M&A pós-Lava Jato
Os efeitos do combate à corrupção no País nas operações de venda de ativos
Camila Borba Lefèvre*

Camila Borba Lefèvre*

A Lava Jato e outras operações correlatas que surgiram nos últimos anos para investigar atos de corrupção em vários setores de governo tiveram um grande impacto no Brasil. Pela primeira vez, o País viu empresários poderosos sendo condenados e presos por atos envolvendo corrupção. Penalidades inéditas foram aplicadas a grandes conglomerados empresariais, que tiveram seus nomes, suas marcas e sua reputação fortemente abaladas por envolvimento com ilícitos. Mais recentemente, a condenação em segunda instância de um ex-presidente da República evidenciou a rigidez com que o Ministério Público e o Poder Judiciário vêm aplicando a lei, ficando cada vez mais claro que um determinado tipo de comportamento, tanto por parte das autoridades quanto do setor privado, não é mais aceitável. A decisão do TRF4 em relação ao recurso do ex-presidente Lula mostra inclusive que um conjunto de fatos e sua contextualização podem sim servir como prova de ilícitos — mesmo que os fatos considerados individualmente não sejam suficientes para uma condenação, não sendo possível apegar-se a formalismos para evitá-la.

Diante desse cenário, não há dúvida de que algo mudou no País. E essa mudança também vem afetando a condução das operações de venda de ativos (M&A). Até pouco tempo atrás, as principais preocupações dos investidores, de forma geral, eram dirigidas a riscos trabalhistas e fiscais e, dependendo do setor, a riscos regulatórios e ambientais. Mais recentemente, o foco da due diligence nas operações tem migrado para os riscos envolvendo compliance e o cumprimento da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13).

Essa lei inovou ao responsabilizar a pessoa jurídica de forma objetiva (independentemente de culpa ou dolo) por atos ilícitos praticados em seu nome ou em seu benefício. Segundo o seu artigo 4º, a responsabilidade da pessoa jurídica não cessa na hipótese de uma alteração societária. Embora a redação do artigo seja confusa e não contemple todos os tipos de mudança do quadro societário, o entendimento que prevalece é o de que a responsabilidade por atos de corrupção permanece na hipótese de venda do negócio, seja por meio de troca de controle ou por reestruturação societária.

Além disso, a lei estabelece que empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico são solidariamente responsáveis pela prática dos ilícitos — de forma que, em uma aquisição, o comprador pode levar para dentro de seu grupo responsabilidades envolvendo ilícitos praticados pela empresa-alvo ou por qualquer outra do seu antigo conglomerado, mesmo que não relacionadas com o negócio que está sendo comprado. A empresa adquirida pode vir a sofrer penalidades que afetam o negócio substancialmente, inclusive com a perda de direitos que possam ter uma ligação com os ilícitos praticados.

Nesse contexto legislativo, do ponto de vista do comprador, a due diligence anticorrupção se torna um elemento essencial na avaliação dos riscos envolvidos em uma aquisição. Do lado das autoridades, a due diligence aprimorada também é interessante, pois eleva as possibilidades de revelação de atos ilícitos, dados os benefícios que a lei oferece, por meio do acordo de leniência, para a empresa que denunciar ilícitos eventualmente identificados no contexto de uma operação.

Caso a due diligence revele a existência de riscos que o comprador não está disposto a assumir, é possível ainda avaliar os cenários que podem alterar a situação e mitigá-los — como a possibilidade de acordo de leniência. Além dessas alternativas, existem técnicas contratuais (que até há pouco tempo eram incomuns) para se abordar os riscos pós-fechamento de responsabilização por atos de corrupção. Em alguns casos, é importante, por exemplo, identificar no contrato cenários que podem levar ao desfazimento da operação e quais seriam as consequências desse desfecho.

Com o endurecimento generalizado da aplicação das leis anticorrupção, a avaliação criteriosa dos riscos envolvendo esse tipo de ilícito e da melhor maneira de tratá-los se torna imprescindível. Trata-se de uma mudança de paradigma que, além de influenciar a vida de indivíduos e empresas — e, quem sabe, o rumo político do País —, não poderia deixar de afetar a forma como as operações de venda de ativos são e devem ser conduzidas daqui para frente.


*Camila Borba Lefèvre ([email protected]) é sócia da área de M&A do Vieira Rezende Advogados

 


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