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Leniência no limbo
Novo texto da MP 784 enfraquece delações no âmbito da CVM
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

A edição da Medida Provisória (MP) 784, em junho, entusiasmou o mercado ao dar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) um poder de fogo inédito. O normativo autorizou a autarquia a aplicar multas mais polpudas, firmar acordos de leniência e gerir um fundo abastecido com recursos oriundos dos termos de compromisso. Em sua tramitação na Câmara, a MP 784 recebeu 93 emendas. Relatora da medida provisória, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) consolidou as proposições feitas pelos parlamentares e apresentou, na semana passada, parecer favorável à aprovação do novo texto — o prazo final para transformação da MP em lei é 19 de outubro. O problema é que, com as mudanças, a artilharia do regulador ficou chamuscada.

De acordo com o relatório apresentado pela senadora, a majoração das multas foi mantida. A pena máxima aplicável pela CVM, que hoje é de 500 mil reais, passará para 500 milhões de reais se o texto for aprovado sem mais modificações — a votação pela comissão mista da MP 784 está agendada para 5 de setembro e, em caso de aprovação, ela segue para sanção presidencial. O acordo de leniência também permanece no texto, mas as emendas feitas em relação ao dispositivo arrefeceram as expectativas de uso do mecanismo. “Infelizmente, da forma como ficou redigido, o acordo de leniência tende a ser um instrumento pouco usado”, avalia Kenneth Ferreira, sócio do TozziniFreire Advogados.

Inicialmente, esperava-se que os acordos de leniência ajudassem a CVM a apurar casos de difícil comprovação, como os de insider trading e manipulação de mercado. A atual versão da MP 784, no entanto, não oferece atrativos à delação de crimes contra o mercado de capitais (listados na Lei 6.385/68), uma vez que o acordo de leniência celebrado pela autarquia não concederá perdão no âmbito criminal, apenas no administrativo. Portanto, no caso de crimes, assim como já ocorre hoje, a CVM continuará notificando o Ministério Público Federal (MPF), que tomará as devidas providências. O procedimento, vale destacar, é diferente do que ocorre no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que também pode firmar acordos de leniência. No órgão antitruste, o principal atrativo do instrumento é a extinção das penalidades aplicáveis ao crime de cartel.

, Leniência no limbo, Capital Aberto

A delação de ilícitos administrativos (aqueles que não têm repercussão criminal), como transações com partes relacionadas e falha no cumprimento de dever de lealdade de administradores, tendem a ser raridade, opinam especialistas. Essas infrações, observam, não reúnem as características que fazem um acordo ir adiante — dificuldade do regulador de conseguir provas pelos meios tradicionais de investigação e o medo do infrator de ser descoberto e punido, a ponto de querer confessar a prática de irregularidades e colaborar com as investigações.

Os termos de compromisso — acordos que encerram uma investigação em curso em troca do compromisso de interrupção da má prática — também concorrerão com os acordos de leniência. “Por que alguém faria um acordo de leniência se é possível esperar que uma investigação seja iniciada para só aí propor um termo de compromisso sem assumir culpa alguma?”, questiona o advogado Vinicius Marques de Carvalho, ex-presidente do Cade.

Além de ter que se contentar com um acordo de leniência pouco atrativo, a CVM vê naufragar a ideia de contar com um fundo voltado ao financiamento de ações que desenvolvam o mercado. A criação do veículo, abastecido com recursos dos termos de compromisso, foi retirada do relatório sob a justificativa do contingenciamento das contas públicas. O texto original da MP previa que os recursos seriam “movimentados exclusivamente por intermédio dos mecanismos da conta única do Tesouro Nacional”.

Apesar das derrotas, interlocutores que participaram da tramitação da MP não se deram por vencidos. O mais importante, afirmam, é garantir que o texto seja transformado em lei dentro do prazo. “Sabemos que o texto está longe do ideal, mas se virar lei podemos trabalhar em ajustes posteriores”, afirmou uma fonte.

Insider trading secundário vira crime

As novidades do relatório da senadora Lídice da Mata (PSB-BA) a respeito da Medida Provisória 784 não se restringem ao acordo de leniência. O texto propõe mudanças na redação dos trechos da Lei 6.385/68 que especificam os crimes contra o mercado de capitais, entre eles o insider trading.

A versão vigente do artigo 27-D define como crime de insider trading a utilização de “informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo”. Como nas companhias abertas a obrigação de manter segredo sobre informações relevantes é dos administradores, a redação virou um obstáculo para condenações criminais por insider trading secundário — quando a negociação é feita não pelo administrador, mas, por exemplo, por uma pessoa que dele recebeu informação privilegiada.

No relatório, a redação do artigo 27-D suprime a parte que cita a obrigação de sigilo. O texto diz que é crime “utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários”. Com essa mudança, tanto o insider primário quanto o secundário passam a ser considerados crimes contra o mercado de capitais. Além disso, o novo texto tornou o insider primário um agravante — logo, quem cometer esse crime terá a pena aumentada em um terço.

O artigo 27-C, sobre manipulação de mercado, também sofreu alterações. De acordo com o novo texto, constitui crime “realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida”. A redação anterior era mais abrangente — configurava como manipulação de mercado a realização de operações simuladas ou de manobras fraudulentas que tivessem como finalidade alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados.


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