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O futuro da regulação
Criador da Lei Dodd-Frank fala sobre Trump, excesso de regras e tecnologia
Christopher Dodd

Christopher Dodd

Assinada em 2010 por Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos, a Lei Dodd-Frank impôs uma série de regras a serem seguidas por bancos e companhias de capital aberto. Criadas na esteira da crise de 2008, que expôs a pouca preocupação de instituições financeiras e empresas de crédito imobiliário com conflitos de interesses e gestão de riscos, essas normas tinham o objetivo de evitar que outro colapso atingisse o sistema financeiro global.

Pois a Dodd-Frank agora está de novo em evidência. O presidente Donald Trump, eleito pelo partido republicano em novembro de 2016, prometeu revogá-la. Segundo ele, o excesso de normas estaria prejudicando a livre concorrência e se transformando em um fardo para pequenos bancos.

Um dos pais da Lei Dodd-Frank foi o advogado e político democrata Christopher Dodd, que ocupou uma cadeira no Senado americano pelo estado de Connecticut por 30 anos. Ele deixou o Congresso em 2011 e hoje é conselheiro do escritório Arnold & Porter. Em entrevista à CAPITAL ABERTO, Dodd falou sobre os rumos de sua criação, o cenário regulatório para novas tecnologias, as exigências criadas pela Lei Sarbanes-Oxley e a situação do Brasil.

CAPITAL ABERTO: A Lei Dodd-Frank  tem sido criticada pelo presidente Trump, que alega que a lei é um fardo para empresas e que impede a economia de crescer. Como o senhor encara essa crítica?

Christopher Dodd: Digo isso respeitosamente, mas duvido que o presidente tenha noção de todas as medidas previstas na lei. Dizer que quer revogá-la é uma afirmação política. Acredito que a lei vem funcionando bem, assim como as economias dos Estados Unidos e do mundo. Por aqui é crescente a quantidade de empregos. A legislação contribuiu para essa estabilidade e para a retomada da confiança — muitos parecem ter se esquecido de que após a crise de 2008 centenas de milhares de pessoas perdiam o emprego a cada mês. Mas sou o primeiro a reconhecer que a lei não é perfeita e que deve passar por mudanças para que seja adaptada à realidade atual.

CAPITAL ABERTO: Uma das principais críticas à Lei Dodd-Frank é que, apesar de ter sido criada para evitar que bancos se tornassem grandes demais para falir, teve o efeito adverso, impondo custos de conformidade muito altos para instituições pequenas e médias e permitindo a sobrevivência apenas de quem pode arcar com os custos de regulação. Como o senhor responde a esse tipo de argumento?

Dodd: É verdade que há custos elevados de conformidade que devem ser levados em consideração, mas o custo de se deixar as coisas como estavam também seria muito alto. O ambiente regulatório não acompanhava os avanços tecnológicos e os novos modelos de negócio e produtos financeiros que surgiam. Era preciso, por exemplo, que os títulos securitizados passassem por due dilligence, para que se verificasse se de fato valiam alguma coisa. Com relação aos bancos, concordo que o gatilho para que as instituições tenham que cumprir regras mais severas deve ser aumentado¹ e acho razoável isentar bancos pequenos do cumprimento da Volcker Rule². Creio que os legisladores estão indo na direção certa.

CAPITAL ABERTO: O presidente Trump tem se manifestado a favor da volta do Glass-Steagle Act [promulgada em 1939 e revogada em 1999, determinava que bancos de investimento e bancos comerciais deveriam ser empresas completamente separadas]. O senhor acha isso razoável, factível?

Dodd: É curioso que falem em revogar a Dodd-Frank e em reativar o Glass-Steagall. Me parece contraditório querer menos regulação de um lado e mais de outro. Mas acredito que com a tecnologia atual uma separação entre bancos comerciais e de investimento seria factível. Só que eu não apoiaria essa medida — até porque se a Glass-Steagall estivesse em vigor nos anos precedentes à crise de 2008 não teria feito diferença alguma, uma vez que os problemas não foram causados pela fusão desses dois tipos de instituição. Acho desnecessário e improvável que a medida volte a vigorar.

CAPITAL ABERTO: A Lei Sarbanes-Oxley, promulgada em 2002 após o escândalo da Enron, também é alvo de críticos, que dizem que as exigências para empresas listadas são muito pesadas. Alguns especialistas afirmam que ela está por trás da diminuição de IPOs nos Estados Unidos. Essa visão faz sentido, na sua opinião?

Dodd: É verdade que reguladores muitas vezes se excedem ao aplicar as leis, e esse é um dos motivos pelos quais elas devem ser revisitadas e reformadas de vez em quando. Isso se aplica também à Sarbanes-Oxley, mas seria muito simplista dizer que empresas estão menos inclinadas a abrir o capital só por causa da lei. Muitas empresas vêm se questionando se abrir o capital é financeiramente vantajoso para elas por várias razões — e custos de conformidade são apenas uma delas. Algumas preferem [permanecendo fechadas] ter mais controle de suas decisões, por exemplo.

CAPITAL ABERTO: Muitos países, incluindo o Brasil e os Estados Unidos, estão implementando leis para combater a corrupção. Quais devem ser os cuidados na elaboração dessas medidas?

Dodd: A interconexão e a interdependência entre os países aumentou muito na última década. Por esse motivo, se a crise de 2008 tivesse acontecido agora, creio que o efeito seria muito pior para a economia global. É de interesse geral que haja cooperação entre legisladores e reguladores de diferentes países na hora de criarem leis para prevenir corrupção e lavagem de dinheiro e é preciso ter cuidado para que não surjam nações que sejam um porto seguro para fraudes. Isso poderia prejudicar todos os países.

CAPITAL ABERTO: Tanto a Dodd-Frank quanto a Sarbanes-Oxley foram criadas em respostas a crises de suas épocas. Hoje presenciamos a emergência de fintechs e de criptomoedas, que prometem revolucionar o sistema financeiro global. Como os reguladores devem se portar neste momento?

Dodd: Não foi à toa que executivos como Jamie Dimon [CEO do banco J.P.Morgan Chase] já demonstraram preocupação com relação ao bitcoin e a outras criptomoedas. Trata-se de um mercado totalmente à parte de regulação e com muitas flutuações. Já as fintechs oferecem muitos serviços que antes eram exclusividade dos bancos e estão criando um universo paralelo. Não sou contra o surgimento de produtos e negócios, mas é preciso entender e fiscalizar esses mercados, sem desencorajá-los. Se eu estivesse hoje à frente de alguma comissão do sistema financeiro no Senado, estaria promovendo longas audiências sobre segurança tecnológica.

CAPITAL ABERTO: Qual a sua visão sobre a situação atual do Brasil?

Dodd: Antes de responder à pergunta, gostaria de contar algo pessoal. Há 50 anos eu fiz um mochilão pelo Brasil, com um companheiro de viagem brasileiro e outro peruano. Gosto muito do País, voltei várias vezes ao longo dos anos. O Brasil tem sido um mercado importante não só no contexto da América Latina, mas também globalmente. É um país fabuloso que está passando por uma fase difícil, mas eu sou muito otimista. Acredito que o Brasil continuará a ter um papel importante na área de serviços financeiros, recursos naturais e em muitos outros setores.


¹ Atualmente, bancos com pelo menos 50 bilhões de dólares em ativos devem cumprir uma série de exigências, como testes de estresse. Está sendo discutido no Congresso americano um projeto que eleva esse gatilho imediatamente para 100 bilhões de dólares e em 18 meses para 250 bilhões de dólares.

² A regra determina que bancos devem ter como remuneração apenas um percentual dos ganhos que obtêm aplicando recursos de clientes — não podem usar seu capital para fazer transações como investimentos em ações ou derivativos. Mas há uma série de negociações que são permitidas, como formação de mercado e hedge. Os bancos argumentam que os custos para provar que fizeram transações legais é alto demais.


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