Não é de hoje que telefonemas e viagens a Brasília preenchem a agenda de Thomás Tosta de Sá, ex–presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e atual presidente do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (Ibmec), sediado no Rio. Mas os contatos com a capital federal se intensificaram no mês passado, assim que a comissão de desenvolvimento econômico, indústria e comércio da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3.401, cuja finalidade é disciplinar a maneira como juízes decretam o uso de bens particulares de sócios e administradores para o pagamento das mais diversas dívidas das empresas. Embora prevista em lei, a chamada desconsideração da personalidade jurídica costuma ser um tormento para executivos, conselheiros e investidores de companhias abertas e fechadas. Nada mais natural, portanto, que o combate à aplicação indiscriminada desse procedimento seja uma das bandeiras do Plano Diretor do Mercado de Capitais, uma iniciativa de agentes privados para o desenvolvimento do setor. Coordenador do plano, Tosta de Sá se tornou uma das vozes mais constantes do mercado de capitais em Brasília, integrando um coro de profissionais que se dedica a inserir pautas relevantes do segmento no Congresso e no Planalto.
O engajamento de Tosta de Sá mostra que a evolução do mercado de capitais brasileiro depende não apenas da redução da taxa de juros ou do crescimento do PIB, mas também de muito corpo a corpo com deputados, senadores e oficiais do governo. “Estou indo a Brasília quase toda semana”, diz ele. A ideia de disciplinar a desconsideração da personalidade jurídica havia sido apresentada pela primeira vez em 2003, em um projeto de lei de autoria do já falecido deputado Ricardo Fiuza (PP–PE). No entanto, a proposta foi deixada de lado após a morte do parlamentar, o escândalo do “mensalão” e certo ceticismo do Ministério da Fazenda e da Casa Civil quanto à relevância da matéria. Em 2008, voltou no projeto de lei de Bruno Araújo (PSDB–PE) e demorou a avançar. “Mas agora o mercado financeiro e as instituições estão buscando atuar mais com os parlamentares para ressaltar a necessidade de alterar esse ponto”, diz Tosta de Sá, citando o apoio à causa manifestado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
MP dos derivativos seguiu para o Senado em outubro, sem atender aos apelos do mercado. A Câmara quis “reduzir a especulação”
A desconsideração da personalidade jurídica, sem uma definição clara de como e quando deve ser aplicada, deixa gestores de fundos de investimento e diretores de empresas em uma situação delicada: podem ser responsabilizados na pessoa física por atos que tenham assinado enquanto eram diretores e ainda ter seu patrimônio bloqueado por decisão judicial. Um dos objetivos de Tosta de Sá é conquistar a simpatia de deputados da Comissão de Justiça da Câmara, na qual o projeto de lei prossegue antes de ser enviado ao Senado. “Vamos conversar também com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Na época em que era deputado pelo PT (entre 2003 e 2010), ele se mostrava favorável à proposta. Vamos ver se continua”, conta o presidente do Ibmec. Outro encontro marcado é com o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, para debater alguns pontos do Plano Diretor do Mercado de Capitais, como a proposta de simplificar a tributação sobre ganhos de capital de pessoas físicas com ações, com a elevação do limite de isenção de imposto de renda dos atuais R$ 20 mil para R$ 35 mil.
AFINIDADE INTELECTUAL — Relacionamentos pessoais com alguns nomes do governo também podem guardar a chave de mudanças relevantes na regulamentação. Raymundo Magliano Filho se aproveitou disso quando foi presidente da então Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Em 2001, o governo federal havia determinado que cada operação realizada em bolsa acarretaria uma taxa de 0,38% de CPMF. A medida fez o giro dos negócios no pregão cair 40% e os grandes investidores migrarem suas aplicações para o exterior. A primeira atitude de Magliano foi procurar Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força Sindical. “Empresário não sabe fazer greve, então fui atrás de quem tinha experência.” No dia 6 de setembro de 2001, com o auxílio da organização sindicalista, os operadores da Bovespa cruzaram os braços por uma hora, em uma greve em repúdio à decisão do governo. A estratégia não surtiu efeito prático. A Bolsa acabou percebendo que, para eliminar a alíquota sobre as operações de compra e venda de ações, seria preciso fazer uma emenda na Constituição.
Foi aí que Magliano obteve de Marco Maciel, o então vice–presidente de Fernando Henrique Cardoso, as lições de como viabilizar a extinção do imposto. “Sempre fui um admirador do pensador Norberto Bobbio, e o Marco Maciel também. Isso nos aproximou e fez com que ele me apontasse o caminho das pedras”, relembra Magliano. Seguindo os conselhos de Maciel, a Bovespa mapeou 513 deputados e 81 senadores. Com ajuda da Patri, empresa especializada em relações institucionais, entrou em contato com cada um deles para persuadi–los de que a isenção da CPMF para as operações de bolsa poderia estimular emprego e investimento no Brasil. “Fomos sempre com humildade”, ressalta Magliano. Em 12 de junho de 2002, depois de meses de negociações, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 407 foi aprovada.
Evolução do mercado de capitais depende de muito corpo a corpo com deputados, senadores e oficiais do governo
No fim do mesmo ano, Magliano também buscou se aproximar do governo Lula, cuja equipe de transição passava a atuar com o governo FHC. “Já tínhamos contato com o Lula quando o convidamos para uma palestra na Bolsa. Esse relacionamento se estreitou quando ele nos ligou, depois de ser eleito, para trabalharmos juntos”, recorda. O Plano Diretor de Mercado de Capitais ganhava força a partir daí, com algumas medidas sendo aprovadas ao longo dos anos: ingresso do Banco do Brasil no Novo Mercado e redução da alíquota do imposto de renda sobre os ganhos de capital com renda variável de 20% para 15%.
ARRANJOS DE ÚLTIMA HORA — Às vezes, até quando estão do mesmo lado, setores do governo e executivos do mercado acabam perdendo a batalha no Congresso. Um exemplo foi a Medida Provisória 517, de dezembro de 2010, na qual o economista Bernard Appy conseguiu inserir a proposta de publicação de uma versão simplificada de demonstrações contábeis de empresas pequenas e médias em jornais e no Diário Oficial. A BM&FBovespa estima que os gastos com a publicação integral desses documentos chegam a representar até 60% dos custos da manutenção do registro de companhia aberta. Eles são apontados como um dos fatores que afastam as empresas pequenas e médias da Bolsa. Appy tentou atender aos interesses da BM&FBovespa, da qual foi diretor de estratégia e planejamento até retornar à sua consultoria LCA, em outubro. O Ministério da Fazenda e o mercado eram favoráveis à remoção desse custo para as companhias abertas menores, segundo ele, mas a medida foi vetada pela presidente Dilma Rousseff no projeto que deu origem à Lei 12.431. “Houve pressão do Diário Oficial e da grande imprensa”, lamenta Appy.
Dentre as entidades mais ativas no diálogo com Brasília, Appy destaca a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a Cetip e a BM&FBovespa. “O Plano Diretor do Mercado de Capitais envolve várias entidades privadas, e é difícil obter consenso em muitas medidas. Por isso ele não tem a mesma agilidade dessas instituições”, comenta o economista. Appy trafega com desenvoltura nesse meio, pois esteve dos dois lados da mesa: trabalhou em várias secretarias do Ministério da Fazenda por seis anos e meio antes de ser contratado pela Bolsa.
A vocação para esse tipo de lobby também está na comissão especial de mercado de capitais e governança corporativa da seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB–SP), recém–criada pela entidade. “A ideia é sairmos de uma posição inerte de crítica e buscar desenvolver temas com a CVM e o governo”, afirma Paulo Lucena de Menezes, presidente do grupo. Além de publicar artigos sobre assuntos intrincados do mercado de capitais, como a governança de empresas estatais e os conflitos de interesses em votos de acionistas, os membros da comissão também vão buscar interlocutores em Brasília.
Um foco de atenção do mercado no momento é a MP 539, que impõe a cobrança de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de até 25% em operações de derivativos cambiais na Bolsa de Valores, uma arma criada pelo governo para controlar a valorização do real. A mais afetada pela medida, obviamente, é a BMF&Bovespa. No Brasil, cerca de 80% dos contratos desse tipo são negociados em bolsa de valores — um percentual bem superior ao praticado em outros mercados. O receio é de que a política de taxação provoque uma migração dessas transações do Brasil para outros países. “Nos reunimos com cooperativas, indústrias e com a Bolsa para falar da medida”, diz o deputado Reinhold Stefanes (PMDB–PR), relator da MP na Câmara. Contudo, a MP seguiu para o Senado em outubro, sem ouvir os apelos do mercado. Para Stefanes, o ponto de vista da câmara está explícito: “reduzir a especulação”.
Fracassos em algumas lutas, convém lembrar, são frequentes, mas não sinônimos de deserção. Nos bastidores, especialistas do setor estão trabalhando, por exemplo, para retomar, na forma de projeto de lei, o plano de simplificar a publicação de demonstrações financeiras. “Uma de nossas ideias é apresentar sugestões para a oposição, já que essa proposta enfrenta resistências em alguns setores do governo”, relata uma fonte que não quer ser identificada. Afinal, em Brasília, assim como no mercado, tudo pode mudar.
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