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Melhor encarar a realidade
Empresas brasileiras devem se adaptar às leis internacionais — e não temê-las

, Melhor encarar a realidade, Capital AbertoÉ impossível ignorar o movimento internacional contra a corrupção estampado em manchetes de jornais diariamente. As empresas brasileiras já estão sentindo, assim como suas concorrentes subsidiárias de multinacionais em nosso país, a pressão das regras anticorrupção estrangeiras.

Em busca de maior integridade e honestidade nas relações comerciais, executivos são presos e empresas têm quedas assustadoras das suas ações. O caso mais recente é o da Alstom, multinacional que atua nas áreas de energia elétrica e transportes. A companhia, que nos últimos anos firmou diversos contratos com o governo paulista, é acusada de pagar propina para vencer concorrências públicas na Ásia e na América Latina. Seus escritórios na Suíça foram alvo de busca e apreensão, e um de seus mais altos executivos foi detido no final de agosto.

A criminalização da corrupção há muito é prevista em leis, tanto no exterior como no Brasil. Embora o mundo todo já esteja bem equipado com diplomas legais para punir essa prática, só recentemente é que se vê a aplicação dessas leis com rigor. Os números de processos nos Estados Unidos mais que dobraram de 2006 para 2007 e já quebram recordes no início de 2008. A Alemanha, país que até 10 anos atrás permitia a dedutibilidade de pagamentos de propinas em outros países, está punindo exemplarmente uma das suas mais representativas empresas –– a Siemens.

O país pioneiro nesse combate foram os Estados Unidos, que promulgou sua primeira lei em 1977 –– a famosa lei Foreign Corrupt Practices Act (FCPA). A Securities and Exchange Commission (SEC) e o Department of Justice (DOJ) — o equivalente norte-americano ao Ministério Público — vêm agindo agressivamente no combate à corrupção usando a poderosa arma da FCPA.

No Brasil, para as empresas com papéis nos EUA, a aplicação da FCPA já é uma realidade, ou seja, elas já se sujeitam à lei como pré-condição do privilégio de terem valores mobiliários negociados em Nova York. É essencial à empresa estrangeira adaptar-se aos padrões norte-americanos de conduta para obter aprovação da SEC. O interessante é que a FCPA se aplica também em nosso território. A questão pode parecer complexa, mas só teoricamente. Na prática, como se explicará adiante, a FCPA abrange até mesmo empresas estrangeiras, e não apenas companhias ou cidadãos norte-americanos.

É preciso conhecer — ou mais, alardear — o poder de alcance da FCPA. As autoridades dos EUA têm argumentado (e aplicado) que a lei atinge qualquer cidadão ou empresa estrangeira se puder existir nexo para estabelecer a competência da FCPA. Estão sob a jurisdição da lei pessoas em viagem aos EUA ou entre seus estados, usuários de seu serviço postal, telefônico ou de sua rede bancária, e até de e-mails que passem por servidores norte-americanos. Assim, um pagamento de propina de uma empresa brasileira a um consultor na Rússia utilizando um banco dos EUA possibilita que as autoridades do país iniciem um processo contra o pagador brasileiro.

A FCPA transformou-se na norma padrão em matéria de corrupção internacional, mas ela foi apenas a pioneira. Hoje, quase todos os países desenvolvidos têm lei semelhante ou ratificaram o mais proeminente instrumento jurídico internacional na matéria, a Convenção da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), também adotado pelo Brasil.

Conceitualmente, a FCPA é muito simples. Ela proíbe propinas a funcionários de governos estrangeiros, pois se sabe que as empresas tendem a se comportar bem em casa, mas nem sempre fora dela. A mesma lei criou sanções penais e cíveis para empregados, administradores e representantes de empresas que pratiquem atos de corrupção fora do país, quer tais atos sejam realizados pelas matrizes ou por suas subsidiárias.

Nas operações de fusões e aquisições, cada vez mais a compradora se preocupa com atividades pouco ortodoxas da empresa-alvo

Assim, sob a FCPA, uma empresa não pode dar, oferecer, prometer ou autorizar que se dê qualquer coisa de valor a funcionário de governo estrangeiro, seja diretamente ou por meio de um intermediário, tal como um agente ou consultor de negócios, procurador ou advogado, a fim de influenciá-lo para obter vantagens impróprias. Um funcionário governamental é qualquer representante de governo estrangeiro, e esse tópico é complexo o bastante para merecer outro artigo sobre o tema.

Portanto, na prática, proíbe-se que se dê não apenas dinheiro, mas qualquer coisa de valor, incluindo presentes, viagens, refeições ou entretenimento, doações, patrocínios, ofertas de emprego e outras vantagens que possam beneficiar pessoalmente o funcionário governamental ou membros de sua família.

A violação da FCPA sujeita a empresa e seus administradores à responsabilidade civil e criminal, bem como penalidades pecuniárias. A multa pode atingir US$ 2 milhões para a empresa ou suas filiais condenadas por atos de corrupção. Seus executivos podem ser detidos e pagar multas que, pela lei, não podem ser reembolsadas pela companhia. Além disso, a empresa pode ser condenada a devolver ao Tesouro norte-americano os ganhos obtidos com o ato ilícito de corrupção.

A violação da FCPA sujeita a empresa e seus administradores à responsabilidade civil e criminal. A multa pode atingir US$ 2 milhões

INCIDÊNCIA GLOBAL — A história recente coleciona exemplos de investigações com a colaboração internacional: Alstom, na Suíça; Gtech, no Brasil; Siemens, em vários países; Alcatel Lucent, na Costa Rica; e Xerox, na Índia.

A caça às bruxas tem outros impactos. Nas operações de fusões e aquisições, cada vez mais, a compradora, de qualquer nacionalidade, se preocupa com atividades pouco ortodoxas da empresa-alvo. Isso porque as autoridades dos EUA têm entendido que a compradora pode suceder o risco de uma violação da FCPA. Em 2004, a Lockheed Martin, fabricante de produtos militares, desistiu de adquirir a Titan, pois esta não conseguiu resolver seus problemas descobertos pela Lockheed durante o processo de due diligence. A Titan acabou fazendo acordo com as autoridades dos EUA e pagou US$ 15,5 milhões em multas civis e outros US$ 13 milhões em criminais.

Outro caso importante foi a aquisição da InVision Technologies pela GE. Para não perder o negócio e finalizar a compra, a InVision pagou uma multa de US$ 800 mil e eximiu a GE de responsabilidade sucessória.

Nas aquisições de empresas brasileiras, as regras podem se flexibilizar, mesmo que a compradora deva verificar se a empresa-alvo cumpre com as próprias leis anticorrupção (uma vez que a companhia brasileira pode não estar sujeita à FCPA). De qualquer forma, há de se atentar que a compradora terá de cumprir com todos os preceitos da FCPA após a aquisição e, portanto, avaliará cuidadosamente se o modelo do negócio será compensador após amoldar a alvo às exigências da lei. Temos visto em nossa prática que, muitas vezes, ao se depararem com esses desafios, as potenciais compradoras norte-americanas desistem do negócio.

Para as brasileiras, em qualquer contexto no mundo globalizado, não adianta mais ter receio das normas anticorrupção. Melhor se adequar a elas. Para isso, há medidas simples como a adoção de códigos de ética, com disposições específicas sobre combate à corrupção, até o treinamento de seus funcionários –– providências que podem colocar o Brasil entre os países onde impera a lei anticorrupção e não a triste lei de Gerson.


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