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Os que as startups têm a ensinar aos líderes de empresas tradicionais
Conexão dessas duas pontas é fundamental para o processo de transformação digital corporativa
Os que as startups têm a ensinar aos líderes de empresas tradicionais

*Cláudio Cohen | Ilustração: Julia Padula

Quando um fundo de venture capital ou um grupo de investidores-anjo avalia o investimento em uma startup, a tendência é de que sejam avaliados alguns quesitos, bastante comuns: o tipo de problema que a startup se propõe a resolver, a urgência da resolução desse problema, o tamanho do mercado, a concorrência, o grau de inovação, a diferenciação, a escalabilidade e o potencial de disrupção do negócio. Alguns colocam mais peso em aspectos financeiros; outros privilegiam questões tecnológicas ou de mercado.

Há, entretanto, um critério-chave, consensual e definidor: o time. A avaliação desse aspecto envolve conhecimento do negócio, capacidade tecnológica, dedicação, paixão, atitude inovadora, boa gestão de recursos escassos e, principalmente, agilidade para adaptação quando existem sinais que uma mudança de rumo é necessária — especialmente se essas indicações vierem dos clientes. Errar é aceitável, desde que o erro seja percebido logo e deixe lições.

É natural que, para cumprir tantos requisitos, os times sejam diversos e complementares em termos de competências e formas de pensar. Isso ajuda a manter um ambiente de intensa colaboração criativa.

Assim, se o time não impressiona os investidores, por mais interessante que pareça a proposta será muito difícil o dinheiro aparecer. Eles darão ótimos argumentos — e sairão da sala. De maneira oposta: se o time reúne essas capacidades, mesmo que a solução proposta não seja a ideal, o mercado esteja limitado, a escalabilidade seja incerta ou outras restrições se apresentem, a chance de captação é boa. Afinal, investidores experientes sabem que um bom time de fundadores vai passar por várias fases de desenvolvimento até encontrar a solução vencedora, ainda mais quando têm apoio adequado.

Uma antiga frase sintetiza o sentimento comum desses investidores: “Apostamos mais no jóquei do que no cavalo”.

Corporações tradicionais

Até aqui falamos dos desafios de sobrevivência, crescimento e sucesso de empresas que surgiram dentro da nova Economia. Como essa dinâmica se manifesta no caso das corporações tradicionais, existentes há décadas — ou séculos? Como essas empresas fazem para mudar radicalmente?

A expressão “transformação digital” virou um clichê. Não há executivo em posição de liderança em qualquer segmento que não tenha ouvido ou discutido a respeito. Além disso, são raros os que não se sentem impactados pelas ameaças de disrupção.

Mas reinventar uma organização tradicional para se encaixar na nova Economia talvez seja um desafio ainda maior do que criar uma empresa do zero.

Isso porque a corporação que já está constituída tem uma cultura formada, uma estrutura hierárquica normalmente verticalizada e está estabelecida quanto a comando e controle. Sua gestão é baseada em anos de operação. Enquanto isso, a startup está criando a sua cultura num ambiente de inovação e colaboração.

A empresa tradicional tem anos de relacionamento com seus clientes e os conhece (ou crê conhecê-los), assim como entende o mercado e os concorrentes. Enfim, ela opera num modelo de negócio já conhecido. Planeja a médio e longo prazos, busca melhorias em seus processos e produtos — a startup, por sua vez, testa novos modelos de negócios em busca de soluções muito melhores e mais baratas do que as existentes. Rompendo modelos é que essas novatas provocam a dita disrupção.

Mas talvez o maior desafio para o executivo de uma empresa tradicional que precisa de reinvenção é o fato de ter de lidar com a operação simultaneamente à transformação. Nesse contexto, ele deve garantir a manutenção de resultados e compromissos de curto prazo enquanto pensa em novos modelos — antes que alguém de fora o faça por ele.

Ao contrário, a startup está testando hipóteses, investindo tempo e dinheiro em busca de um modelo cuja operação efetiva, com resultados, pode levar anos. Há, sim, urgência por objetivos, mas não competição entre eles. A orientação da startup é dada pelos resultados de seus testes, feitos no mercado com seus potenciais clientes (ou não clientes, se a hipótese não se confirmar). A startup pode rodar muito tempo sem gerar caixa, até mesmo no vermelho. Algo impensável em uma organização tradicional.

Dificuldade para inovar

A operação da empresa treina seu sistema imunológico para enfrentar mudanças que estejam distraindo seus objetivos de curto prazo. O mais comum é que os profissionais sejam incentivados e compensados pelos resultados do mês, do quartil, e isso fortalece o sistema de defesa. Também é comum que tenham objetivos claramente definidos e que sejam avaliados e cobrados por eles. Assim funciona a estrutura hierárquica das empresas tradicionais.

Quanto maior for a organização, maior a tendência de se olhar para dentro e não para fora. A ênfase tende a ser colocada em tecnologias com competências existentes, o que acaba punindo a inovação, especialmente se externa.

Novos modelos de negócios surgidos nos últimos anos foram viabilizados pela evolução de tecnologias de comunicação e de informação — e por sua democratização. Essa dinâmica possibilitou o estabelecimento de modelos de compartilhamento de recursos, gerou abundância onde havia escassez, fundamentou decisões baseadas em dados em vez de experiência, facilitou desintermediação e abriu acesso a populações e regiões antes isoladas.

Considerando todos esses aspectos, uma liderança que efetivamente busca transformar sua organização e alçá-la à nova Economia deve, necessariamente:

— Investir na própria educação, para conhecer em maior profundidade as principais tecnologias aplicáveis ao negócio, entendendo seu potencial e os passos necessários para sua implementação. Isso se estende aos conselhos de administração, que, com certa frequência, são integrados por pessoas com pensamento mais tradicional e que podem atrasar a transformação.

— Reavaliar a estratégia, buscando mudanças que gerem efeitos exponenciais e não lineares — eventualmente até mudando de negócio. Para isso, é necessário pensar de uma outra forma e de acordo com ela planejar a operação. Conhecer e implementar metodologias ágeis é parte do caminho.

— Repensar a organização, avaliar como criar um ambiente colaborativo, como desenvolver uma cultura de inovação constante, como garantir o engajamento dos colaboradores em busca de um propósito comum (mais do que em resposta a um comando ou a um incentivo de curto prazo). Diversidade é uma questão muito importante quando se buscam perspectivas diferentes.

Como seguir com a transformação

Descrever o que é necessário fazer, no entanto, é mais simples do que fazer. A pergunta inevitável é: como? Obviamente não uma há receita definitiva, mas existem alguns caminhos possíveis.

Entendendo a importância da transformação, a liderança da empresa tem que criar um espaço protegido de colaboração, com tolerância a erros e aceitação quanto a eventual demora de resultados. Isso implica alterações culturais. A literatura de negócios já apresenta alguns modelos possíveis. Em Organizações Exponenciais, Salim Ismail, Michael Malone e Yuri Van Geest propõem alternativas:

— transformar os líderes por meio de educação, gerenciamento do conselho de administração, diversidade, habilidades de liderança;

— criar parcerias, investindo ou adquirindo empresas “exponenciais”;

— estabelecer novos negócios periféricos, usando os métodos experimentais de forma protegida e sob novas métricas;

— contratar uma equipe externa com o objetivo (secreto) de causar a disrupção no negócio;

— fechar parceria com aceleradoras e incubadoras para criação de células de intraempreendedorismo na empresa, em projetos específicos, que serão aos poucos expandidos para outras áreas; assim é possível desenvolver novos procedimentos e alterar gradualmente a cultura da empresa.

No Brasil, há aceleradoras que se especializaram em conectar startups com empresas para resolver problemas específicos e, com isso, aos poucos “contaminar” a cultura dessas organizações. Há vários casos em que as startups acabam sendo investidas pelas empresas ou adquiridas.

Aceleradoras também aplicam as metodologias “startup enxuta” e técnicas ágeis em projetos com times internos da empresa tradicional, transferindo o conhecimento e a forma de atuar típicos das startups.

Líderes que estão realmente comprometidos com essa transformação — que, mais do que digital, é estratégica — devem se reinventar, aceitar e estimular novos paradigmas, possibilidades nunca antes avaliadas. É um novo mundo.

A transformação digital de organizações tradicionais é, acima de tudo, um processo de formação de lideranças e times capazes, num ambiente colaborativo que possibilite a inovação realmente transformadora por meio de tecnologia e de modelos diferentes de negócios — exatamente os investidores observam nas startups quando estão decidindo onde investir.

No fim do dia, são as pessoas que fazem os projetos acontecerem.


*Cláudio Cohen ([email protected]) é diretor do programa Leading Digital Reinvention da Saint Paul Escola de Negócios


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