Ofertas comedidas
Preços baixos para o emissor, desistências, frustração. Experiências de 2011 mostram que o mundo mudou e que o sonho dourado dos IPOs é coisa do passado

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Festa estranha com preço esquisito. É o que devem estar pensando os acionistas controladores de empresas na fila para a estreia na BM&FBovespa. As ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) de 2011 em nada lembram as de 2007, como alguns empresários provavelmente esperaram que aconteceria. Elas estão bem mais escassas e menos opulentas que as daquele ano exuberante, quando 64 IPOs invadiram a Bolsa. Dessa vez, o poder de decidir o valor de uma oferta — o chamado pricing power, no jargão do mercado — está nas mãos do investidor, que se mostra firmemente cauteloso.

Das sete empresas que abriram o capital em 2011 até o fim de maio, apenas a calçadista Arezzo saiu no teto da faixa de preço estabelecida pelos bancos. A Time for Fun, do ramo de entretenimento, fechou um preço pouco abaixo do centro dos valores pretendidos, enquanto outras tiveram de se contentar com o piso da faixa ou até com valores inferiores (ver tabela). Alguns empresários, porém, não se deixam abater pelo cenário incerto. Em 31 de maio, dez empresas constavam na lista de espera de registro da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para fazer o seu IPO este ano (eram elas Cimento Liz, Camil Alimentos, Enesa Participações, Brazil Pharma, Perenco Participações, Qualicorp, Technos, Copersucar, Petrorecôncavo e Inbrands).

, Ofertas comedidas, Capital AbertoOs que já captaram foram até o fim do processo, apesar da recepção fria. Mas houve quem preferisse desistir e esperar um tanto mais pelo grande dia, como a CAB Ambiental. Fundada em 2006 com o objetivo de ir à Bolsa em cinco anos, a empresa de saneamento do grupo Galvão Engenharia contratou firmas de auditoria e adaptou suas práticas de governança corporativa. A crise de 2008 adiou os planos para 2013, mas o assédio dos investidores após uma apresentação da companhia na BM&FBovespa, em 2010, convenceu a diretoria a retomar o projeto antes. O IPO, no segmento Bovespa Mais, foi marcado para o início de março. O preço que o mercado estava disposto a pagar — entre R$ 9 e R$ 10 por ação — não agradou os acionistas, que apostavam em uma faixa entre R$ 11 e R$ 14. A abertura foi cancelada, para frustração das três equipes de funcionários envolvidas no projeto. “Trabalhamos intensamente, de domingo a domingo, 16 horas por dia para elaborar o prospecto e fazer road shows. Agora vamos captar de outra forma, e o IPO ficará para depois”, conta Yves Besse, diretor geral da CAB.

Um fator crucial é a dispersão dos investidores internacionais, os grandes compradores. O País deixou de ser a bola da vez

AREIA MOVEDIÇA — O mau desempenho da Bolsa brasileira (o Ibovespa acumulava queda de 7,6% no ano, até 31 de maio) e a inflação em alta contribuem para a aversão ao risco e a fuga da renda variável. Ponto para os investimentos de baixo risco, como os títulos do Tesouro. “Com a Bolsa andando de lado e a taxa Selic subindo, o poder de atração da renda fixa se torna mais intenso”, diz Luiz Felipe Andrade, diretor geral da gestora de recursos BlackRock no Brasil.

Outro fator crucial nesse cenário é a dispersão dos investidores internacionais, os grandes compradores. O País deixou de ser a bola da vez (leia também a reportagem na página 18). Recentemente, um relatório do Deutsche Bank resumiu a situação ao recomendar para seus clientes posições maiores no México e na Turquia, em detrimento da Rússia e do Brasil. A preocupação da instituição se deve à grande dependência das vendas de commodities dos dois integrantes do Brics. Uma eventual baixa no preço desses produtos poderia ter forte impacto fiscal nesses países, prejudicando o setor empresarial. O banco alemão previu também um enfraquecimento do setor bancário e das companhias ligadas ao consumo no caso específico do Brasil. “É preciso reconhecer que o Brasil depende muito do apetite de investidores especializados em mercados emergentes que atuam no resto do mundo”, declara Lynn Morgen, sócia da consultoria MBS Value.

Existe ainda a competição com outros países em desenvolvimento dentro da América do Sul. De acordo com Guillermo Mazzoni, diretor de pesquisa da consultoria de fundos de pensão Latin Asset Management, os ativos brasileiros estão caros, mas os do Peru, por sua vez, ficaram especialmente atrativos diante da crise política que se instalou durante as eleições locais. Ele pondera que alguns dos IPOs brasileiros este ano foram de varejistas (como Arezzo e Magazine Luiza) e de companhias ligadas ao consumidor final (como Time for Fun e International Meal Company), diretamente afetadas pelos esforços do governo em frear a demanda interna para controlar a inflação. “Temos mais interesse em infraestrutura, setor promissor por causa da Copa e da Olimpíada. Mas, ainda assim, há outros países mais interessantes agora”, diz Mazzoni. Eduardo Favrin, diretor de renda variável da HSBC Global Asset Management, atribui a dispersão dos investidores à indefinição sobre a situação macroeconômica. “Além disso, após um período muito bom para os emergentes, os países ricos voltaram a receber recursos de investidores”, afirma.

A ressaca de 2007 é mais um tempero nessa mistura. O recorde de IPOs naquele ano foi tão marcante quanto as ofertas de companhias mal estruturadas em termos de governança, como mostrou o caso da Agrenco. A crise de 2008 também ajudou os investidores a se tornarem mais contidos em relação aos preços das novatas. “Empresas de setores desconhecidos vieram a mercado naquela época, os investidores não sabiam precificar bem. Foi um momento ótimo para as companhias, mas a queda dos papéis que veio depois foi uma lição dura para os compradores”, lembra Favrin.

INCENTIVOS DIVERSOS — A mudança de comportamento não fica restrita ao investidor. Os múltiplos exagerados de 2007 geraram desconfiança em relação aos intermediários, que agora se deparam com um ambiente muito menos favorável para distribuir ofertas. Os bancos de investimento têm compradores e vendedores como clientes e, por essa razão, lidam com a euforia e com a decepção de ambos. “Várias empresas foram compradas no passado por valores que não se provaram corretos. Os bancos estão tendo de propor faixas mais realistas”, salienta o diretor de renda variável da gestora Rio Bravo, Rafael Rodrigues.

Reunidos em pools, os bancos de investimento ficam menos tentados a fazer uma avaliação exagerada da companhia

A observação de Rodrigues revela que a posição intermediária em operações de compra e venda expõe os bancos de investimento a uma série de incentivos conflitantes entre si. O banco tenta conciliar o preço baixo desejado pelo comprador com a busca de lucro máximo do vendedor. Um modo de atenuar esse conflito que tem sido usado com mais frequência nos últimos anos é a formação de pools, em que várias instituições trabalham numa mesma oferta. Diluindo as obrigações e os ganhos da operação, os bancos de investimento ficam menos tentados a fazer uma avaliação exagerada da companhia para ganhar o mandato do IPO. Mais intermediários também aumentam a chance de o controlador ser avisado se algo estiver caminhando mal.

A atuação em conjunto é considerada ainda uma maneira de tornar o IPO mais rentável. Com vários agentes, o número de investidores em potencial tende a aumentar. Em tese, isso contribui para a valorização dos papéis. “Potencialmente, a assessoria ampliada provoca todos esses benefícios ao emissor. Mas não há provas de que isso realmente aconteça”, pontua o economista Roberto Troster. A solução do pool pode ser vista como boa, de acordo com o economista, inclusive para os bancos, pois amplia a possibilidade de atuação dessas instituições nas ofertas. Seria como um convite para o café. Um dia você convida, no outro é convidado.

Uma análise rápida sobre os conflitos dos bancos nas ofertas públicas pode indicar que vale muito mais a pena para eles o esforço de agradar quem vende, pois sua comissão é proporcional ao valor da negociação. Mas diversas outras variantes — o investidor, dentre elas — entram nessa equação. O estudo Conflicts of interest and efficient contracting in IPOs, de autoria do professor da New York University, Alexander Ljungqvist, aborda a questão. Após analisar aberturas de capital realizadas na London Stock Exchange, o acadêmico chegou a uma conclusão: quanto maior a comissão do banco, melhor para a empresa, pior para o investidor. Comissões mais altas significam preços maiores e menos retorno para quem compra. Logo, para a emissora, pode interessar ser generosa na hora de remunerar o coordenador.

Contudo, para o banco, oferecer constantemente ações caras e com pouco retorno certamente gera indisposição com clientes. “Com quem o banco se preocupa mais? Com os compradores, porque a interação é mais frequente. Clientes corporativos raramente repetem negociações”, ensina Ljungqvist. De fato, persuadir o comprador a adquirir ações por um preço alto e depois amargar uma queda prejudica a imagem do banco. Um exemplo é o caso da Agrenco, assessorada pelo Credit Suisse e pelo ABN Amro em seu IPO realizado em outubro de 2007. Na ocasião, a empresa conseguiu R$ 10,40 por ação. Meses depois, a descoberta de fraudes provocou uma baixa espetacular no valor do ativo. Hoje, o ABN Amro não existe mais, as ações da Agrenco são negociadas a pouco mais de R$ 1 (após terem chegado a R$ 0,10 no fundo do poço), e o Credit Suisse é sempre lembrado quando alguém recorda o episódio.

O temor de que esse tipo de situação se repita pode ser mais uma explicação para os preços comedidos de 2011 em relação aos do período de bonança. Os riscos de imagem do banco nas ofertas de ações é um problema em todo o mundo. Recentemente, a irritação dos investidores com múltiplos exagerados ficou evidente no Reino Unido. De acordo com o jornal Financial Times, a BlackRock enviou uma carta aos principais bancos de investimentos do país com duras críticas. Entre as reclamações estava a de que os bancos atribuem valores exagerados às empresas emissoras, sem se preocupar com retornos no longo prazo para os investidores.

NA PONTA DO LÁPIS — Em entrevista à CAPITAL ABERTO, Ljungqvist comparou o papel do banco de investimentos ao de um corretor de imóveis. Assim como um vendedor de casas, o banco é um agente que dispõe de informações não acessíveis às companhias. O professor cita o estudo Market Distortions when Agents are Better Informed: The Value of Information in Real Estate Transaction, dos economistas americanos Chad Syverson e Steven D. Levitt, ambos da Universidade de Chicago (o tema foi também explorado no best-seller Freakonomics, de Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner). O artigo indica que, quando se trata de venderem as próprias casas, os corretores de imóveis se dispõem a mantê-las, em média, dez dias a mais no mercado, comercializando-as por um preço 3% superior ao das casas de seus clientes. Dentre os motivos para essa discrepância está o incentivo financeiro: muitas vezes, a comissão mais alta não compensa a demora. Vender antes e a um preço menor significa uma semana de trabalho a menos, dedicada a outro cliente. Para Ljungqvist, os intermediários de IPOs seguem a mesma lógica e somente se esforçarão para elevar os preços se a comissão compensar o trabalho adicional de negociar a um preço maior e um eventual desgaste com os compradores.

Para o vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Alberto Kiraly, é possível, sim, os bancos alcançarem o equilíbrio entre os interesses dos seus dois clientes. Segundo ele, a frustração de algumas companhias com os IPOs no Brasil se deve, em muitos casos, a uma expectativa exagerada dos acionistas. “Alguns pensam nos múltiplos de 2007, mas essa época, definitivamente, passou.”

Ivan Clark, sócio da auditoria PricewatershouseCoopers (PwC) e autor do guia Como abrir o capital da sua empresa no Brasil, acredita na contratação de assessores independentes como uma forma de preparar a empresa para o processo de abertura, evitando experiências decepcionantes. “De 800 companhias com potencial para se tornarem abertas no Brasil, 90% não têm a governança necessária, não estão adaptadas às normas contábeis internacionais (IFRS). Estar com isso em dia acelera e torna o IPO mais seguro, deixando a empresa mais madura para, inclusive, negociar com os bancos”, observa, citando dados levantados pela PwC. O estudo de Ljungqvist também aponta a contratação, pela companhia, de consultores especializados em aberturas de capital como uma maneira de se resguardar contra possíveis abusos dos intermediários. Está aí, afinal, o lado bom do cenário de liquidez apertado. As janelas estão cada vez mais estreitas para quem não fizer direito a lição de casa.


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