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Pontos da Lei Anticorrupção têm rigidez excessiva e desproporcional
Felipe Ramos* (Ilustração: Rodrigo Auada)

Felipe Ramos* (Ilustração: Rodrigo Auada)

Nos últimos meses enfrentamos uma intensa crise política e econômica, provocada, entre outros fatores, pela investigação de supostos desvios de recursos públicos disfarçados de doações legais de campanha. Segundo alguns, o incremento do combate à corrupção se deve, essencialmente, a três fenômenos: o melhor aparelhamento dos agentes de investigação, notadamente a Polícia Federal; o surgimento de uma nova geração de agentes públicos comprometidos com o rompimento de uma cultura pautada por relações ilícitas; e a aprovação de leis mais severas.

Assim, em 2013, foi promulgada a Lei 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção. A norma representou importante marco jurídico, ao atribuir sanções mais rígidas pela prática de atos ilícitos no relacionamento privado com a administração pública. É o que se observa com a aplicação do regime de responsabilidade objetiva da pessoa jurídica infratora e com a previsão de multas potencialmente estratosféricas.

Ocorre que, não obstante o diploma legal representar um importante instrumento para repressão da prática de ilícitos nos negócios público-privados, o desarrazoado tratamento conferido em certas hipóteses merece reflexão.

Isso pode ser notado pela redação do artigo 4o, § 2o — ele estabelece que sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos na lei. Vale citar que a lei não esclarece se as relações societárias seriam diretas apenas ou se também indiretas. As duas questões mais relevantes são o regime de responsabilização e a extensão a terceiros do dever de reparação.

Como já mencionado, a Lei Anticorrupção previu a responsabilidade objetiva, que não requer averiguação da conduta do agente (se agiu com dolo ou culpa) na imputação da responsabilidade. Com efeito, a redação do § 2o do artigo 4o estabeleceu uma espécie de “fiança” legal.

No afã de se criar uma lei severa a ponto de inibir, por si só, a prática dos ilícitos nela tipificados, o dispositivo acabou por gerar uma verdadeira anomalia. Primeiro, não nos parece razoável que outras pessoas jurídicas, que possuem personalidade jurídica própria e quadro societário distinto, venham a se tornar solidárias a outras. Como está disposto, uma determinada pessoa jurídica pode vir a ser responsabilizada por atos praticados por administradores ou empregados de uma outra pessoa jurídica, sem que sequer seja necessário comprovar a obtenção de benefícios ou vantagens. Mas não apenas isso.

A lei determina, ainda, que coligadas podem, igualmente, ser responsabilizadas. O exagero chama atenção. Ora, a relação de coligação se caracteriza pela participação nas políticas financeiras e operacionais da investida, sem que haja controle. Ou seja, não há, no caso, uma relação de comando representada pela preponderância nas deliberações sociais e poder de eleger a maioria dos administradores. Assim, por exemplo, uma investida da qual a infratora detenha 20% do capital votante pode, eventualmente, vir a ser compelida a pagar multas potencialmente bilionárias por ilícitos praticados por uma acionista que sequer a comande.

A questão é especialmente sensível quando nos defrontamos com os efeitos da Operação Lava Jato. Como se tem visto, a saúde financeira de alguns dos mais representativos conglomerados do País envolvidos na referida ação penal vem sofrendo enorme impacto com a suspensão da contratação de novas obras e pelo atraso no recebimento de valores de obras contratadas pela administração pública. A fim de mitigar os problemas financeiros, muitos grupos têm colocado à venda alguns de seus investimentos.

No entanto, por força do dispositivo em questão, a sociedade cuja participação societária estiver sendo ofertada permanecerá solidariamente responsável pelo pagamento das vultosas multas e reparações aplicáveis — gerando um desincentivo à conclusão do negócio. E, pior: isso se aplica até a investimentos em que inexiste relação de controle, como nas coligadas. Essa rigidez, além de absolutamente desproporcional, é bastante nociva à continuidade da atividade econômica.

Os efeitos envolvem dificuldade na reestruturação de negócios, encerramento de empresas e aumento do desemprego. Por ser uma norma jovem, vale aguardar a interpretação dos tribunais ao dispositivo.


*Felipe Ramos ([email protected]) é sócio da área societária de Bichara Advogados


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