O silêncio pegou
Fusões, aquisições, divulgações de resultados ou qualquer fato relevante. Além das ofertas públicas, agora tudo isso é motivo para um quiet period

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O período de silêncio é um tema que rende discussões cada vez mais acaloradas nas rodas de conversa dos profissionais de Relações com Investidores (RI). Previsto na Instrução 400 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula as ofertas públicas de ações, esse período começa no momento em que o banco de investimento que coordena a oferta é escolhido e termina quando toda a operação é concluída. Seu objetivo é evitar qualquer pronunciamento por parte da companhia que mude ou acrescente informações ao conteúdo do prospecto. O documento, na visão da CVM, deve ser a única fonte de informação do mercado em períodos de ofertas de ações. O problema é que os profissionais de RI passaram a temer advertências ou penalidades da CVM em diversos outros momentos além das ofertas de ações. Manifestações públicas das companhias, por meio da imprensa ou de outros canais, em períodos próximos à divulgação de resultados ou a qualquer outro evento que configurar uma informação relevante têm sido suspensas para evitar um puxão de orelha do regulador. Como resultado, os quiet periods estão se transformando em longos períodos de silêncio que se emendam uns aos outros sem interrupção. Por vezes, chegam a mais de um ano de pura mudez.

É o que acontece, por exemplo, quando uma companhia passa por uma oferta pública inicial de ações, depois adquire uma empresa, em seguida divulga os seus resultados, logo na seqüência inicia uma nova oferta de ações e, depois, um novo processo de aquisição. Para quem tem por ofício não apenas prestar todas as informações devidas ao regulador, mas também manter a ação da companhia atrativa aos olhos dos investidores, é um teste de silêncio capaz de colocar à prova as mais competentes equipes de RI. “Não combina com uma empresa aberta ter de ficar tanto tempo ausente do mercado. Se contarmos apenas os períodos de silêncio relativos à divulgação de resultados trimestrais — quatro no total, com 15 dias de quiet period cada um —, são 60 dias por ano sem falar com a imprensa e com o mercado”, observa Valter Faria, diretor da consultoria em RI The Global Consulting.

Para o órgão regulador, a confusão provocada pelo período de silêncio já começa com a alcunha do termo. “Em primeiro lugar, não existe esse jargão na lei. O termo ‘período de silêncio’ acabou ampliando o que a instrução quer, que é a abstenção de se manifestar à mídia em época de oferta de ações”, explica Felipe Claret, gerente de registros da CVM. Deixar de se manifestar a respeito de uma oferta pública não é razão para que as empresas se calem a respeito de tudo, segundo o executivo. “Não se trata de silêncio absoluto. Simplesmente, as pessoas que têm informações privilegiadas a respeito de uma oferta devem abrir mão de falar à mídia a respeito disso. A empresa tem sua vida normal, precisa dar seus fatos relevantes, tem obrigações com seus acionistas”, complementa. Quanto ao período de silêncio nos momentos que precedem a divulgação de resultados ou em que há a perspectiva de divulgação de um fato relevante, a autarquia prefere nem falar sobre o assunto, pois tal prática não está prevista em nenhuma regulamentação.

O fato é que, cada vez mais, as companhias têm adotado períodos de silêncio voluntários em situações como essas. Com o mercado movimentado por fusões e aquisições, o prolongamento dos períodos de silêncio ficou mais evidente. Muitas companhias instauram períodos de silêncio quando estão em negociações para uma aquisição com medo de que o vazamento de informações a respeito de possíveis transações obrigue a divulgação precipitada de fato relevante. “As empresas têm receio de acabar dando pistas de um acontecimento importante que está por vir. Por isso, preferem não falar nada”, explica Thiago Giantomassi Medeiros, sócio do escritório de advocacia Demarest & Almeida.

A Instrução CVM nº 358 determina a divulgação imediata do fato relevante a partir do momento que a informação fugir do controle ou se houver oscilação atípica dos papéis da empresa. A punição ocorre quando a informação é passada a um veículo de imprensa sem que o mercado tenha sido antes avisado daquele fato. Como a empresa deve se comportar quando questionada por um repórter sobre uma possibilidade de aquisição que está realmente ocorrendo nos bastidores? “A empresa não é obrigada a responder ao repórter se algum procedimento estratégico está em andamento. Mas se, de alguma forma, a informação vazar, é obrigação do diretor de RI fazer a divulgação de fato relevante imediatamente”, diz Elizabeth Machado, superintendente de relações com empresas da CVM.

Um aspecto por trás da decisão de se calar é a comodidade. “Tem empresa que usa o período de silêncio para compensar deficiências de recursos”

Nos bastidores, as companhias reclamam que a postura da autarquia não é tão clara como parece. “Eles dizem que tal procedimento é permitido, nós fazemos, mas depois eles repreendem mesmo assim. Não dá para prever como a CVM vai agir”, reclama o profissional de comunicação de uma companhia que veio a mercado em 2007 e preferiu não ser identificado. Thiago Medeiros dá uma dica para os traumatizados: “Se a empresa informar que ‘sempre tem interesse e está atenta a todas as possibilidades de fusões e aquisições, como toda companhia aberta’, não mentirá nem dará pistas de sua ação estratégica”. Ao mesmo tempo, não precisará sumir do mapa simplesmente por receio de ser questionada sobre uma informação que ainda não pode divulgar publicamente.

RESPONSABILIDADE OU COMODIDADE? — Já o silêncio antes da divulgação de resultados é visto como uma boa idéia por Ronaldo Herscovici, sócio do escritório de advocacia Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesh. “A prática faz sentido, pois não cria expectativa nem especulação a respeito dos resultados das companhias”, diz. Para Valter Faria, no entanto, a iniciativa só faz sentido se a empresa também promove regularmente a divulgação de orientações sobre resultados futuros — o chamado guidance. Neste caso, o quiet period é uma maneira de formalizar a suspensão de qualquer orientação nova. “Muitas empresas daqui copiaram a idéia de forma distorcida, pois estão fazendo período de silêncio sem dar guidance.”

Um aspecto que se esconde por trás de muitas companhias que se calam antes de divulgar resultados é a comodidade. “Tem empresa que usa o período de silêncio para compensar deficiências de recursos, e acaba aproveitando esse tempo antes da divulgação para ler documentos e preparar releases. O que ocorre, na prática, é o fechamento do departamento de RI para balanço”, dispara Faria.

Para Haroldo Levy, coordenador do Comitê de Orientação para a Divulgação de Informações ao Mercado (Codim), essa prática seria dispensável se as companhias tivessem um controle interno de informações mais bem organizado. “As empresas deveriam buscar esse ideal, mas o que estou vendo é exatamente o contrário: elas estão cada vez se protegendo mais, e quem sai prejudicado é o mercado”, diz.

FORÇA-TAREFA — As principais entidades do segmento estão se movimentando em torno da questão. O Codim reatou conversas com a CVM a respeito do tema. Desde 2006, quando o comitê realizou um workshop sobre o assunto, as duas partes não se reuniam oficialmente para debater a questão. “No fim do ano passado, retomamos a discussão com a autarquia e estamos na reta final da preparação de um pronunciamento sobre o período de silêncio em oferta de ações”, diz Levy. O comitê ainda não discutiu o quiet period antes da divulgação de resultados ou de outros momentos sensíveis, informa seu coordenador, mas o assunto deverá ser pauta de reuniões em breve.

O Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri) está preparando um parecer de orientação para ser encaminhado à CVM. Segundo Julia Reid Ferretti, presidente da comissão técnica do instituto, o documento será entregue nos próximos meses. “Queremos deixar claro que as empresas podem continuar falando sobre seus negócios correntes, o chamado ‘business as usual’, sobre seu passado, sobre informações factuais que estejam descritas no prospecto ou que tenham tido um disclosure para o mercado inteiro”, explica.

Para os especialistas, toda a dúvida que paira sobre a questão do período de silêncio é natural. “Nosso mercado é muito novo. A falta de maturidade e conhecimento faz com que as empresas fiquem com medo e se imponham esse período de silêncio prolongado”, diz Valter Faria. Thiago Medeiros concorda: “Tudo isso que está acontecendo faz parte do processo de amadurecimento do mercado de capitais brasileiro. Para se ter uma idéia, nos Estados Unidos, que têm um mercado muito mais antigo, a discussão para a flexibilização das normas sobre o quiet period só está ocorrendo agora”.

Enquanto isso, o mercado e a imprensa tentam se virar. Várias das companhias consultadas pela CAPITAL ABERTO para dar a sua visão sobre o período de silêncio nesta reportagem não puderam atender aos pedidos de entrevista. O motivo? Estavam em período de silêncio.


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