Obrigações de menos
Depois de anos requisitando informações das companhias, reguladores enfrentam desafio de cortar os excessos. Na União Europeia, balanços trimestrais foram os primeiros a sair de cena

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Nocauteada pela crise, a União Europeia não tem poupado esforços para reanimar seu mercado de capitais, nem que para isso precise lançar mão de remédios controversos. A despeito da crítica de alguns investidores, resolveu, em junho, desobrigar as companhias listadas em bolsa de produzir e divulgar seus resultados financeiros a cada três meses. Assim, a partir de 2015, a prática será semestral. Diminuir os custos de listagem e manutenção dascompanhias abertas, principalmente das pequenas e médias, e atenuar a visão de curto prazo dos investidores são os dois objetivos principais da decisão.

Desde que a crise fiscal assolou o mercado europeu, o número de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) na região caiu consideravelmente. Segundo dados da Ernst&Young, em 2012 as bolsas europeias contabilizaram 263 IPOs, contra 430 em 2011. E não foi só a necessidade de incentivar novas ofertas de ações que levou a Comissão Europeia a promover mudanças nas regras de transparência das companhias abertas. No ano passado, um relatório do economista inglês John Kay chamou a atenção para os malefícios trazidos pela “tirania” da publicação dos informes trimestrais. Conforme Kay, essa prática cria um ciclo disfuncional no mercado, ao incentivar os investidores a analisar os números de curto prazo das empresas, em prejuízo do crescimento e do desenvolvimento delas num horizonte mais longo.

Antes de Kay, outros estudiosos já alertavam para o lado perverso de divulgar informações de curto prazo. Em 2011, o alemão Jürgen Ernstberger, professor da Universidade de Ruhr, publicou o estudo The real business effects of quarterly reports, no qual analisou 15 países europeus em que a publicação de resultados trimestrais é obrigatória. O objetivo era verificar se uma frequência maior na publicação de dados financeiros e operacionais impactava positivamente os negócios das companhias. Estudos anteriores relatavam que essa prática reduzia a assimetria de informação e, como consequência, aumentava a eficiência do mercado de capitais. As conclusões de Ernstberger, contudo, seguiram na direção oposta.

De acordo com o professor, países em que a publicação de balanços trimestrais é mandatória registram mais casos de desvio de conduta dos diretores de companhias abertas do que aqueles que exigem a divulgação a cada seis meses. Essa situação é muito frequente em mercados de ações menos relevantes, onde os salários da administração são elevados, a aplicação da lei é baixa e o horizonte dos acionistas é de curto prazo. “A publicação dos balanços em intervalos de tempo mais curtos cria incentivos ou oportunidades para os diretores tentarem manipular os resultados”, avalia Ernstberger.

Opiniões divididas

Apesar de ter seus defensores, a decisão da Comissão Europeia é vista com cautela por investidores e analistas, inclusive no Brasil. Eles argumentam que os balanços trimestrais permitem um acompanhamento contínuo da gestão das companhias. “Seria melhor ainda se as informações fossem diárias”, ilustra Fábio Carvalho, diretor da Orbe Investimentos. Segundo ele, se o objetivo é desestimular a visão de curto prazo dos acionistas, está se atacando o inimigo errado. “Precisamos educar os investidores, e não diminuir a transparência”, ressalta.

Sócio da consultoria inglesa de negócios e comunicação com investidores Brunswick Group, Thomas Kamm tampouco acredita que o fim dos balanços trimestrais irá diminuir a pressão por resultados no curto prazo. “O mercado é mais forte que as empresas; ele tende a ganhar essa batalha.” Em sua visão, a adoção de uma prática como essa no Brasil seria precoce. “O mercado de capitais brasileiro é recente e precisa de transparência total.”

As empresas pequenas e médias, no entanto, adorariam ver a obrigatoriedade de produção das informações trimestrais (ITRs) desaparecer. No Brasil, toda companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é obrigada a enviar à autarquia suas ITRs em três períodos do ano — maio, agosto e novembro —, conforme requer o artigo 21 da Instrução 480, de 2009. Em caso de atraso na remessa das informações, a CVM aplica uma multa diária de R$ 500 para a empresa inadimplente — as sanções constam no artigo 18 da Instrução 274, de 1998.

Assim como o mercado europeu, o Brasil busca formas de tornar a listagem em bolsa de valores mais acessível para as empresas médias. O assunto está na pauta do Grupo de Trabalho de Ofertas Menores, coordenado pela BM&FBovespa e pela CVM. “O custo e o tempo empregado na produção dos informes trimestrais são muito altos. O regulador deveria torná-los optativos”, defende Ricardo Pansa, CEO da Nutriplant, primeira empresa a se listar no Bovespa Mais, em 2008. O executivo observa que, para as companhias integrantes desse segmento, voltado a emissores de menor porte, a frequência anual na elaboração dos balanços é a mais adequada. “Os investidores de pequenas e médias empresas precisam ter essa visão de longo prazo”, diz.

A opinião de Pansa faz coro com a de Lélio Lauretti, professor e consultor de empresas. “Em vez de obter benefícios por acessar o mercado de capitais, as companhias são penalizadas com os altos custos de produção desses informes”, critica. Segundo levantamento feito pela Deloitte em 2011, uma empresa média no Brasil gasta aproximadamente R$ 200 mil por ano para custear a produção e publicação de seus informes financeiros, entre ITRs, formulário de referência e demonstrações financeiras anuais. A maior parte desse valor é usada para pagar os auditores independentes e viabilizar a publicação dos balanços em ao menos dois jornais de circulação nacional.

Diretor da empresa de automação Altus, recém-listada no Bovespa Mais, Fabiano Favaro considera que a periodicidade de produção dos balanços poderia estar alinhada ao ciclo operacional da empresa. Nesse modelo, ela só divulgaria a ITR se a publicação de resultados trimestrais fizesse sentido para o seu negócio. No caso da Altus, Favaro destaca que essa periodicidade é, sim, a mais indicada. Além disso, ele pondera que a elaboração e a auditoria dos balanços em períodos curtos têm o benefício de facilitar a produção dos resultados anuais — de acordo com o artigo 25 da Instrução 480, a entrega de toda e qualquer demonstração financeira à CVM deve acompanhar um parecer de auditor independente. “Dessa forma, não acumulamos tanto trabalho para o fim do ano”, comenta.

Em artigo publicado no jornal Financial Times, o economista John Kay traz uma visão diferente. Investidores e companhias que conversaram com ele apontaram os bancos como as únicas instituições para as quais uma divulgação trimestral de resultados faria sentido. Para Kay, nem isso. “Esse julgamento não poderia estar mais equivocado. A rentabilidade da maioria das atividades financeiras deve ser julgada olhando um ano inteiro ou mais”, critica. “Basta observar os danos incalculáveis causados pela apresentação de lucros espúrios pelos bancos, derivados da marcação de ativos a valores de mercado ilusórios ou de avaliações baseadas em modelos hipotéticos.”

A decisão da Comissão Europeia é vista com cautela por investidores e analistas, inclusive no Brasil. Eles argumentam que os balanços trimestrais permitem um acompanhamento contínuo da gestão das companhias

Informação demais

Para os que julgam os informes trimestrais uma informação não apenas potencialmente perigosa, mas também desnecessária, o cenário brasileiro causa ainda mais indignação. As nossas ITRs são maiores dos que as produzidas por grandes companhias americanas e europeias. Enquanto os últimos resultados trimestrais publicados pela Coca-Cola apresentam, em média, 70 páginas, os da Ambev possuem cerca de 120. Já as ITRs da hispano-americana Repsol têm cerca de 30 páginas, contra 100 da Petrobras.

Rodrigo Alves, presidente da consultoria de relações com investidores MZ Group, explica que a diferença de tamanho ocorre porque muitas companhias brasileiras repetem nas ITRs informações já publicadas em outros documentos, como o formulário de referência. “As empresas também poderiam ser mais sucintas na seção destinada a contextualizar e explicar os resultados operacionais do período”, opina. Para se ter uma ideia, a ITR da Petrobras referente ao segundo trimestre reserva 25 páginas, de um total de 98, para os comentários de desempenho da companhia. O documento da Ambev dedica 26 de 126.

Os reguladores demandaram informações das companhias por vários anos. Agora, se veem diante da necessidade de cortar os excessos sem desproteger os investidores. A Comissão Europeia começou com os balanços trimestrais, mas ninguém sabe se esse será o fim da linha. Em uma economia camba-
leante, é natural surgirem propostas para tornar mais leves os encargos das companhias com vistas a estimulá-las a abrir o capital. Alcançar o equilíbrio entre obrigações e incentivos é o desafio que se impõe para preservar a transparência.


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