O que falta para o Bovespa Mais
Experiências internacionais mostram que é preciso muito mais do que um País com ótimas perspectivas de crescimento para fazer um mercado de acesso decolar

 

, O que falta para o Bovespa Mais, Capital Aberto

Lançado em 1995, o Alternative Investment Market (AIM) da Bolsa de Valores de Londres é um dos mais populares mercados de acesso do mundo. Em seus 15 anos, apoiou o crescimento de 3,1 mil pequenas e médias empresas, que levantaram juntas £ 68 bilhões (R$ 183 bilhões). Outra referência de listagem de empresas de baixa capitalização é o TSX Venture da Bolsa de Toronto (TSX). Uma em cada cinco companhias que participa hoje do principal índice de ações canadense, o S&P/TSX, fez sua primeira captação no mercado de acesso, que abriga mais de 2,3 mil emissoras. Essas iniciativas vencedoras trazem boas lições para o desenvolvimento do Bovespa Mais. O segmento de listagem de ações de pequenas e médias empresas foi criado em 2005 pela Bolsa, mas conta ainda com apenas uma integrante, a Nutriplant. Por trás dos exemplos estrangeiros existe muito mais do que boa vontade da bolsa de valores local. Custa caro e dá trabalho criar uma estrutura que estimule um mercado de acesso.

, O que falta para o Bovespa Mais, Capital AbertoDe acordo com o estudo Economic Impact of AIM and the Role of Fiscal Incentives publicado em setembro deste ano pela consultoria Grant Thornton, a concessão de estímulos tributários aos investidores foi fundamental para o desenvolvimento do mercado de acesso londrino. Os incentivos variam conforme alguns critérios, como o tipo de investidor e o tempo de posse das ações. Mas, de modo geral, contemplam deduções na taxa paga sobre o ganho de capital, isenção de imposto sobre dividendo (benefício que os investidores brasileiros já têm, independentemente da empresa investida) e até 100% de desconto sobre a taxa devida em caso de recebimento de herança.

Esses estímulos contribuíram significativamente para aumentar a liquidez do AIM. Em 2009, o volume médio diário negociado foi de £ 133,10 milhões (R$ 304,68 milhões). “Isso faz com que as companhias voltem ao AIM diversas vezes para novas captações”, informou, à CAPITAL ABERTO, a assessoria de imprensa da Bolsa de Londres. No ano passado, as ofertas públicas iniciais (IPOs, na sigla em inglês) feitas no AIM levantaram £ 740 milhões (R$ 2 bilhões); e as ofertas subsequentes (follow-ons) somaram £ 4,7 bilhões (R$ 12,66 bilhões). Em outubro de 2010, o tamanho das ofertas iniciais lá realizadas variou entre £ 2,75 milhões (R$ 7,40 milhões) e £ 76 milhões (R$ 204,52 milhões). Hoje, quatro empresas brasileiras negociam ações no mercado de acesso londrino: Serabi Mining, Clean Energy Brazil, Itacare Capital Investments e Squarestone Brasil.

A Grant Thornton destaca que ineficiências de mercado — como a maior dificuldade dos investidores em obter informações sobre empresas menores e a liquidez reduzida desses ativos — tornam escassa a captação de recursos por companhias com ofertas de até £ 25 milhões (R$ 67,3 milhões). Por isso a importância da intervenção do governo para corrigir essas imperfeições. “Incentivos fiscais seriam muito bem-vindos no Bovespa Mais. O investidor que comprasse essas ações poderia ter, por exemplo, um desconto no imposto de renda”, sugere Marcos Sanches, sócio da Grant Thornton Brasil.

“A melhor maneira de aumentar o interesse do pequeno investidor é compartilhar parte do risco com ele”, diz o presidente do MAB

Segundo Cristiana Pereira, diretora de desenvolvimento de empresas da BM&FBovespa, a instituição analisa que tipos de incentivos tributários poderiam ser concedidos aos investidores. Recentemente, ela viajou para a Inglaterra e o Canadá com o propósito de conhecer como funcionam os mercados desses países e buscar inspirações para alavancar o Bovespa Mais. A BM&FBovespa tem a meta de trazer 200 companhias para o pregão nos próximos cinco anos. É pouco provável, contudo, que a Bolsa consiga estímulos fiscais do governo brasileiro, ao menos no médio prazo. Sabe-se que a gestão petista, que seguirá por mais quatro anos sob o comando de Dilma Rousseff, tem uma agenda fiscal árdua pela frente. Abrir mão de impostos para fortalecer o mercado de capitais não seria, em princípio, uma tendência.

Os incentivos fiscais oferecidos aos investidores não saíram barato para o Tesouro do Reino Unido. Conforme o estudo da Grant Thornton, entre 2004 e 2008, eles atingiram £ 1,52 bilhão (R$ 4,05 bilhões), considerando apenas as isenções e deduções de imposto concedidas aos investidores individuais que aportam seu dinheiro em IPOs de pequenas empresas e nos Venture Capital Trust (VCTs), veículos de investimento listados na Bolsa de Londres e bastante populares entre os aplicadores ingleses. Os VCTs arrecadam recursos de investidores privados através da Bolsa e utilizam pelo menos 70% do valor para comprar novas emissões de ações de empresas menores, incluindo as listadas no AIM. Nesse mesmo período, os VCTs levantaram £ 2 bilhão (R$ 5,3 bilhões), mais que o dobro do que custaram aos cofres públicos.

Até mesmo mercados de acesso menores, como o Mercado Alternativo Bursátil (MAB), inaugurado em 2006 pela Bolsa de Madri, oferecem incentivos fiscais aos investidores. Nas regiões da Catalunha e Madri, as pessoas físicas podem abater do seu imposto de renda uma porcentagem do total investido em ações negociadas no MAB. “A melhor maneira de aumentar o interesse do pequeno investidor é compartilhar parte do risco com ele”, observa Antonio Giralt, presidente do MAB.

Hoje, o Mercado Alternativo Bursátil negocia ações de nove companhias. Todas elas estrearam no segmento entre 2009 e 2010, período em que o MAB passou a conceder incentivos tributários. Mas não são só os investidores que têm benefícios no MAB. As empresas que querem se listar nesse mercado contam com a ajuda do Ministério da Indústria para pagar despesas referentes à sua preparação para abertura de capital. Através da Empresa Nacional de Inovação (Enisa) — agência de fomento criada em 1982 para ajudar as pequenas e médias companhias espanholas a se financiarem no longo prazo — elas podem receber um crédito de até € 1,5 milhão (R$ 3,39 milhões), com vencimento em dois anos. Não há taxas de juros ou comissões sobre esse valor.

Empresas de regiões específicas da Espanha, como Madri, Galícia e Murcia, podem ainda pleitear subsídios financeiros junto a agências de fomento locais. O Instituto de Desenvolvimento de Madri oferece, por exemplo, até € 80 mil (R$ 180,8 mil) para ajudar as futuras integrantes do MAB a pagarem custos relativos à contratação de advogados, intermediários e assessores registrados. “As pequenas e médias empresas representam 99% das companhias espanholas. Espera-se que 5 mil delas venham a se financiar através do MAB no médio e longo prazo”, destaca Giralt.

O TSX Venture não oferece nenhum estímulo fiscal. Mas, para o presidente desse mercado, John McCoach, o benefício não é necessário porque os canadenses já têm uma cultura consolidada de investimento em companhias médias, principalmente no setor de recursos naturais (mineração, óleo, e gás). Um estudo publicado pela PwC mostra que as empresas de mineração correspondem por 61% da capitalização de mercado do TSX Venture.

“Imaginamos fazer uma abertura de capital concentrada de empresas”, diz Cristiana Pereira, diretora da BM&FBovespa

RIGOROSO DEMAIS? — Outro aspecto em que o Bovespa Mais difere bastante do AIM, e também do MAB, é em relação às regras de governança corporativa aplicadas às companhias listadas. Nenhum desses dois mercados impõe práticas que devem ser seguidas pelas companhias nesse quesito. No AIM, cabe ao “Nomad” (nominated advisor), uma espécie de consultor encarregado de preparar as empresas para a listagem e acompanhá-las durante sua permanência no mercado de acesso, decidir em conjunto com a empresa quais práticas de governança se encaixam no seu estágio de desenvolvimento. No MAB, a figura dos assessores registrados cumpre papel similar. O TSX Venture já tem um posicionamento mais parecido com o da Bolsa brasileira. Divulga um “pacote” pronto de regras de governança que devem ser seguidas. “Abrir mão dessa prática é uma faca de dois gumes. O risco de baixar as exigências é termos empresas chegando ao Bovespa Mais com pouca governança e fracos controles”, pondera o sócio da PwC Ivan Clark.

“Nós já construímos esse segmento adaptado para as empresas menores. É provado que, quando você eleva o grau de governança corporativa, as ações são mais bem precificadas e a liquidez dos ativos aumenta”, defende Cristiana, da BM&FBovespa. “Acredito que mais importante do que mudar regras seja criar uma cultura de investimento em empresas menores, até porque o Bovespa Mais foi pouco testado.”

Há quem discorde dessa visão. Para Carlos Augusto Junqueira, sócio do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, o regulamento do Bovespa Mais estabelece requisitos significativamente mais rigorosos do que aqueles apresentados para a negociação no mercado tradicional e nos Níveis 1 e 2, o que gera um conflito conceitual. Por ser um mercado de acesso, argumenta o advogado, o Bovespa Mais deveria ter regras simples que criassem estímulos e “descontos” regulatórios em comparação ao segmento tradicional para as companhias em fase de crescimento. “O fato de as formalidades do Novo Mercado serem muito parecidas com as do Bovespa Mais desestimula as companhias a se lançarem no mercado de acesso”, concorda Marcelo Martins Araújo, da butique de investimentos mineira AF Invest.

Diante dessa preocupação, o Souza Cescon encaminhou à BM&FBovespa algumas propostas de revisão no regulamento do Bovespa Mais. Na seara da governança, o escritório sugere que a Bolsa amplie o período de vigência dos mandatos dos membros do conselho de administração — hoje, de dois anos — ou exclua essa limitação. Outra sugestão é dispensar, em caso de migração da companhia para outro segmento especial de listagem, o acionista controlador de realizar uma oferta pública de aquisição de ações para os valores mobiliários de sua emissão. Atualmente, essa dispensa vale apenas se a empresa migrar para o Novo Mercado.

Algumas ideias dependem de a CVM promover alterações em suas regras. O Souza Cescon propõe que empresas de médio porte (ativo total inferior a R$ 240 milhões e receita bruta anual menor do que R$ 300 milhões) que queiram se listar no Bovespa Mais sejam dispensadas de registro da oferta pública, conforme previsto na Instrução 400, e possam se registrar na categoria B de companhias abertas, ainda que emitam ações e debêntures conversíveis em ações. Pelas regras vigentes, as empresas de qualquer segmento de negociação devem se registrar na categoria A para negociar esses tipos de valores mobiliários. O preenchimento do Formulário de Referência é obrigatório nas duas categorias, mas há campos facultativos para os emissores da categoria B. Um deles é o capítulo sobre remuneração dos administradores, que faculta, dentre outros, o preenchimento dos campos destinados à descrição da política de remuneração e à informação sobre o maior, o menor e a média dos salários pagos individualmente.

“Por ser um mercado de acesso, o Bovespa Mais deveria ter regras simples que criassem estímulos e ‘descontos’ regulatórios”

“Não é raro os empresários das empresas de médio porte se assustarem quando veem a quantidade de regras que têm de cumprir para listar sua companhia e preferirem procurar o BNDES”, afirma Junqueira.

Charles Aboulafia, sócio do Banco de Negócios CAinvest, vem trabalhando para estruturar ofertas iniciais no Bovespa Mais. E por essa razão sabe bem como é difícil adequar uma companhia às exigências do segmento. Há meses ele tenta aperfeiçoar a gestão e os níveis de controle de uma empresa que pretendia levar ao mercado de acesso este ano. “Quando entramos lá, vimos que muita coisa precisava ser mudada. A companhia soltava o relatório de contabilidade 60 dias depois do fechamento, e esse ainda era um processo manual”, conta Aboulafia. Henrique Campos, sócio da BDO e parceiro da CAinvest, lembra que, por crescerem muito rápido, as empresas-alvo do Bovespa Mais têm dificuldade de desenvolver controles na mesma velocidade de sua expansão.

Diferentemente de quando começou a estruturar ofertas para o segmento, o sócio da CAinvest não se arrisca a dar previsões de quando será o IPO da companhia que está preparando. Diz, apenas, que a emissão deve girar em torno de R$ 40 milhões a R$ 50 milhões. “Acredito que o Bovespa Mais vai deslanchar mesmo daqui a uns cinco anos”, estima. A previsão de Aboulafia combina com as estatísticas obtidas por uma pesquisa desenvolvida pela Amcham-Brasil, em parceria com a Ernst&Young Terco e a BM&FBovespa, com 106 empresas sediadas em Recife, Goiânia, Porto Alegre, Curitiba e Campinas que têm faturamento de R$ 101 milhões a R$ 400 milhões — exatamente o nicho do Bovespa Mais. Dentre as consultadas que cogitam fazer um IPO (49% delas), apenas 2% pensam em levar adiante uma abertura de capital no curto prazo (período de até um ano). A maioria (52%) pretende recorrer à Bolsa no médio prazo, entre um e três anos, e 42% esperam fazê-lo no longo prazo, em mais de cinco anos.

Mas não são só as empresas que precisam ter interesse em abrir o capital. É necessário também existir um sistema de intermediação que se proponha a levá-las à Bolsa. Os bancos de investimento já mostraram diversas vezes que não têm interesse em coordenar emissões de empresas médias. O trabalho é praticamente tão grande quanto, e as comissões, bem menores. Por isso a BM&FBovespa está engajada em aproximar potenciais emissores do Bovespa Mais e intermediários. Ao todo, dez empresas participaram de encontros promovidos pela Bolsa com a participação de bancos, auditorias e escritórios de advocacia.

AGORA É PRECISO EDUCAR — A pesquisa da Amcham-Brasil identificou que dentre as empresas que não têm a intenção de abrir o capital, metade admite precisar de mais informações sobre o tema para tomar a decisão. E a Bolsa está correndo atrás desse prejuízo. No último mês, lançou dois programas para formação e aperfeiçoamento de empreendedores em parceria com o Instituto Endeavor e a Babson College. Neles, serão transmitidos conceitos e práticas relacionados a governança corporativa, gestão de riscos e financiamento de negócios. A intenção é criar condições favoráveis para uma maior conexão entre empreendedorismo e mercado de capitais no Brasil.

Cristiana aponta pelo menos cinco companhias se preparam atualmente para listar suas ações no segmento. “Imaginamos fazer uma abertura de capital concentrada das empresas, com poucos meses de diferença entre um IPO e outro. É preciso desmistificar a ideia de que o mercado de capitais não serve para companhias menores”, observa. Paulo Sérgio Dortas, sócio da área de IPO da Ernst &Young Terco, conta que, atualmente, trabalha na operação de três empresas que estão de olho no Bovespa Mais. O plano é levá-las a mercado já com os compradores definidos. “Isso dá mais segurança para os dois lados. O empresário sabe que vai ter demanda para sua oferta, e o investidor tem a garantia de comprar ações de uma companhia com padrões elevados de governança.”

A Bolsa está confiante de que as próximas empresas que se listarem no Bovespa Mais não terão problemas para achar interessados em seus negócios. A expectativa é que companhias com históricos bem diferentes da solitária Nutriplant venham a integrar nosso mercado de acesso. A rentabilidade da produtora de fertilizantes é de desapontar qualquer investidor. A empresa fechou o terceiro trimestre de 2010 com um prejuízo líquido de R$ 1,85 milhão, um aumento significativo em relação à perda de R$ 879 mil registrada no mesmo período do ano passado. Da data do IPO, em 13 de fevereiro de 2008, até 25 de novembro de 2010, suas ações desvalorizaram 72,9%, enquanto o Ibovespa subiu 10,8%. A liquidez dos papéis é praticamente insignificante. Nos 12 meses encerrados em 25 de novembro de 2010, apenas 133 negócios foram realizados, somando um total de R$ 762 mil.

A pesquisa da Amcham-Brasil mostrou que mais de 70% das companhias consultadas têm registrado um avanço na receita bruta superior a 10% ao ano nos últimos cinco anos; 17% delas atingiram incremento entre 25% e 50%; e 12% superaram 50% ao ano nesse período. Para os próximos cinco anos, a grande maioria (82%) projeta alavancar esse indicador em mais de 10% ao ano; 17% planejam avançar entre 25% e 50%; e 17% esperam crescer mais de 50%. “É como se a gente se deparasse com várias Chinas dentro do Brasil”, ressalta Dortas. “Fundos dedicados a small caps, family offices e investidores qualificados que se interessem por empresas com alto potencial de crescimento são possíveis compradores dessas ações”, garante Márcio Pepino, diretor de mercados de capitais do BES Investimento do Brasil.

A Bolsa espera que ele esteja certo. Os bancos de investimento costumam alegar que um dos entraves para o desenvolvimento do Bovespa Mais é justamente a falta de investidores interessados. Os estrangeiros costumam gostar de grandes emissões, que lhes ofereçam espaço para arrematar fatias substanciais. Mas os investidores domésticos, cada vez mais preocupados em rentabilizar suas carteiras após a redução dos juros nos últimos anos, estão por aí, ansiosos para encontrar opções atrativas de investimento como as identificadas pela pesquisa. Tomara que oferta e demanda se encontrem nesse caso.


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