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Os labirintos no caminho do investidor lesado
, Os labirintos no caminho do investidor lesado, Capital Aberto

Raphael Martins*/ Ilustração: Julia Padula

Os últimos anos testemunharam um esforço de revisão das principais legislações no Brasil, incluindo o Código de Defesa do Consumidor e os códigos de Processo Civil e Penal — houve até tentativa de ressuscitar o vetusto Código Comercial. Mas um diploma legal permanece imune a esse movimento: a Lei das S.As. Passados 40 anos de sua elaboração, salvo por pontuais alterações legislativas, ela se mantém imune a investidas legiferantes. Essa resiliência, entretanto, cobrou seu preço, e partes importantes de sua estrutura mostram-se ultrapassadas. Uma delas é o sistema de responsabilização civil de administradores.

Afinal, o referido sistema foi pensado a partir de premissa e modelo hoje superados. A premissa consiste na idealização da figura do empresário — a quem, por um lado, se atribui liberdade na execução do objeto social e, por outro, se garante segurança jurídica para o desenvolvimento das atividades empresariais. O modelo consiste na prevalência da proteção do direito de defesa do (alegado) causador de um dano em relação ao interesse em se reparar a lesão causada. A consequência dessas opções legislativas é que a proteção ao investidor, embora existente, assume uma posição secundária, quase inconveniente no contexto da Lei das S.As.

Efetivamente, são tantas as regras que, resguardando o empresário, limitam o âmbito de reparações, excluem responsabilidades e fulminam pretensões, que o esforço de buscar uma indenização por ato de má gestão assemelha-se a caminhar em um labirinto, no qual cada má escolha do caminho conduz a um beco sem saída. Vejamos:

Em primeiro lugar, anualmente são apresentadas aos acionistas as demonstrações financeiras do exercício anterior. Nelas estão consolidados os impactos contábeis de todos os atos de gestão praticados ao longo do período e, com base nesse amalgamado de números, espera-se que os acionistas, por maioria, tenham condições de “tomar as contas” do gestor. Caso elas sejam aprovadas, exonera-se a responsabilidade do administrador por atos que o acionista sequer tem condições de perceber que ocorreram, salvo eventualmente pelo seu efeito contábil.

Ao verificar que se equivocou ao aprovar as contas de um gestor, um acionista tem, conforme a lei, um prazo prescricional de dois anos para tentar anular a deliberação, contanto que se comprove circunstâncias de complexa aferição (erro, dolo, fraude ou simulação). Embora dois anos pareçam um prazo razoável, à primeira vista o prazo legal despreza a realidade societária. Diferentemente da grande maioria dos danos cíveis, em que a existência da lesão (ainda que não necessariamente a sua extensão) é verificável concomitantemente ao ato que a provocou, o dano societário permanece submerso por um longo período e só costuma se revelar por meio de auditorias, perícias ou fiscalizações mais detalhadas. Como consequência, a pretensão indenizatória em relação à maioria dos danos no contexto societário, quando descoberta, já prescreveu.

Na situação de ter superado essas duas barreiras, caso o investidor queira que a sua atuação se reverta para a companhia lesada (especialmente diante da dificuldade de, nesses casos, se comprovar o dano direto ao acionista), ele esbarra nos requisitos legais para a propositura de uma ação de responsabilidade contra o administrador. Em primeiro lugar, é necessário que a propositura dessa ação seja objeto de deliberação assemblear — fato que, por si só, já limita o rol de acionistas com ações suficientes para colocar a matéria em discussão, notadamente fora da assembleia geral ordinária. Caso sua propositura não seja aprovada, o acionista que ainda assim quiser acionar o administrador deve titularizar 5% do capital social da empresa, o que, no caso das grandes companhias abertas, representa uma realidade alcançável por pouquíssimos acionistas.

Em resumo, quando se analisa os entraves à reparação de prejuízos sofridos pelos investidores nacionais, a Lei das S.As. tem uma grande parcela de culpa. A simples tarefa de se buscar reparação por ato ilegal praticado por determinado gestor é submetida a condições e requisitos tão complexos que a maioria dos acionistas desiste antes de sequer tentar.

Ao colocar peso excessivo na segurança jurídica do empresário e em segundo plano a reparação do dano, a norma inadvertidamente posiciona-se na contramão de imperativos éticos que deveriam guiar a condução da gestão empresarial. A consequência é que, no Brasil, um acionista responsabilizar um administrador tornou-se quase uma situação teórica.


*Raphael Martins ([email protected]) é sócio de Faoro e Fucci Advogados


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