Temporada de ajustes
Novas regras para boletim de voto estreiam em assembleias, mas ainda há queixas
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

O histórico é curto, mas questões levantadas em 2017 por companhias e investidores na primeira experiência de utilização do boletim de voto a distância em assembleias ordinárias (AGOs) foram suficientes para instigar ajustes na norma que trata do assunto. As mudanças foram consolidadas na Instrução 594 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), editada em 20 de dezembro passado. Entre as novidades, estão a obritoriedade de divulgação de um relatório detalhado de votos pelas empresas e o aumento dos prazos para apresentação de candidatos aos conselhos de administração e fiscal pelos acionistas.

O dever de oferecer aos sócios a possibilidade de voto pelo boletim a distância foi aplicado a todas as companhias da categoria A e com ações listadas em 2018; na experiência inaugural, a obrigatoriedade se restringia a empresas cujas ações integravam o Ibovespa e o IBR-X 100. O boletim também passa a ser obrigatório para as assembleias gerais extraordinárias (AGEs) convocadas para a mesma data das AGOs — nesse caso, dois boletins devem ser entregues, um para cada assembleia.

Em 2017, o boletim foi usado principalmente por estrangeiros — na plataforma da B3, foram processados 13 mil votos, sendo 98% de investidores sediados em outros países. São três os caminhos para a utilização do mecanismo: os agentes de custódia (como a B3), os escrituradores e as próprias companhias. De acordo com dados da Bolsa, na temporada passada 44% dos acionistas não votaram, 33,3% exerceram o voto presencialmente e 22,7% optaram pelo voto a distância. Nesse último caso, 14,8% votaram pela B3, 0,4% pelo escriturador e 7,5% pelas companhias.

A ideia do boletim de voto é facilitar o acesso dos acionistas às assembleias — o documento substitui as tradicionais procurações. Na agência de turismo CVC, companhia de capital pulverizado com 50% da base de sócios composta de estrangeiros, a expectativa é de que o mecanismo remoto facilite o alcance dos quóruns necessários para a instalação das assembleias e torne mais simples o exercício do voto por seus investidores. “Há um investimento inicial para adaptação, mas que se justifica a médio prazo”, comenta Letícia Málaga, gerente jurídica da CVC.

Leandro Vilela, gerente de produtos do Citibank, explica que o boletim de voto percorre um longo caminho até chegar às mãos do investidor estrangeiro. Quando a companhia divulga o boletim, os bancos custodiantes no Brasil que oferecem o sistema conhecido como proxy voting organizam as informações, usando padrões como a norma ISO 15.022. Depois, passam esses dados para os custodiantes globais, que, por sua vez, acessam os investidores finais (diretamente ou por meio de prestadoras de serviços de processamento ou de consultoria de voto). Só então o investidor dá a sua orientação de voto. Portanto, toda essa cadeia precisa funcionar bem para que o voto de fato chegue a tempo e seja computado da maneira correta. O problema, pondera Vilela, é que já no começo desse processo há um entrave — o boletim de voto brasileiro não se encaixa no padrão global do proxy card (formulário de votação usado pelos titulares de ADRs), e adaptá-lo adiciona complexidade.

Polêmicas

Sócia do escritório Stocche Forbes, Alessandra Zequi observa que as companhias estão receosas com a aplicação prática de algumas mudanças geradas pela norma.  Uma preocupação diz respeito ao fato de o boletim de voto ter deixado de ser um documento estático: pode ser reapresentado tanto para a inclusão de candidatos às vagas para os conselhos de administração e fiscal quanto para a correção de erros que possam levar o acionista a se enganar.
Os acionistas minoritários têm até 25 dias antes da assembleia para incluir um candidato no boletim, e a empresa deve apresentar o documento com a modificação até 20 dias antes do encontro.

Na norma anterior, o prazo para o investidor incluir um candidato no boletim era até 35 dias antes do encontro, e o das empresas, para reapresentação, era de 30 dias. Isso significa que, com a mudança, os minoritários ganharam dez dias para se articular e obter os quóruns mínimos necessários para incluir os nomes. O temor em relação a esse ponto é que, com a ampliação, sobrou menos tempo para os investidores analisarem os nomes incluídos na reta final. Outra dúvida é a possibilidade de a reapresentação do boletim transformá-lo num documento excessivamente dinâmico, o que pode confundir os acionistas que já votaram na primeira versão e ensejar a necessidade de novos preenchimentos e envios.

A exigência de divulgação de um mapa de voto analítico depois das assembleias é mais um ponto controverso. Essa obrigação torna de conhecimento público uma relação com os CPFs e CNPJs de acionistas que votaram na AGO, acompanhada da informação de como votaram. Antes, as companhias apenas divulgavam um mapa sintético com o cômputo dos votos favoráveis e contrários a cada matéria, sem a especificação de quais sócios votaram e de que forma o fizeram.

Na visão de alguns investidores, como os fundos de pensão e de investimento (que precisam prestar contas de suas atuações aos beneficiários e cotistas), o mapa analítico público é uma novidade muito bem-vinda, especialmente por permitir auditorias dos resultados de eleições. “A divulgação do mapa é algo revolucionário”, opina Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec). A demanda por esse tipo de informação, ressalta, existe em vários países, e o Brasil está sendo pioneiro em atendê-la. Até a edição da norma 594, era possível confirmar a chegada de um voto a distância à assembleia, mas não se podia atestar sua contagem ou se a instrução dada pelo acionista foi seguida — em outras palavras, havia brecha para fraudes.

Comemorada entre investidores, a divulgação do mapa analítico não foi bem acolhida entre as companhias. Zequi, do Stocche Forbes, observa que as empresas têm o dever fiduciário de guardar sigilo das informações sobre seus sócios, informando publicamente apenas os investidores com participação superior a 5% do capital social. “Algumas empresas temem que a possibilidade de divulgação do mapa analítico iniba os votos dos sócios”, destaca a advogada.

Com a difícil incumbência de garantir sigilo e, simultaneamente, permitir a conferência dos votos proclamados a distância, a CVM estabeleceu na norma que o mapa detalhado deve ter apenas os cinco primeiros dígitos do CPF ou do CNPJ do acionista — determinação válida para votos presenciais ou pelo boletim remoto. “Depois da audiência pública procuramos atender aos dois lados: a necessidade de privacidade e a de auditoria”, relata Augusto Coutinho Filho, coordenador de desenvolvimento de normas da CVM. A solução, entretanto, parece ter sido insuficiente: alguns ainda consideram que a divulgação, mesmo parcial, possibilita a identificação dos sócios.

Retrocesso?

Também há críticas em relação ao percentual mínimo do capital que o acionista precisa deter para incluir no boletim de voto um candidato a conselheiro fiscal ou de administração. A instrução manteve o intervalo entre 0,5% e 2,5%, dependendo do porte da companhia. A questão é que a Lei das S.As. não especifica percentuais mínimos para essas indicações — e a criação dessa exigência, argumentam os críticos, pode tornar mais difícil para os minoritários indicar candidatos. “Foi um retrocesso na governança corporativa”, avalia Daniel Alves Pereira, sócio do Mesquita Pereira Almeida Esteves Advogados. Segundo Coutinho Filho, a CVM vai analisar os resultados da temporada deste ano para discutir se é necessário mexer nos percentuais, estipulados com base em um estudo feito pela autarquia em 2015.

Há também discordância em relação ao tratamento dado ao voto em separado. Esse mecanismo permite aos minoritários elegerem um conselheiro de administração sem a participação do controlador. Embora o boletim de voto a distância inclua a possibilidade de o acionista exercer o voto em separado, se ele faz essa opção mas não há quórum suficiente para se instalar a votação, seu voto é desprezado. Para que o voto em separado ocorra, é necessário que ele seja pedido por acionistas com pelo menos 15% das ações ordinárias ou por preferencialistas com no mínimo 10% do capital social, conforme a Lei das S.As.

Outro problema ocorre na situação em que o voto múltiplo — mecanismo que aumenta as chances de os minoritários ganharem representatividade no board — é requerido na hora da reunião. Como não está fisicamente na assembleia, o acionista que utiliza o boletim não pode usar as ações que havia destinado à votação para eleger um conselheiro pelo voto múltiplo. Coutinho Filho reconhece o problema e adianta que ele está em discussão na autarquia. Por ora, entretanto, a mensagem é clara: o boletim de voto é um avanço, mas ainda não substitui integralmente a participação presencial. Por mais que os reguladores prevejam as inúmeras possibilidades de interação dos acionistas, ter um representante de carne e osso no local ainda tende a ser, durante algum tempo, a opção mais segura.

 

 


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