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Primeiro teste
Incertezas rondam relicitações de concessões devolvidas
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Um capítulo inédito do setor brasileiro de infraestrutura está para ser escrito nos próximos meses. Em curso, os processos de devolução de duas concessões da área de transportes: o contrato para gestão do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), e os quase mil quilômetros da BR-040 entre o Distrito Federal e Juiz de Fora (MG). Amparadas nas justificativas de mudanças regulatórias e de queda da demanda por causa da recessão, as atuais concessionárias já notificaram o governo federal a respeito de suas decisões e aguardam o aval do conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), criado pela União no ano passado, para levar adiante as restituições.

Será o primeiro teste da Lei 13.448, sancionada no último dia 5 de junho, que trata das concessões de transporte licitadas nos anos de 2012 e 2013. O caso de Viracopos é emblemático: a concessionária elenca entre razões da devolução o fato de os estudos que balizaram o leilão terem previsto cenário de movimentação mais otimista que o efetivamente registrado. Para 2016, a expectativa era de 15 milhões de passageiros, movimento que não passou de 9,2 milhões. Além disso, o contrato exigia investimentos independentemente da demanda. A questão está cercada de incertezas jurídicas e regulatórias, que poderão comprometer a atração de novos investimentos para o setor de transportes e atrasar a intenção do governo de relicitar outros ativos.

Enredo

O aeroporto de Viracopos foi arrematado por um consórcio formado pela Triunfo Participações e Investimentos (TPI), pela UTC Participações e pela francesa Egis Airport Operation — mantida a participação obrigatória de 49% da Infraero. TPI e UTC, líderes da concessão, comunicaram formalmente à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em 31 de julho a intenção de devolução; também comunicaram a decisão ao conselho do PPI, de quem depende o aval para a devolução e posterior relicitação. A sócia francesa acompanhou o movimento dos demais. “Neste momento, a Anac está na fase de análise da documentação encaminhada”, informa a assessoria de imprensa da agência reguladora. De acordo com a Lei 13.448, o processo de relicitação terá duração de até 24 meses, prazo que pode ser prorrogado por deliberação do conselho do PPI.

Advogados e executivos da concessionária esperam que a próxima reunião do PPI, ainda sem data marcada, discuta o caso do aeroporto. “Só com o aval do PPI para a relicitação e com um decreto de regulamentação da lei será possível avançar”, afirma uma fonte que acompanha o caso. A lei tem algumas lacunas. Há dúvidas, por exemplo, relacionadas ao parâmetro adotado para o cálculo do montante de investimentos a ser ressarcido — valor contábil, valor presente líquido ou valor de mercado. Teme-se que o Tribunal de Contas da União (TCU) questione as formas de cálculo adotadas. “Também falta regulação sobre as câmaras arbitrais que poderão fazer a arbitragem dos contratos em pontos de discordância e sobre a forma de indenização. A participação da Infraero no consórcio também pode criar questionamentos, relacionados ao volume investido pela estatal no terminal”, diz o advogado Renato Poltronieri, do Demarest Advogados.

O prazo da arbitragem é outra incógnita. “A arbitragem é uma das novidades incorporadas pela legislação para os casos em que não há acordo entre as partes. Existe o risco de que o governo, ao olhar o valor investido, comece a discordar dos montantes, considerando que poderiam ser menores que o efetivamente aplicado”, observa Bruno Werneck, sócio de infraestrutura do Mattos Filho Advogados. Mesmo que um decreto determine qual critério vai nortear o cálculo da indenização, há receio sobre o papel do TCU na discussão — isso porque o órgão de controle trabalha com planilhas de custos que privilegiariam valores mais baixos de serviço do que outros critérios.

Segundo a Anac, serão avaliados todos os aspectos relacionados à operação do aeroporto e os econômico-financeiros, incluindo investimentos e receitas. “Somente após essa análise serão definidas questões relacionadas a ressarcimento. Após o término da fase atual, de análise das documentações, serão definidas as próximas atribuições, bem como os envolvidos”, informa a assessoria. No caso de Viracopos, a concessionária informa ter investido cerca de 3 bilhões de reais desde a assinatura do contrato, em 2012.

Não se sabe também como será feita a indenização desses valores. A legislação abre espaço para que, na nova relicitação, parte do valor da outorga (parcela que o vencedor da disputa paga ao poder concedente) seja direcionada para a indenização em vez de ir para os cofres do governo. “E se esse valor de outorga for menor do que o investido? Os ágios da segunda etapa de licitação de aeroportos foram várias vezes menores do que os das licitações de 2012 e 2013. Isso significa que o governo federal vai cobrir a diferença no cenário atual de aperto fiscal?”, questiona um executivo.

Há uma incerteza adicional. O prazo para relicitação é de 24 meses, o que asseguraria a manutenção da prestação do serviço no aeroporto durante todo o processo. Mas como a lei nunca foi testada, não se sabe se o prazo é factível, nem quanto demora cada etapa do processo (aval do PPI, análise da agência reguladora, discussão dos valores e eventual arbitragem). Além disso: nas últimas semanas, o governo tem divulgado sua intenção de vender as fatias de 49% que a Infraero tem em cinco aeroportos licitados entre 2012 e 2013: além de Viracopos, Guarulhos (SP), Confins (MG), Galeão (RJ) e Brasília (DF). “Isso realmente será colocado à venda em 2018? Quem vai comprar a participação de Viracopos sem que a questão jurídica com o atual concessionário tenha sido resolvida? Se a Infraero for mesmo privatizada, alguém vai comprar com esse impasse aberto?”, pergunta um executivo.

No caso de Viracopos, houve atraso no pagamento de duas parcelas seguidas da outorga e a Anac já até trabalhava com a possibilidade de abrir um processo de caducidade, previsto pela Lei 8.987/95. A extinção por caducidade envolve processo administrativo complexo e culmina, muitas vezes, em discussões judiciais, com a manutenção da atividade pelo contratado por longos períodos via liminar; muitos processos podem durar anos até serem concluídos. A concessionária de Viracopos decidiu pela devolução como saída menos traumática. Mas a situação piorou com as duas principais acionistas em recuperação extrajudicial e judicial.

Contra o tempo

Em setembro, a Invepar, controlada pelos fundos de pensão Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa) e a construtora OAS, anunciaram que já haviam notificado o governo federal a respeito da devolução da concessão de um trecho de 936 quilômetros da rodovia BR-040 entre Brasília e Juiz de Fora. Outras concessionárias dessa mesma leva de projetos rodoviários discutem repactuações, com ajustes como o fim da exigência de duplicação dos principais trechos da estrada em cinco anos (prazo que passaria a 14 anos) e do gatilho de obras, de forma que algumas intervenções só sejam feitas quando a demanda justificá-las.

Além da BR-040, há o equivalente a outros 5,5 bilhões de reais em pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro relativos a cinco concessões que somam pouco mais de 4,2 mil quilômetros. “Existe realmente o risco de devolução de alguns ativos. Muitos projetos estão com dificuldades para parar em pé”, afirma César Borges, presidente da Associação Brasileira das Concessões de Rodovias.

A discussão sobre a devolução desses ativos rodoviários será acompanhada de perto pelo mercado — seja porque poderá criar jurisprudência sobre o tema, seja porque tem potencial para indicar o tempo de trâmite do processo. Mas há mais um complicador no cenário: quanto mais a discussão se arrastar, maior a chance de ocorrer em outro governo, já que as eleições presidenciais estão marcadas para outubro de 2018. “Teoricamente, o processo de discussão, análise dos contratos e arbitragem pode ser rápido, e a relicitação poderia ser feita em 12 meses”, diz Werneck, do Mattos Filho. A teoria, no entanto, estaria distante da prática, destaca um executivo. “O projeto de concessão da BR 101/290/386/448, no Rio Grande do Sul, com 467 quilômetros, está em discussão desde o ano passado e só deve ir a leilão no primeiro semestre de 2018. E ele não está envolvido em nenhuma discussão jurídica desse porte”, acrescenta.

Fracasso

Pelo menos uma certeza se cristaliza entre os especialistas: a devolução dos ativos sugere que o sistema de leilões adotado entre 2012 e 2013 nos aeroportos e nas rodovias fracassou. A maioria das críticas remete ao fato de os editais de rodovias, por exemplo, exigirem duplicação de trechos principais em até cinco anos, mesmo sem justificativa de aumento de demanda. A recessão subsequente às licitações derrubou o tráfego em pelo menos 20% em algumas rodovias, o que inviabilizou os investimentos previstos em contrato.

Não escapam das críticas as linhas de crédito subsidiadas do BNDES. Na época das licitações a impressão do mercado era de que banco público financiaria qualquer projeto, o que não ocorreu. “Alguns projetos não estavam bem dimensionados e muitos acharam que o BNDES abriria o cofre de qualquer jeito. Mas a análise econômico-financeira barrou a aprovação de financiamento de algumas concessões”, lembra um integrante do governo. “Como a Operação Lava Jato indica, a mescla de interesses públicos e privados com fins partidários e econômicos desvirtuou as matrizes de cálculo e fez muitos apostarem em projetos falhos de nascimento”, avalia outro executivo. Resta aguardar o desenrolar do enredo para saber se as relicitações serão assentadas sobre bases mais sólidas.

 


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