O futuro da Bolsa
Empresas de incubadoras e parques tecnológicos entram no alvo do Bovespa Mais

, O futuro da Bolsa, Capital Aberto

Os jovens Roberto Carvalho e Daniel Kunzler gostavam de dirigir curtindo um som no carro, mas um dia se cansaram de ter seus rádios roubados. A solução? Criaram um sistema antifurto. Com ele, o motorista não precisa ter um tocador embutido no automóvel para ouvir sua música preferida. Basta carregar um MP3 player portátil, que se comunica por meio de tecnologia sem fio a um dispositivo escondido no veículo, responsável por redistribuir o som pelos alto-falantes. Os parceiros enxergaram potencial comercial na invenção e, em 2006, ainda estudantes de engenharia no campus da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos, registraram a patente, montaram um plano de negócios e deram o pontapé na microempresa Noxt, com o aporte de R$ 400 mil de amigos, familiares e professores — “os nossos investidores-anjos”, diz Carvalho, usando o jargão do mercado de capitais. Hoje, a Noxt sonha alto. Além de estimar vendas de R$ 1 milhão com sua nova linha de produtos em 2011, quer se preparar para se tornar capaz de, no futuro, ingressar no Bovespa Mais, o segmento de listagem da BM&FBovespa para companhias pequenas e médias com grande potencial de crescimento.

O QG da Noxt, de onde brotam ideias como o sistema para abrir portões com o acender do farol do carro, fica no Centro para a Competitividade e Inovação do Cone Leste Paulista (Cecompi), a incubadora do Parque Tecnológico de São José dos Campos, a 97 quilômetros de São Paulo. É no Vale do Paraíba, uma das regiões mais ricas do estado, que a BM&FBovespa vai testar uma abordagem diferenciada para atrair empresas ao Bovespa Mais, que até hoje só recebeu a Nutriplant, fabricante de nutrientes para o solo.

Em junho deste ano, o Instituto Educacional BM&FBovespa assinou um convênio com o parque de São José dos Campos, que foi criado pela prefeitura local e hoje é gerido por uma organização sem fins lucrativos. Esse foi apenas o primeiro de uma série de acordos que a Bolsa pretende selar com polos de tecnologia e inovação. Em princípio, o objetivo é difundir a cultura dos mercados financeiro e de capitais entre startups de incubadoras, empresas residentes em parques tecnológicos e empreendedores que se relacionam com essa cadeia. Mas o sucesso da iniciativa poderá ser medido pelo número de IPOs que a Bolsa computar futuramente. “Nos próximos cinco anos, queremos listar pelo menos mais 200 companhias. O foco estará nas pequenas e médias”, declarou o presidente executivo da BM&FBovespa, Edemir Pinto, em entrevista concedida à CAPITAL ABERTO em 23 de agosto, no aniversário de 120 anos da Bolsa. “A porta de entrada será o Bovespa Mais”, ressaltou.

COMPANHIAS EM GESTAÇÃO — A catequização das empresas vai ocorrer por meio de cursos que tratam desde temas como empreendedorismo e investimento de capital-semente a governança corporativa, gestão de riscos e gerenciamento de ativos. No parque de São José dos Campos, a Bolsa está montando um escritório em que serão ministradas essas aulas. A escolha de parques tecnológicos como foco de atuação se dá pelo fato de reunirem boas condições para o desenvolvimento de negócios promissores: apoio financeiro de entidades privadas e governamentais, nível elevado de educação, intercâmbio de conhecimento e investimento em pesquisa, além da disponibilidade de alta tecnologia.

A catequização das empresas vai ocorrer por meio de cursos que tratam de temas como governança
e gestão de riscos

“A experiência de parques tecnológicos em países desenvolvidos mostra que cada US$ 1,00 investido em empresas desses locais gera uma receita anual de US$ 3,00. Em mercados emergentes, essa relação cai para US$ 1,50 para cada US$ 1,00”, afirma José Antônio Gragnani, diretor executivo de desenvolvimento e fomento de negócios da BM&FBovespa. Na sua opinião, o Brasil vem melhorando nesse sentindo, capacitando cada vez mais seus profissionais e ampliando a capacidade de produzir receita. “Apesar de suas qualidades, as empresas inovadoras e de base tecnológica carecem de recursos dos mercados financeiro e de capitais para despontarem. E a Bolsa, levando sua expertise por meio de parcerias, poderá contribuir nisso.”

Segundo dados da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), havia 74 parques tecnológicos espalhados nas cinco regiões do País, em dezembro de 2008, mas a maioria em fase de implantação ou projeto. Naquele ano, 520 empresas instaladas nesses sítios geraram uma receita combinada de R$ 1,68 bilhão e um volume de exportação de R$ 116 milhões. O número de incubadoras, instaladas fora ou dentro dos parques, passa de 400.

DEPENDÊNCIA ESTATAL — O Cecompi tem atualmente 12 projetos incubados e 20 na lista de espera. A maior parte do financiamento de suas startups vem de instituições como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Precisamos do capital de risco para alavancar os negócios”, reforça Francisco Novaes, gerente da incubadora. A Noxt, pronta para sair do espaço dedicado à gestação de empresas, foi a única a receber sócios privados. Carvalho e Kunzler têm 65% do capital total da companhia — os “anjos” detêm o restante — e se mostram dispostos a serem diluídos ainda mais no caso de uma eventual abertura de capital. “Dividir para crescer é muito bom”, enfatiza Carvalho, mostrando uma faceta que contrasta com empreendedores de um passado recente.

Mas chegar à Bolsa, mesmo num segmento voltado a pequenas e médias, é uma possibilidade remota para a maioria das startups. Em primeiro lugar, o tamanho dos projetos e o estágio de desenvolvimento são barreiras naturais. As receitas das empresas que operam no Cecompi, por exemplo, ficam entre R$ 60 mil a R$ 70 mil mensais, estima Novaes. A fabricante de instrumentos eletrônicos aplicados em medicina veterinária e humana Delta Life é uma delas. Faturamos de R$ 30 mil a R$ 40 mil por mês, com margem de lucro de 40%. Como precisamos crescer e consertar muitas coisas, vejo a Bolsa como algo distante”, reconhece o fundador Sebastião Vagner Arêdes.

A injeção de capital-semente nessas empresas poderia acelerar o processo. Porém, fundos com esse perfil ainda são incipientes no Brasil. Fica difícil estabelecer taxas de administração e de performance que compensem o risco corrido e, ao mesmo tempo, atraiam os investidores. Nos Estados Unidos, mercado conhecido por histórias fabulosas como as das grifes high tech Google e Yahoo!, os chamados investidores-anjos têm um papel decisivo no estágio anterior aos investimentos de fundos. “Lá fora, quem mais investe nas startups são pessoas que conhecem os riscos dos negócios, porque geralmente já passaram por eles como empreendedores”, assegura José Sampaio Aranha, diretor do Instituto Gênesis da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

“Empresas de base tecnológica carecem de recursos dos mercados financeiro e de capitais para despontarem”

De fato, é preciso um gosto diferenciado por risco para se aventurar em empresas nascentes. Veja-se o exemplo da Cesar Par, gestora de investimentos pertencente ao Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), uma das duas incubadoras localizadas no Porto Digital, parque tecnológico da capital pernambucana. Do total de 30 projetos incubados em que ela investiu ao longo de 14 anos, dez deram prejuízos, outros dez devolveram o valor investido, e somente um terço proporcionou retornos significativos — alguns excepcionais, como de 40 vezes o aporte inicial. O Porto Digital foi visitado por executivos da BM&FBovespa em setembro e pode ser o próximo a acertar sua parceria com a Bolsa.

“Um grande problema para quem investe em ‘early stage’ são as perspectivas de saída”, atesta Guilherme Cavalcanti, presidente da Cesar Par. O Bovespa Mais seria uma alternativa se houvesse apetite dos investidores institucionais por ‘microcaps’. “Uma coisa é investir num fundo com portfólio diversificado. Outra é comprar diretamente ações de uma companhia que tende a apresentar maior volatilidade”, diferencia Peter Jancso, sócio da Jardim Botânico Investimentos (JBI), gestora de fundos com experiência em capital-semente e venture capital. “O mercado tem de adquirir massa crítica para que haja interesse em acompanhar esses papéis”, pontua. Na prática, isso significa também a contratação de profissionais dedicados a gerir carteiras com ações do Bovespa Mais, que exigem “hedges” próprios.

REFORMAS NA REGULAMENTAÇÃO — Outro fator apontado como ônus para a ida de pequenas empresas ao Bovespa Mais são os custos de abertura de capital e de listagem. Os custos do IPO da Nutriplant, em 2008, totalizaram R$ 1,464 milhão, o equivalente a 7,1% do volume captado na oferta primária. Esse montante incluía comissões pagas a bancos, gastos com auditoria, advogados e publicidade, dentre outros. No primeiro ano de listagem no Bovespa Mais, a companhia usufrui um desconto de 75% na taxa paga à BM&FBovespa. No segundo ano, o desconto é de 50%, e no terceiro, de 25%. Só a partir do quarto ano a cobrança passa ser integral. A BM&FBovespa considera o nível das despesas “competitivo”, quando comparado aos cenários dos mercados de acesso das Bolsas de Valores de Toronto e Londres. “O Bovespa Mais chega a ser 60% mais barato que o AIM”, avalia Gragnani.

Quanto ao custo de cumprimento do regulamento do Bovespa Mais — frequentemente criticado por ser semelhante ao do Novo Mercado, o segmento mais exigente em termos de governança corporativa —, Gragnani diz não haver planos de afrouxamento das regras no momento. A BM&FBovespa estuda, no entanto, propor mudanças na regulamentação que está fora de sua alçada, em parceria com outras instituições do mercado, como a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCap).

Embora não exista nenhum plano concreto, algumas ideias de reformas regulatórias são constantemente citadas por advogados que têm interlocutores na Bolsa e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A redução de carga tributária para empresas pequenas e inovadoras é uma medida defendida por todos, incluindo o governo.

Outras demandas dependem de decisões da CVM. Carlos Alexandre Lobo, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, lamenta a ausência da categoria de emissores de ações em mercado de balcão organizado anteriormente prevista na minuta de audiência pública da Instrução 480, que impunha menos obrigações de informação a esse grupo de empresas. A instrução entrou em vigor em 2010 sem essa modalidade que poderia beneficiar as candidatas ao Bovespa Mais. “Perdemos uma boa oportunidade de fomentar o acesso de empresas menores ao mercado, para quem o disclosure é mais trabalhoso”, admite Lobo.

A CVM julgou não haver razões para ser mais flexível com companhias de menor porte, segundo Luciana Dias, superintendente de desenvolvimento de mercado da autarquia. Mas ela concorda que em uma pequena empresa a manutenção de um sistema de comunicação com investidores tem um custo mais representativo do que em companhias maiores. Por isso, não descarta a possibilidade de a CVM rever as regras no futuro.


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