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O que eles aconselham?
Cresce a percepção de que o board precisa se manifestar diante de uma oferta hostil

, O que eles aconselham?, Capital Aberto

Depois de rechaçar por mais de quatro meses a oferta pública de aquisição (OPA) não solicitada da norte-americana Kraft Foods, o conselho de administração da britânica Cadbury, no dia 19 de janeiro, cedeu e finalmente recomendou aos seus acionistas aceitar a investida da dona das marcas Philadelphia, Nabisco e Milka. Virou amigável uma das ofertas hostis mais comentadas nos últimos tempos no mercado internacional. A manifestação pública do board de uma companhia-alvo de OPA é um dos princípios estabelecidos pela Diretiva 2004/25, da União Europeia, que diz como devem ser conduzidas as ofertas de aquisição de controle de empresas do bloco econômico. O Takeover Panel, órgão responsável por supervisionar as operações de fusões e aquisições no Reino Unido, acrescenta que o conselho deve buscar uma avaliação independente sobre a oferta e divulgá-la para os acionistas. Esse tipo de previsão não existe no Brasil. Mas o surgimento de companhias de capital disperso na BM&FBovespa pavimentou o caminho para as ofertas públicas de aquisição voluntárias e faz com que a adoção de uma norma semelhante comece a ser considerada por aqui.

, O que eles aconselham?, Capital AbertoOs conselhos de administração de Ideiasnet e GVT, que recentemente foram objeto de ofertas públicas voluntárias, não soltaram um pio sequer sobre a qualidade das propostas, com exceção de uma ou outra declaração informal dada à imprensa. Após a aproximação hostil da Telefónica, o conselho da GVT não poderia ter aproveitado, por exemplo, para explicar em detalhe as vantagens e as desvantagens da proposta da espanhola em comparação aos termos da oferta da francesa Vivendi, anunciados anteriormente? A visão explícita dos administradores, teoricamente os melhores conhecedores do negócio, seria uma ótima ferramenta de análise para os acionistas escolherem a melhor alternativa.

Nem a Lei das S.As. nem a Instrução 361 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regulamenta as OPAs, impõem qualquer obrigação dessa natureza para os conselheiros. Isso não impede que os membros do board emitam pareceres sobre a pertinência de uma oferta. No entanto, uma regulamentação clara sobre o tema parece ser a melhor forma de incentivar os administradores a se posicionar. “A sensação que tenho em eventos internacionais sobre OPAs é de que em todas as jurisdições existe essa obrigação”, conta Flavia Mouta, inspetora da gerência de aperfeiçoamento de normas da autarquia. “A surpresa é constatar que não temos nada a respeito.” A CVM cogita suprir essa lacuna na reforma da 361. Embora o projeto ainda esteja em fase inicial, pode-se afirmar que o objetivo é permitir aos acionistas de uma companhia alvejada por uma OPA receber um “norte” sobre a conveniência da operação.

Comentário do conselho sobre uma OPA pode carregar boa dose de conflito de interesses

OPINIÃO AUTORREGULADA — Uma regra que obrigue o conselho a tomar partido em situações como essa não precisa ser editada pela CVM. Iniciativas de autorregulação seriam capazes de dar conta do recado. No relatório final entregue à BM&FBovespa sobre a criação do chamado Comitê para Fusões e Aquisições, inspirado no Takeover Panel, o jurista Nelson Eizirik sugere a replicação no Brasil da norma do código inglês. Dele faz parte o princípio geral de que os acionistas necessitam de tempo e informações suficientes para tomarem a decisão correta. “Quando dá alguma recomendação, o conselho deve evidenciar todos os efeitos da mudança de controle no negócio da companhia, da política de emprego aos benefícios concedidos aos administradores eventualmente demitidos”, explica o advogado.

Na avaliação de Eizirik, o código brasileiro seria de adesão voluntária e aplicável, principalmente, às companhias do Novo Mercado — segmento especial de listagem que concentra as companhias de controle difuso e pulverizado. O estudo deve ser apresentado logo mais em encontro organizado pela Bolsa com as entidades do mercado candidatas a compor o comitê. Até o fechamento desta edição, a data do evento ainda não havia sido definida.

Avançar nesse quesito aproximaria o País das práticas internacionais, que privilegiam a comunicação aos acionistas sobre os prós e contras de uma oferta. Lá fora, os investidores estão acostumados a receber uma gama variada de informações sobre a qualidade, as características e os impactos de uma OPA, como no duelo travado entre a Cadbury e a Kraft. No fim de agosto de 2009, ao apresentar sua proposta ao board da centenária fabricante de chocolates Dairy Milk, clicletes Trident, Bubbaloo e das balas Halls, a CEO e chaiman da Kraft, Irene Rosenfeld, levou um não. Mesmo assim, em sete de setembro, Irene tornou pública sua intenção de comprar o controle da Cadbury, sendo novamente repelida pelo conselho da empresa-alvo, que considerou os ativos da companhia subavaliados na oferta e apresentou argumentos para justificar sua posição.

A queda de braços perdurou até uma semana antes do acordo, quando os britânicos exaltaram os resultados alcançados em 2009, o que tornava a venda para a Kraft ainda menos atrativa. Na noite de 18 de janeiro, Irene e Roger Carr, presidente do conselho de administração da Cadbury, acabaram concordando com o valor de 850 pence (centavos de libras esterlinas) por ação da companhia britânica, preço mais de 17% acima da oferta inicial, e com uma proporção maior de dinheiro em relação a ações no pagamento (60% e 40%, respectivamente). No dia seguinte, o conselho da Cadbury publicou sua recomendação final para os acionistas, elencando os motivos para considerar a nova proposta justa e dar bênção à chegada da Kraft. Com essa vitória no conselho, ficou mais fácil para os norte-americanos convencerem os acionistas da Cadbury a participar da oferta, cujo encerramento está previsto para este mês de fevereiro.

QUEM MANDA AFINAL? — A despeito da opinião do board, na Europa, a decisão em si sobre a adesão à OPA cabe exclusivamente ao investidor. Para os advogados ouvidos pela CAPITAL ABERTO, esse é o modelo ideal a ser perseguido. “A escolha do acionista não pode ser vinculada à orientação dos administradores”, diz Thiago Giantomassi Medeiros, sócio do escritório Demarest e Almeida Advogados. Em outro mercado conhecido pelas companhias sem controlador definido, os Estados Unidos, a aceitação da oferta é, essencialmente, compartilhada entre conselho de administração e acionistas. Geralmente, dependendo da legislação do estado norte-americano, os conselheiros têm o direito de ativar mecanismos de defesa contra ofertas hostis, sem autorização prévia dos investidores. A estratégia mais comum são as “poison pills” que, diferentemente do que se convencionou chamar de “pílulas de veneno” no Brasil, são bônus de subscrição concedidos aos acionistas de uma companhia a partir do momento em que um comprador hostil atinge determinada participação no capital. Excluído desse direito, o investidor indesejado ficaria diluído se comprasse uma fatia acima desse patamar — que varia entre 15% e 20%.

Essas táticas, somadas às dificuldades de se trocarem os membros do conselho nos Estados Unidos, representam barreiras significativas para a realização de ofertas não solicitadas. Pesquisas apontam que, nos anos 1990, apesar de apresentarem uma economia seis vezes maior que a britânica, os norte-americanos presenciaram um número de ofertas hostis somente duas vezes maior que os seus pares do Reino Unido. Hoje, a tendência é de queda no uso de mecanismos de defesa. Em 2004, 33 das 100 maiores companhias dos Estados Unidos listadas em bolsa (do ranking Fortune 500) tinham pílulas de veneno, número que caiu para dez no ano passado, segundo levantamento da banca norte-americana de advocacia Shearman & Sterling. “É cada vez maior a pressão de investidores institucionais sobre conselhos de administração que usam poison pills”, verifica Paul Schnell, sócio da firma de advogados Skadden, Arps, Slate, Meagher e Flom, em Nova York, na área de fusões e aquisições.

NA TRILHA EUROPEIA — Predomina no País a preferência por um modelo alinhado ao europeu, que proíbe o emprego de qualquer mecanismo antioferta sem a anuência prévia da assembleia de acionistas. Eizirik propõe a inserção desse impeditivo no código de autorregulação de um possível Takoever Panel brasileiro. Mas talvez isso nem seja necessário. “A regra da não frustração é perfeitamente compatível com o ambiente brasileiro”, avalia Paulo Aragão, sócio do escritório Barbosa, Müssnich e Aragão. “Não frustrar uma oferta pública faz parte dos deveres fiduciários do administrador.” Quanto à função do conselho de oficializar uma avaliação própria de OPAs, Aragão reconhece a necessidade de regras claras.

Enquanto a regulamentação não cobra nenhuma atitude específica, algumas companhias trataram de aplicar obrigações extras para o board de forma voluntária. O estatuto social da BM&FBovespa determina que o conselho deve reunir-se a fim de apreciar os termos e as condições de uma oferta pública para aquisição do capital total da companhia. Segundo o documento, o board pode contratar uma assessoria externa especializada para formular seu entendimento e divulgá-lo aos acionistas.

Convém ressaltar que a opinião do conselho sobre uma OPA não pode ser analisada sem certa dose de senso crítico. Marisa Isabel Bocater, do Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, atenta para o risco de que administradores falem mais em seu interesse do que no da companhia, apesar de sua responsabilidade fiduciária. Inevitavelmente, os comentários de quaisquer agentes envolvidos numa OPA voluntária estão sujeitos a um bom número de conflitos de interesses. Clássico da literatura internacional sobre direito empresarial, o livro The Anatomy of the Corporate Law descreve algumas tensões. Os ofertantes tendem a pressionar os acionistas a aceitarem seu lance, destacando as vantagens da combinação dos negócios. O conselho de administração, por sua vez, pode refutar uma oferta maximizadora de valor para os acionistas, mas que ameaça seus empregos. Os autores apontam que, mesmo na ausência de regulação sobre o tema, durante o curso de uma oferta hostil “muita informação” é gerada. Mas, nessa troca de argumentos contrários e a favor, os dois lados possuem fortes incentivos para ocultar os pontos negativos ou exacerbar os positivos.

“De uma forma ou de outra, a administração da companhia sempre emite algum tipo de opinião”, admite Walter Mendes, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), referindo-se à postura com que o conselho age nesses casos e ao posicionamento transmitido nas entrelinhas. Por causa disso, Mendes prefere que a manifestação do board seja disciplinada. “É melhor que seja feita às claras.”


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