Sobrecarregadas?
Revisão de código de autorregulação de fundos alimenta temor de novo aumento de despesas para gestoras
, Sobrecarregadas?, Capital Aberto

Ilustração: Rodrigo Auada

A autorregulação tende a acompanhar os passos da regulação. Essa máxima encaixa-se bem ao atual momento da indústria brasileira de fundos de investimento. Depois da ampla reforma decorrente da edição, em 2016, da Instrução 558 (que substituiu a de número 306, de 1999) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), devem sair nos próximos meses as diretrizes estabelecidas pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) na primeira grande reforma dos 18 anos do seu código de regulação e melhores práticas para administração de recursos de terceiros. O documento permaneceu em audiência pública até o dia 19 de fevereiro e, ao sugerir novas exigências, reacendeu preocupações — principalmente entre as gestoras de menor porte — de um possível aumento de custos relacionado à adesão ao código.

Uma proposta contida na minuta que pode onerar as assets menores é a exigência de que façam controles usando a chamada supervisão baseada em risco (SBR). De maneira sucinta, o mecanismo consiste na fiscalização de uma amostra (de produtos, parceiros de negócios, intermediários) que represente os maiores riscos e os maiores potenciais de prejuízo às operações. É com base nesse sistema, por exemplo, que a CVM empreende as fiscalizações no mercado — a seleção de uma amostra do que tem maior chance de causar grandes problemas seria a melhor solução para o regulador contornar a evidente impossibilidade de fiscalizar tudo em todos os agentes. Pois a minuta do novo código de autorregulação estabelece que as gestoras usem a SBR para a contratação e o monitoramento de terceiros, como consultores externos ou escritórios de advocacia. “Isso significa que se eu contratar alguém preciso fazer uma auditoria para ter a certeza de que o terceiro não tem desvios de conduta, envolvimento com corrupção ou outras ilegalidades. Isso é absolutamente inviável para uma gestora menor”, diz o presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Mauro Cunha, acrescentando que a própria CVM, conforme linha defendida pelo atual presidente, Marcelo Barbosa, desde sua sabatina no Senado, prega a redução desses chamados custos de observância.

Fontes consultadas pela reportagem afirmam que, às vezes, a autorregulação acaba sendo mais pesada que a própria regulação. “Há uma sensação de que essas regras adicionais contribuem para uma consolidação proposital na indústria de fundos, ao estabelecerem tantas dificuldades para as gestoras”, comenta uma fonte que preferiu não se identificar. “Em gestão de recursos não deveria haver barreiras de entrada, por se tratar de um serviço basicamente de capital humano, de análise de empresas”, avalia o gestor da GTI, André Gordon. “Para quem é de menor porte de fato as novas exigências de autorregulação complicam a operação. Por outro lado, elas limitam a existência de assets criadas apenas para operar como family office ou algo parecido”, acrescenta o sócio da Argucia, Ricardo Magalhães. A Anbima, por sua vez, afirma que a licença para a operação de gestoras é dada exclusivamente pela CVM e que a autorregulação “não é empecilho para o exercício da atividade”.

Ainda na avaliação da associação, é equivocada a ideia de que a SBR implica aumento de despesas. “Ao contrário: a supervisão baseada em riscos concentra esforços de monitoramento nas atividades de maior impacto e/ou maior risco para o sistema.” Ou seja, ao limitar a necessidade de se fiscalizar tudo, a SBR facilitaria a vida dos autorregulados. A entidade diz ainda que o código revisto apresenta de maneira mais clara os papéis e responsabilidades dos agentes da indústria de fundos de investimento, o que “evita a sobreposição de atividades entre administradores e gestores” — assim, alguns processos ficariam mais ágeis e menos custosos.

Participantes do mercado reclamam, entretanto, que essa exigência chega num momento em que a indústria de fundos já carrega um fardo regulatório pesado por causa da Instrução 558. A norma da CVM instituiu, por exemplo, a obrigação de os administradores de carteira elaborarem um formulário de referência, mais ou menos nos mesmos moldes do documento que as empresas de capital aberto listadas em bolsa devem apresentar periodicamente. Além disso, desde a edição da instrução, as gestoras de recursos precisaram investir para contratar diretores de risco e de compliance, para aumento da segurança do investidor e acompanhamento mais próximo das condutas internas. O novo código da Anbima, dizem os críticos, deveria observar essa situação e avançar no sentido do que seria uma bem-vinda divisão de gestoras conforme seu porte. Na visão deles, não é justo que as mesmas regras sejam válidas para assets responsáveis por 100 milhões de reais ou 1 bilhão de reais, assim como na Instrução 558.

“A CVM entendeu que os custos maiores compensam os benefícios. Mas ao desconsiderar o fato de que no Brasil há gestoras de tamanhos muito diferentes, o regulador pode estar restringindo a competição, com potencial prejuízo para os investidores”, diz Guilherme Guerra, sócio do escritório de advocacia VGP. “A regulamentação trata os desiguais de maneira igual, e o código da Anbima vai na mesma direção”, observa Cunha. O cumprimento das normas da Instrução 558 é obrigatório, mas no caso do código de autorregulação a obrigatoriedade só recai sobre os associados da Anbima. De qualquer maneira, poder ostentar a espécie de selo de qualidade que a adesão representa pode ser um diferencial competitivo. Portanto, as gestoras que por algum motivo — incluindo incapacidade financeira para arcar com despesas maiores — não conseguirem esse carimbo podem perder negócios.

Em resposta a essa crítica, a Anbima informa estar considerando a criação de divisões, em que as regras sejam estabelecidas de acordo com a atividade exercida e com os produtos oferecidos por cada instituição. “A sugestão é que os diferentes sejam tratados de forma diferente, sem que necessariamente sejam impostas as mesmas obrigações e, consequentemente, os mesmos custos, a todas as empresas de forma indiscriminada”, afirma a entidade em nota. No momento, a Anbima trabalha na consolidação das contribuições recebidas durante a audiência pública para chegar a um texto final do novo código. Os associados e as instituições que voluntariamente quiserem aderir terão um prazo de seis meses para adaptação, a contar da data de publicação do novo código.


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