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Faz sentido tributar os dividendos? 
Especialistas discutem pertinência da proposta e seus impactos 
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Ilustração: Rodrigo Auada

Quando o assunto é reforma tributária, as propostas do presidente eleito Jair Bolsonaro ainda não estão definidas. Mas seu guru econômico, Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, já declarou ser favorável ao fim da isenção fiscal dos dividendos no Brasil. Durante a campanha de Bolsonaro, o economista sugeriu a criação uma alíquota de 20% sobre a distribuição de lucros aos sócios.  

Essa seria uma forma de elevar a arrecadação do Estado e alinhar o País a uma tendência mundial — dentre os 37 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas a Estônia não tributa os dividendos. Nos outros, há uma carga menor sobre lucros empresariais e uma maior sobre dividendos. Após descontos e deduções, a alíquota média sobre dividendos nas economias que compõem a OCDE subiu de 19,6% para 23,8% entre 2008 e 2018, enquanto a tributação corporativa diminuiu de 25,5% para 23,6% (leia também a reportagem “Chegou a hora de tributar os dividendos?”). 

Com o objetivo de discutir a pertinência do fim da isenção fiscal dos dividendos no Brasil e entender se ela seria uma solução recomendável para o Brasil, principalmente diante da crise fiscal, a CAPITAL ABERTO realizou o Grupo de Discussão “Tributação de Dividendos”, em setembro. Participaram do encontro Durval Portela, líder de Tax na PwC; Álvaro Frasson, analista sênior de ações na Spinelli CVMC; Eduardo Salusse, sócio do Salusse Marangoni Advogados; Jules Queiroz, advogado na Câmara dos Deputados; Lucilene Silva Prado, sócia do Derraik Menezes Advogados e Luiz Felipe Centeno Ferraz, sócio do Mattos Filho Advogados. A seguir, os destaques do encontro.  

CAPITAL ABERTO: Qual é o histórico da tributação de dividendos no Brasil? 

Durval Portela: Até 1988, o Brasil tributava os dividendos. Houve uma evolução para a não incidência e a instituição do Imposto sobre o Lucro Líquido (ILL), que foi julgado inconstitucional. Os lucros formados a partir de 1º de janeiro de 1996 passaram a estar isentos pelo imposto de renda na fonte. À época, o objetivo era integrar completamente a tributação da pessoa física com a da pessoa jurídica, por questões de simplificação e para aumentar a eficácia no processo de fiscalização das atividades do contribuinte. Adicionalmente a essa medida, instituiu-se os juros sobre capital próprio (JSCP). Temos atualmente quatro projetos de lei em discussão no Congresso Nacional sobre tributação de dividendos. Os dois mais recentes propõem revogar o JSCP, além de introduzir tributação na fonte dos dividendos.  

CAPITAL ABERTO: Quais são os prós e contras desses projetos? 

Durval Portela: Identifico uma preocupação em se tributar uma camada da população brasileira que supostamente poderia contribuir mais com o pagamento de impostos. Como se, ao se instituir essa tributação, não houvesse naturalmente movimentos do contribuinte para se reduzir a carga tributária. O que não identifico nesses projetos é um grau de elaboração maior em termos de políticas econômica e fiscal. Os cálculos sobre os ganhos tributários são, geralmente, muito simplórios, com uma matemática que pensa em uma alíquota de 15% ou 20% sobre toda a informação relativa a dividendos no Brasil fornecida pelo Banco Central. Não funcionaria bem assim na prática.  A reinserção da tributação de dividendos passa por uma pressão pelo aumento da arrecadação, e essa é uma realidade global. Alinha-se a esse movimento o argumento de que a maioria das jurisdições impõe a tributação, principalmente nos países-membros da OCDE — apenas a Estônia não tributa dividendos. Mas essa é uma verdade muito relativa. A reforma tributária norte-americana trouxe outras luzes para essa agenda, principalmente porque ela contempla uma redução abrupta na alíquota do imposto de renda americano com o objetivo de atrair investimentos.  

CAPITAL ABERTO: Então, tributar dividendos é uma tendência mundial? 

Durval Portela: Fizemos uma pesquisa em 20 países-membros da OCDE que mostra que existem exceções importantes. O Reino Unido, por exemplo, fez um movimento de não tributar dividendos distribuídos para os sócios para atrair empresas. A maioria dos países tributa diretamente na fonte a distribuição de dividendos. Entretanto, isso é feito com inúmeras regras de desoneração muito alinhadas com políticas econômicas. Existem exceções para não-residentes; desoneração de pagamentos entre pessoas jurídicas dentro do próprio território; dispensa de retenções e pagamentos para não-residentes; isenções condicionadas à incidência do imposto corporativo nas pessoas jurídicas em um determinado patamar; e até mesmo a restituição em dinheiro obedecendo determinados requisitos. Em todos esses países, há uma vasta rede de acordos para evitar a dupla tributação. Infelizmente, o Brasil tem uma expressão ínfima em termos de tratados de cooperação. Essa é uma diferença fundamental. Inúmeros países tributam dividendos, mas não tributam da forma que se quer instituir no Brasil. Eles tributam dividendos segundo parâmetros de política fiscal definidos.  

CAPITAL ABERTO: Como isso precisaria ser feito no Brasil? O que precisamos pensar para o futuro?  

Durval Portela: Uma possível tributação de dividendos deveria vir acompanhada de uma agenda de reforma da tributação corporativa brasileira. Nessa agenda, precisaria estar estabelecido que a alíquota não representaria aumento de carga tributária. Se há algum tipo de abuso na questão da “pejotização” para fugir de impostos, ele deve ser coibido no campo da fiscalização eficiente, não com a reinserção da tributação de dividendos. Precisamos nos focar agora em medidas que possibilitem um substancial aumento da competitividade das empresas brasileiras e uma maior participação delas nas cadeias de valor globais. Assim, o Brasil poderá se tornar um polo sério de atração de investimentos externos. Uma reintrodução da tributação de dividendos que não venha acompanhada de uma reforma ampla da tributação corporativa e que não busque endereçar esses propósitos, não deveria ser levada a efeito.  

Lucilene Silva Prado: Nossa última reforma de tributação foi em 1996 e, 22 anos depois, ainda estamos discutindo uma reforma de modo não-sistêmico. A renúncia tributária que está no orçamento da União é de 306 bilhões de reais, então os 40 bilhões de reais que poderiam advir da tributação dos dividendos poderiam ser obtidos cortando algumas renúncias que não se sabe bem porque existem. O perfil das empresas e do formador de capital mudou. Hoje, um garoto de uma universidade de engenharia consegue criar uma empresa que em cinco anos tem valor de 1 bilhão de dólares. Como essa formação de capital é tributada? Como capturar essa renda? A ideia é refletir para onde queremos ir.

Acredito que as grandes corporações tendem a diminuir nos próximos 30 anos e tenhamos corporações menores, mais integradas numa economia colaborativa, em um outro formato de capitalismo e que, portanto, vai exigir uma nova tributação. Nós estamos diante de um enfrentamento de uma nova economia, da qual o Brasil precisa participar. São 210 milhões de consumidores e nenhuma empresa estrangeira vira as costas para esse número. Devíamos passar a olhar para quais são os novos modelos de negócios, que fluxos de capital esses negócios vão gerar e como capturar a tributação mais da renda consumida do que da investida. Renda investida gera mais negócios que, por sua vez, outros tributos da economia dão conta de tributar.  

Ainda estamos discutindo uma reforma de modo não-sistêmico — Lucilene Silva Prado

CAPITAL ABERTO: Como pensar na questão de forma mais ampla, de olho no futuro? 

Lucilene Silva Prado: Depois de decidir os impactos que se quer produzir com uma reforma tributária, observam-se quais objetivos se quer atingir e quais resultados se pretende colher. Algumas possibilidades seriam objetivos como o fim das distorções, uma arrecadação mais eficiente, uma tributação que incentive os fluxos para novos reinvestimentos. 

Eduardo Salusse: Discutir a tributação de dividendos isoladamente é descabido. Há uma tendência de desoneração das corporações para atrair investimento, mas o ponto principal neste momento é arrecadatório. Nós estamos numa crise enorme. O imposto de renda de 34% sobre o lucro das empresas é uma arrecadação certa, é a principal receita da união. Segregar essa tributação e empurrar o restante para o momento seguinte, da distribuição do lucro aos sócios, é postergar a tributação. Do ponto de vista orçamentário, não faz sentido porque o Estado não sabe quando essa receita vai entrar e fica sujeito ao lucro e à vontade do acionista de distribuir lucro. Nós não temos esse fôlego. O Brasil não pode abrir mão de um centavo de arrecadação.  

A tributação do lucro tem uma função anticíclica no plano macroeconômico — ela enxuga capital do mercado em momento de intensa atividade econômica e devolve em época de profunda recessão. Se eu diminuo esse potencial, eu vou entrar em uma possível armadilha. Vamos comparar com a Estônia? O endividamento lá é de 9% do PIB; no Brasil, esse percentual chega a 80%. A Estônia tem uma saúde financeira invejável e o menor índice de desemprego da Europa. A Estônia não tributa dividendos, mas a tributação na pessoa jurídica é de 20%. A nossa é superior a 34% no fim das contas. É a segunda maior dos países da OCDE.  

CAPITAL ABERTO: Essas comparações estão em linha com os estudos da Câmara? 

Jules Queiroz: A isenção da tributação de dividendos em si não é perniciosa, mas ela foi sendo combinada com outros regimes que acabam gerando uma subtributação de estruturas tributárias. Essa distorção beneficia um setor da sociedade que tem muito impacto no processo decisório do Congresso e essas iniciativas de tributação de dividendos surgem como respostas rápidas a uma necessidade de ajuste fiscal nas despesas. Os projetos que o Durval citou são de 2015, quando Eduardo Cunha tentava impor uma agenda de ajustes no Congresso. No contexto das eleições deste ano, em que existe uma realidade de limitação orçamentária, os candidatos buscavam novamente ajustes no campo da receita para comportar determinadas propostas de despesas. É impossível fazer uma reforma simplesmente mexendo na lei do imposto de renda, porque essa talvez seja a menor preocupação do empresário. Ele vai ter que pagar ICMS, IPI e vários outros impostos. Ao contrário da maioria do resto do mundo, nós não temos IVA [imposto sobre o valor agregado] ou sales tax.  

CAPITAL ABERTO: Como se daria essa reforma, então? 

Jules Queiroz: É importante uma reforma ampla no sistema. Eu chamo a atenção para o risco dessa tributação de dividendos porque, se houver, ela será feita em um formato de uma espécie de imposto de renda, um tributo de competência residual. É muito mais fácil a tributação de dividendos ser aprovada por meio de projeto de lei do que numa reforma ampla com caráter constitucional.  

CAPITAL ABERTO: O mercado está preparado para lidar com a tributação de dividendos? 

Álvaro FrassonA Spinelli simulou no ano passado o que aconteceria com o principal índice do mercado acionário brasileiro se os dividendos passassem a ser tributados a alíquotas entre 10% e 15% e identificou a possibilidade um “curto circuito” no Ibovespa no dia do anúncio da medida, ocasionado pela queda de mais de 10% do índice em um dia. Em um momento recessivo do País, não há espaço para mais uma alíquota, porque isso poderia gerar menos incentivo à produção e à retomada da economia brasileira. O mercado financeiro está atento às propostas políticas, e o Brasil está caminhando para esse modelo da OCDE de diminuir o imposto de renda sobre a pessoa jurídica e aumentar a alíquota sobre a tributação de dividendos. Mas é preciso haver uma forte revisão para baixo da alíquota de imposto de renda para que o mercado acredite que algumas empresas possam se beneficiar da mudança. Por outro lado, as empresas não alavancadas vão conseguir ter mais caixa para gerar um processo de retomada.  

Luiz Felipe Centeno Ferraz: O Brasil se fia nessa visão de que o mercado não vai virar as costas para 210 milhões de consumidores para trazer tanta tributação. Em 1996, quando a isenção foi criada, o Brasil tinha um PIS/Cofins de 3,65%. Hoje ele aumentou para 9,25%, funcionando quase como um novo imposto de renda, porque ele tributa todas as receitas da empresa e a tomada de boa parte de créditos. Não adianta tentar falar em tributar dividendos e compensar isso na pessoa jurídica se existem possibilidades sendo discutidas de reforma para aumentar a alíquota do PIS/Cofins. Quando falamos de tributação de dividendos, a gente dá um passo atrás para falar da tributação da pessoa jurídica. Mas precisamos voltar ainda mais e pensar no PIS/Cofins. Sem isso, fica meio capenga. 

É mais fácil a tributação de dividendos ser aprovada por meio de projeto de lei do que numa reforma ampla com caráter constitucional — Jules Queiroz

CAPITAL ABERTO: Essa discussão passa pela tributação do consumo?  

Lucilene Silva Prado: A tributação do consumo precisa ser revista. Essa distorção que foi gerada está nos balanços das companhias. Hoje, há uma carga efetiva muito próxima de 10% do PIS/Cofins, que sofre ainda enorme judicialização.  

Jules Queiroz: Essa judicialização se retroalimenta. O STF julgou um contencioso de 250 bilhões de reais e isso gerou a discussão sobre o ICMS na base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta no STJ. Agora sai uma liminar tirando o ICMS da base de cálculo do imposto de renda que reabre um contencioso que já estava morto porque o PIS/Pasep e o Cofins foram criados como uma reação da União à perda de arrecadação.  

Luiz Felipe Centeno Ferraz: É uma discussão que nunca acaba. A tributação de dividendos é só a pontinha e, quando você puxa, vem todo o resto. É claro que ela pode vir por medida provisória, mas ela é só a ponta de uma reforma muito maior que precisa ocorrer.  

Lucilene Silva Prado: Em 2012, havia um grupo de empresários pedindo no Senado para voltar a ser tributado por PIS/Cofins. Isso é a distorção do sistema quando não se entende que a economia é interligada. 

Durval Portela: O Brasil está patinando na agenda de uma reforma mais ampla. O Brasil é um país muito digitalizado em relação ao seu processo de arrecadação e, ainda assim, não consegue inserir dentro da tributação uma gama da sociedade imensa. Não conseguimos trazer a economia informal para contribuir e assim reduzir o déficit fiscal.   

Luis Fernando Giacobbo (sócio da PwC responsável pela prática de consultoria tributária)A não-cumulatividade do PIS superou a expectativa em termos de arrecadação e isso foi estendido para o Confins. Na sequência, surgiram novas modificações na legislação para atender os diversos setores em bases muito particulares. Esse é um recurso financeiro que poderia estar na economia gerando novas riquezas. A tributação do dividendo, da forma que está sendo debatida a nível nacional, é mais um remendo no sistema. Nós estamos ficando para trás como nação.  

Alex Rodrigues: Como funciona o rito desse projeto?  

Durval Portela: É Lei Ordinária. Basta uma aprovação do Congresso, um referendo do Senado e a aprovação do presidente. Segue todo o rito dos princípios constitucionais relativos à alteração do imposto de renda, mas o processo é ordinário valendo a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da promulgação da norma. Sendo pragmático, a reinserção da tributação de dividendos deve acontecer e a sociedade como um todo deve se organizar para que aconteça da forma mais racional possível. O Congresso é muito sensível a isso. A tributação só pode alcançar lucros a serem auferidos, porque da forma como está proposta a nossa lei isentaria a formação do lucro, não a distribuição. Lucros represados continuariam isentos.  

Ana Campos: Sou sócia da Grounds Serviços Contábeis. Minha pergunta é: deveríamos começar pela reforma do sistema tributário ou pela reforma previdenciária?  

Lucilene Silva Prado: Inicialmente, eu acreditava que a reforma previdenciária deveria ser feita em paralelo com a tributária. Refletindo mais, é muito difícil para a União fazer uma reforma tributária com risco de perder arrecadação e com a sombra de uma despesa previdenciária impraticável. Isso paralisaria os agentes da reforma. Enfrentar a previdência primeiro liberaria caminho para a reforma tributária. A União não participou da discussão da Constituição de 1988 e acabou abrindo mão de todos os impostos em prol do ICMS e assumiu uma tributação de renda de forma incerta. A Constituição tem uma armadilha porque ela impõe grandes encargos aos municípios, que cuidam da educação básica, da coleta do lixo, do saneamento, da saúde… E quem tem a maior arrecadação não são os municípios. É preciso discutir os encargos dados a cada um dos entes da federação.  

Álvaro FrassonDo ponto de vista do mercado, o marco zero deveria ser a previdência. Por mais que tenhamos de passar por um novo modelo de tributação, o mercado está muito preocupado com o ponto de vista do endividamento do governo. 

Durval Portela: A reforma da previdência precisa ser a primeira por uma questão lógica. Se iremos mexer em tributação, temos que mexer em contribuição social.  


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