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Queda de liminar não resolve desafios relacionados a remuneração
Assembleia deveria ter competência para definição de métricas e estruturas de incentivo para os administradores
remuneração, Queda de liminar não resolve desafios relacionados a remuneração, Capital Aberto

Raphael Martins*/ Ilustração: Julia Padula

No final de maio, foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) a liminar que desobrigava algumas companhias abertas a divulgar certas informações sobre a remuneração de seus administradores. A decisão foi recebida com entusiasmo desproporcional. Embora mais transparência nessa matéria seja sempre positiva, os efeitos da medida são simbólicos e não chegam a superar os principais desafios na atual discussão da política salarial dos administradores.

Deve-se lembrar que a liminar em questão era bastante restrita. Por um lado, ela se limitava à divulgação de um único item da Instrução 480 da CVM (o 13.11), que dizia respeito à publicidade dos salários médio, máximo e mínimo dos executivos de uma companhia. Por outro, seus efeitos beneficiavam algumas poucas empresas, associadas à entidade que entrou com a ação contra a regulamentação da CVM. Parece, portanto, que a derrubada da liminar é uma questão mais moral do que material.

Para que realmente a discussão do assunto avance, em primeiro lugar deve-se reconhecer que o problema fundamental não se limita a essa divulgação: ele está na desatualização da legislação societária que trata do tema. Isso porque a Lei das S.As. permite que a discussão sobre remuneração na assembleia geral restrinja-se ao impacto do valor global da remuneração dos administradores no caixa da empresa. Ou seja, as discussões mais relevantes — como política e estrutura de remuneração, e mesmo as metas dos executivos — ficam limitadas aos foros internos da companhia, e não chegam a ser objeto de um efetivo escrutínio pelos acionistas.

Pode ser que, na década de 1970, época em que havia dificuldades maiores na pulverização das informações pré-assembleares, estruturas de capital mais concentradas e políticas de remuneração menos complexas, essa simplificação societária se justificasse. Hoje, não.

Sob o aspecto informacional, não parece haver dúvidas de que o sistema de divulgação de dados adotado pela CVM e pela B3 é um mecanismo eficiente de transmissão e disseminação de quaisquer informações relevantes para a discussão assemblear. Nesse sentido, não existe um obstáculo tecnológico para a disseminação de um maior número de informações a serem discutidas pelo conclave.Em relação ao controle, é verdade que a sobreposição das figuras de acionista controlador e administrador sempre foi causa constante de conflitos societários, em decorrência do conflito de interesse na fixação de remuneração de executivos. Paradoxalmente, as novas estruturas de capital pulverizado não mitigam, mas agravam o risco de conflito de interesse na definição das políticas remuneratórias, especialmente pela limitação do escopo da discussão em assembleia geral. Afinal, as principais discussões relacionadas à remuneração dos administradores passam a ocorrer em um ambiente no qual não há a participação do titular do capital social.

Finalmente, não se pode esquecer que a remuneração dos executivos passou a ser o resultado de uma série de complexas “alavancas” (além do salário fixo, bônus de diversas naturezas, programas de stock option com e sem entrega de ações, benefícios os mais variados, entre outros), sendo que apenas algumas delas chegam a ser discutidas ou mesmo apresentadas em assembleia. O impacto dessas “alavancas” na composição das remunerações individuais e globais é parcamente discutido.

Além disso, vive-se sob o mantra comum do chamado “incentive-based approach to corporate management” (numa livre tradução, “gestão baseada em incentivos”), no qual parte cada vez mais relevante do salário do executivo está atrelada ao alcance de determinados indicadores. Assim, o escopo da discussão assemblear não pode se limitar ao impacto global da remuneração no caixa — é quase um lugar comum que a definição dessas métricas é determinante para o resultado que se quer que o executivo entregue. Casos recentes mostram mesmo que o estabelecimento de métricas equivocadas e estruturas de remuneração que desalinham riscos e benefícios do gestor podem se mostrar desastrosas para o futuro de uma empresa.

Não se deve diminuir o avanço representado pela Instrução 480 para a divulgação de informações relacionadas à remuneração dos executivos. Sua leitura demonstra que a CVM buscou conferir o máximo de publicidade que a legislação permite à política salarial de uma companhia, dadas as limitações mencionadas neste artigo sobre o escopo da própria assembleia. Entretanto, parece que a evolução da matéria deveria passar por mudanças institucionais na gestão dessa política e da estrutura de remuneração, atribuindo-se à assembleia geral a competência única para definição de métricas e estruturas de remuneração dos gestores. Esse seria um passo inicial interessante a ser adotado, pelo menos, pelas empresas do Novo Mercado e por aquelas que buscam um efetivo padrão elevado de governança.


*Raphael Martins ([email protected]) é sócio de Faoro & Fucci Advogados


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