frequentes para o não cumprimento das 82 recomendações do Cromme Code estão respostas vagas como “a prática é contraprodutiva” ou “… é conflitante com a política interna da companhia”.

À luz da alta concentração de empresas com controlador definido e do reduzido ativismo de minoritários, a Alemanha sofre com o baixo questionamento das explicações prestadas. “As justificativas tendem a ser muito gerais ou inverificáveis. Isso é, em parte, causado pela falta de interesse ou de pressão por parte dos investidores”, analisa o documento da ecoDa. “Como consequência, o país tem baixa adesão às práticas recomendadas e informação de pouca qualidade para embasar a análise dos papéis”, observa Sandra.

Os números confirmam a constatação. O percentual de empresas alemãs que cumprem todas as recomendações do código daquele país não chega a 20%. No Reino Unido, a adesão atinge mais de 50% das companhias. Se analisadas somente as 30 maiores empresas de cada país, o percentual sobe para 40% (Alemanha) e 66,6% (Reino Unido).

SEM SUPERVISÃO — A falta de enforcement foi uma das razões que impediram que o código de melhores práticas do IBGC incorporasse o modelo “pratique ou explique” em sua última revisão. Heloísa Bedicks, secretária geral do instituto, conta que a adoção foi sugerida por alguns membros. “Mas o IBGC não tem poder para obrigar o disclosure por parte das empresas”, diz.

Para o instituto, o “comply or explain” só funcionará no País quando houver um movimento coordenado para sua adoção. Uma das opções é a imposição via regulação, mas o ideal, na opinião de Heloísa, seria que o próprio mercado se encarregasse de “pegar no pé” das empresas. Dessa perspectiva, a participação da bolsa seria crucial. “A BM&FBovespa poderia sugerir uma série de boas práticas e cobrar das empresas listadas que explicassem as recomendações não cumpridas.”

Durante o processo de revisão das regras de listagem do Novo Mercado, ainda em andamento, Sandra sugeriu uma espécie de “ensaio” do “comply or explain” no nível de listagem mais exigente da bolsa brasileira. Conforme a sugestão da consultora, isso permitiria que uma série de novas práticas fosse adicionada aos requerimentos de listagem. As companhias não seriam obrigadas a cumprir essas práticas, mas precisariam explicar quando não aderissem a elas. “Seria uma boa oportunidade de introduzir essa cultura no Brasil, mas a sugestão não vingou.”

No novo código do IBGC, porém, o “ensaio” para o comply or explain ganhou espaço em algumas recomendações. No item remuneração de executivos, o instituto sugere a divulgação individual dos ganhos dos gestores ou, ao menos, a abertura dos salários agregados do conselho de administração e da diretoria. Se não for feita a abertura individual, “a organização deve justificar sua opção de maneira ampla, completa e transparente”.

A implementação desse modelo enfrenta muitas resistências. Seus opositores argumentam que o “pratique ou explique” aumenta a burocracia e constrange as companhias brasileiras, desacostumadas a expor peculiaridades de seu funcionamento. Os partidários defendem o sistema com igual ardor. Para Sandra, o argumento da carência de estrutura de fiscalização pode ser usado a favor, e não contra, a adoção do “comply or explain” no Brasil. “Até quando iremos terceirizar as responsabilidades, deixando tudo nas mãos do Estado? É certo que os agentes de mercado ainda não estão prontos para desempenhar o papel de fiscalização. Mas como vamos mudar isso? Deixando-os menos responsáveis por essa tarefa de cofiscalização? Temos de estimular o mercado a evoluir”, defende.

O “comply or explain” pode proporcionar outro grande benefício ao mercado brasileiro: mais conhecimento sobre as práticas de governança. A simples existência de um sistema desse tipo traria, no mínimo, a discussão dos temas para dentro da companhia. “Esse modelo força as companhias a entenderem o assunto, pois terão de cumprir a prática recomendada ou explicar publicamente sua não aderência”, completa Sandra.

Reforma do Combined Code sugere “apply”
O berço do “comply or explain” é o Cadbury Report, elaborado em 1992 pela Bolsa de Londres e pelo UK Financial Reporting Council (FRC). O documento trazia uma série de recomendações sobre o trabalho do conselho de administração, como a não ocupação dos cargos de CEO e chairman pela mesma pessoa. Em 1998, foi lançado o código de governança britânico, o Combined Code, que congregou o Cadbury Report e o Greenbury Report, elaborado em 1995. A partir do fim da década de 90, o princípio de flexibilidade do código inglês passou a se disseminar pela Europa, com o Vienot Report (França), o Cromme Code (Alemanha), o Olivencia Code (Espanha) e o Preda Report (Itália). Em março de 2006, através da diretiva 2006/46/EC, a União Europeia tornou o modelo do “pratique ou explique” obrigatório a todos os países da comunidade.

O Combined Code foi revisado em 2000 e em 2003. Na terceira alteração, este ano, o FRC estuda uma mudança semântica: no lugar do comply (cumpra), a adoção do termo apply (aplique). A justificativa é que o termo “comply” abre pouco espaço para a discussão, que é a marca registrada do código. “Muitos investidores acabam interpretando que a companhia deve cumprir todas as recomendações e que a não conformidade é uma falha”, diz o FRC na minuta que entrou em audiência pública no dia 24 de junho.

O primeiro país a adotar o “apply or explain” foi a Holanda, em 2003, no seu código Tabaksblat. O King Report, respeitado código de governança da África do Sul, também assumiu oficialmente o “apply or explain”. A terceira versão do documento, que está em audiência pública desde fevereiro, sugere a adoção do novo termo. (S.M.)


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