Vídeo da Bettina reacende desconfiança sobre Empiricus
Incômodo com marketing agressivo da empresa ultrapassa a CVM e alcança Conar e Procon
Vídeo da Bettina reacende desconfiança sobre Empiricus

Ilustração: Rodrigo Auada

A essa altura, praticamente qualquer brasileiro usuário de internet sabe que a Bettina tem 22 anos e patrimônio de 1,042 milhão de reais, conquistado em três anos com aplicações no mercado financeiro a partir de um investimento inicial de 1,5 mil reais. A jovem é a estrela de mais uma heterodoxa peça de publicidade da Empiricus Research, empresa que oferece serviços de aconselhamento financeiro e de investimentos por assinatura sempre de maneira espetaculosa. Dessa vez, a estratégia era contar a trajetória de sucesso na renda variável de alguém que usou o conteúdo que a Empiricus oferece e, com isso, enriqueceu em pouquíssimo tempo. A história supostamente pessoal de multiplicação de dinheiro foi compartilhada em poucos segundos por Bettina no começo de vídeos postados no YouTube desde o início do mês. Se a ideia da Empiricus era ganhar repercussão, o objetivo foi alcançado. Bettina virou meme nas redes sociais, e a empresa viu seu alcance nas redes sociais ser catapultado (leia também a seção Na web desta semana).

O reverso da moeda surgiu sob a forma da reativação de um debate que, nos últimos meses, estava adormecido. Vale uma recapitulação. A Empiricus batalha na Justiça para garantir a manutenção de sua estratégia de negócios, que, segundo seu sócio-fundador Felipe Miranda, só deveria “obedecer ao princípio da liberdade de expressão”. Isso porque, desde 2017, a firma está registrada na Junta Comercial como empresa de comunicação, e não mais como consultoria de investimento. Por isso, questiona a aplicabilidade das regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a sua situação específica.

Cabe observar que a mudança no registro ocorreu em junho de 2017, pouco tempo depois de a autarquia apresentar ao mercado sua sugestão de reformar a norma que regulava a atividade de analista de investimento. Diferentemente da lacônica Instrução 483, concebida em 2010 e voltada apenas ao analista pessoa física, a Instrução 598, editada em abril de 2018, é bastante detalhada. Ela diz o que a CVM espera dos analistas e das casas de análise. De acordo com a norma, são considerados relatório de análise “quaisquer textos, relatórios de acompanhamento, estudos ou análises sobre valores mobiliários específicos ou sobre emissores de valores mobiliários determinados que possam auxiliar ou influenciar investidores no processo de tomada de decisão de investimento”. Nesses materiais, ressalta, é imprescindível o uso de linguagem moderada. O mesmo vale para exposições públicas, apresentações, vídeos, reuniões, conferências telefônicas e quaisquer outras manifestações não escritas, cujo conteúdo seja típico de relatório de análise.

Um mês depois da publicação do marco regulatório, em carta pública assinada por Miranda, a Empiricus enfatizou seu papel de “publicadora de conteúdo”, ressaltando que ganha dinheiro com “assinaturas e a venda de espaço publicitário, igualzinho aos jornais e às revistas”. Além disso, Miranda anunciou que abria mão de sua certificação CNPI — obrigatória no Brasil para o exercício da atividade de analista de investimentos — e que pedira seu descadastramento da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), autorreguladora da atividade. “Estando a Empiricus fora do sistema de distribuição e pertencente apenas ao escopo da publicação de conteúdo, ela obedece somente ao princípio da liberdade de expressão, uma das maiores garantias constitucionais do Estado de direito”, escreveu Miranda na época, inclusive amparado por pareceres de renomados juristas.


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A Instrução 598 dava 180 dias para adaptação às regras, prazo encerrado em novembro passado; a partir de então a CVM poderia enquadrar quem cometesse irregularidades, como a falta de credenciamento na Apimec. Entretanto, em novembro, após entrar com ação contra a CVM para manter-se fora do alcance da Instrução 598, a Empiricus obteve liminar favorável ao seu caso na Justiça Federal. Um mês depois, a liminar foi suspensa pela desembargadora Diva Prestes Marcondes Malerb, da 6ª Turma do Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3). “A publicidade das análises técnicas é inerente ao exercício da atividade de analista de valores mobiliários, portanto não há como se afastar a exigência de credenciamento”, escreveu. A decisão não intimidou a Empiricus. A firma continuou a divulgar suas análises e a fazer publicidade de seus serviços normalmente — a empresa foi oficialmente intimada no fim de janeiro e, então, recorreu da decisão. O processo aguarda decisão definitiva do TRF-3.

Em meio à polêmica que passou a atender pelo nome de Bettina, a CVM divulgou nota, na quinta-feira, 21 de março, ressaltando que a Empiricus não tem autorização do regulador para a prestação de análise de valores mobiliários e que está em andamento um processo administrativo para análise das atividades da empresa. De acordo com a autarquia, o investidor deve se abster de “acreditar em ofertas de investimentos por meio de sites, normalmente acompanhadas de promessas de ganho rápido ou sem risco”. Na internet, a CVM resolveu usar as armas do inimigo em seus perfis do programa CVM Educacional: postou uma imagem de um lobo em pele de cordeiro (“estou te dando conselhos financeiros; eu nunca tentaria te vender um produto” dizia o texto que acompanhava a montagem), saindo um pouco de sua tradicional sisudez.

Propaganda exagerada

Em resposta “aos que criticam o marketing da Empiricus”, Miranda lançou vídeo, em que “esclarece” por que sua empresa faz propaganda sobre seus investimentos e produtos de forma exagerada — ele mesmo admite que o marketing da Empiricus é “carregado na tinta”. Segundo ele, tudo isso é intencional, para capturar a atenção de quem não costuma se preocupar com dinheiro e investimentos. Mas o objetivo poderia ser também a atração de pessoas com pouco acesso à educação financeira e que, por isso, poderiam ser mais prejudicadas por publicidade tão incisiva sem as devidas sinalizações sobre riscos. Com essa perspectiva, a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) notificou, na terça-feira, 19 de março, a Empiricus sobre a publicidade feita por Bettina, pedindo esclarecimentos. Já o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) avalia se abre um processo contra a empresa.

Independentemente do resultado do processo que corre na Justiça Federal acerca do poder de regulação da CVM sobre a Empiricus, a empresa pode sofrer sanções em relação ao seu marketing “carregado na tinta” conforme o Código de Defesa do Consumidor (CDC) — além da autorregulação do Conar, que pode determinar a suspensão da veiculação de seu material publicitário, caso este seja considerado abusivo. “Como a Empiricus vende serviços e produtos, sua atuação se encaixa no âmbito da defesa do consumidor, ainda que a Justiça venha a decidir que a empresa não faz parte do escopo da CVM”, explica Fabíola Meira, sócia da área de relações do consumo do Braga Nascimento e Zilio Advogados. Em 2017, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) também se aplica às corretoras de investimento — no caso da Empiricus, essa relação estaria ainda mais clara, já que ela atinge diretamente o consumidor. No site Reclame Aqui, há uma série de queixas de assinantes questionando a dualidade entre o que é prometido e o que é de fato tangível para os investidores que decidem seguir os conselhos da empresa. Na hipótese de a Empiricus ser responsabilizada na Justiça por ilicitudes na forma como faz anúncios — se forem considerados abusivos ao consumidor por não usar linguagem adequada, por exemplo —, entre as punições previstas estão a suspensão da disponibilização de seus serviços e multas pecuniárias que podem chegar a cerca de 10 milhões de reais. A Instrução 598, por outro lado, não estipula o valor das multas para infrações de conduta. Na guerra contra o regulador, surgem novos oponentes que prometem dar dor de cabeça à Empiricus. Mas a empresa parece disposta a resistir — e com muito barulho.


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