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Direito digital busca dar conta do avanço da tecnologia
Recurso à ética muitas vezes compensa falta de leis para se garantir compliance
, Direito digital busca dar conta do avanço da tecnologia, Capital Aberto

Gustavo Artese*/ Ilustração: Julia Padula

O direito digital surge como a estrela deste novo espaço da CAPITAL ABERTO. Sem entrar no mérito de adequação da expressão, direito digital designa especialistas, escritórios de advocacia e matérias de estudo. Como especialidade pode ainda não ter conformação clara, mas isso não sobrepuja sua existência e vitalidade. Nesse contexto, compliance digital é uma derivação que surge com muita naturalidade — considerando compliance muito mais que a simples observância de leis: na medida em que se trata da adoção de um conjunto de disciplinas e estratégias para que se faça cumprir as normas legais, regulamentares e éticas a que se sujeita uma organização.

Se há leis, normas e preceitos éticos sob o escopo do direito digital, nada mais natural do que isolá-los para se estudar as formas e métodos de conformidade necessárias. Essa conduta toma especial relevo nos casos em que os aspectos éticos e comportamentais associados às leis de “fundo digital” sejam acentuados.

O Brasil conta com leis que de algum modo têm “fundo digital”. Há normas específicas — sendo a mais célebre o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) e a mais recente, a nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD, aprovada no último dia 10 de julho) — e normas gerais, como a regulamentação do teletrabalho feita pela reforma trabalhista1. Ocorre que nem sempre assuntos que envolvem as relações no ambiente digital são agraciados com uma lei. A ausência é suprida, em sua maior parte, por exigências de natureza ética.  É fato que outros elementos de controle como, por exemplo, a pressão social contra prática empresarial inadequada ou obrigações de natureza contratual existem, mas o elemento ético tem primazia.

No mundo digital, os fatos se antecipam à norma de forma nunca antes vista.

Para dar uma dimensão do papel da ética no direito digital, é importante destacar que mesmo quando, pelos desígnios do Legislativo, algum tema relativo às relações no mundo digital se torna objeto de lei, a tendência é que as questões da ética e da adequação de conduta se façam bastante presentes.

Cabe então perguntar: por que no mundo digital a ética tem papel de destaque, estando inserida em lei ou não? A explicação está na incapacidade do direito para acompanhar a velocidade incontrolável da era da informação, que impõe avanços em blockchain, inteligência artificial (IA), segurança da informação, uso massivo de dados, analytics, internet das coisas… Como regular tudo isso, rapidamente e com justiça? Como evitar a obsolescência das normas?

Como sistema elegante que é, o direito (positivo), ciente de suas limitações para lidar com esses desafios, devolve o bastão aos princípios e à ética — que o empunharam com primazia nas sociedades pré e pós-industrial.

Lei modernas que lidam com aspectos tecnológicos, não apenas digitais (e.g. biotecnologia), tendem a ser baseadas em princípios e ser centradas na ética. Normalmente fazem isso se utilizando de regras e estruturas mais abertas e, portanto, menos objetivas. Sistemas de controle internos, órgãos reguladores (que atuam como juízes), exigências de determinadas condutas — sem se especificar a ação proibida de antemão — são instrumentos comuns a esse tipo de norma, cuja estrutura tende a ser replicada mesmo nos casos em que o tema não foi (ou jamais será) objeto de lei.

Vale como exemplo a IA. Não há legislação sobre o tema no Brasil. Por que e como um player na área ou um “heavy user” deve se adequar?

A IA consiste, basicamente, de algoritmos de aprendizagem e generalização cuja finalidade é simular as capacidades humanas. Mentes humanas estabelecem critérios para que uma máquina aprenda. Assim, IA é derivação direta do engenho e dos valores humanos — incluindo características e preconceitos. Mas somos regidos por valores éticos, morais e normas jurídicas, diferentemente da IA.

Se a inteligência artificial absorve preconceitos, que haja garantia de que seu ambiente de criação seja neutro.

Caso isso seja verdade, em tese um robô poderia ser machista ou racista, por herança do que dizem seus algoritmos e os dados que os alimentam. Como lidar com isso? É necessário voltar à questão da ética. A palavra vem do grego ethos e significa aquilo que pertence ao “bom costume” ou ao “portador de caráter”. Refere-se a princípios universais de adequação de conduta

Se permitirmos que computadores tomem decisões, como assegurar que sejam éticas (e justas)? Há requisitos mínimos nesse caso, com destaque para transparência na geração de IA (preceitos éticos estabelecidos e comunicados pelos seus criadores); regras claras de segurança, privacidade e confiabilidade; e garantia de diversidade da equipe responsável pelo desenvolvimento da IA — o ponto que mais interessa quanto à questão do preconceito. Afinal, se a IA absorve preconceitos, que haja garantia de que seu ambiente de criação seja neutro.

Que ninguém se engane. No mundo digital tudo acontece muito rápido, e não é diferente com os aspectos jurídicos. Os fatos se antecipam à norma de forma nunca antes vista. Cabe às organizações se anteciparem. Até porque o outro fenômeno acontece em paralelo: a vigilância digital. Mesmo sem lei, está todo mundo de olho no seu comportamento.


Notas

1“Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.” Incluído pela Lei 13.467/17.


*Gustavo Artese ([email protected]) é sócio de Artese e Advogados


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