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Derrotas da essência sobre a forma
Episódios recentes evidenciam necessidade de uma nova postura do auditor
Isabella Saboya*

Isabella Saboya*

Os códigos produzidos por associações como Abrapp (previdência privada), Amec (investidores) e IBGC (governança corporativa) nos últimos três anos privilegiam a essência sobre a forma. São, portanto, baseados em princípios; são bússola, e não uma lista de prescrições. A eficácia dos códigos prescritivos hoje está sub judice, pelo fato de alimentarem a danosa mentalidade de se “cumprir tabela” (box ticking mentality), o que torna a adesão meramente superficial, com poucos efeitos práticos.

Enquanto reguladores, autorreguladores, companhias e a maioria de seus stakeholders avançam rapidamente na incorporação do conceito “essência sobre forma”, os auditores contábeis, que por força de mandato deveriam desde o início desta década estar à frente desse processo, parecem, na verdade, resistir e insistir numa indevida aderência ao formalismo das suas normas e padrões.

É possível constatar essa relutância em dois exemplos recentes: a decepção com o novo relatório do auditor e a incompreensível decisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o caso de hedge accounting da Petrobras.

Ao longo de todo ano passado, a expectativa era enorme em torno do chamado “novo relatório do auditor”. As discussões sobre o tema prometiam uma verdadeira mudança de paradigma. As elucubrações em torno do que seria o novo relatório indicavam que veríamos algo há muito desejado pelos usuários das demonstrações financeiras: uma verdadeira opinião dos auditores sobre assuntos razoavelmente inacessíveis para o público externo.

O formato do novo relatório demandava uma seção exclusiva indicando os PAAs (principais assuntos de auditoria). Ali, as incertezas nos exercícios de projeções sobre a sustentabilidade dos negócios deveriam não só ser expostos, mas também vir acompanhados por uma opinião de quem viu de perto a estruturação e desenvolvimento desses exercícios: o auditor.

A adoção da essência sobre a forma nas normas contábeis incluiu uma mensagem clara de que os auditores teriam que modificar o escopo de seu trabalho, abandonando a observância cega à formalidade das prescrições e passando a ter um julgamento próprio no uso de vários novos padrões contábeis (ativos biológicos, intangíveis, leasing, hedge accounting, impairment etc). O novo relatório parecia representar o ápice desse movimento, ao requerer a inclusão de uma seção de PAAs. Nela, por exemplo, as estimativas utilizadas para se determinar o valor de uma unidade de negócios — e se haveria necessidade de impairment — poderiam contar com uma opinião estruturada do auditor sobre a razoabilidade das premissas utilizadas. Mas qual não foi a surpresa dos usuários de demonstrações financeiras ao constatar que a tal seção de PAAs continha apenas um descritivo da avaliação feita, sem contar com qualquer resquício de opinião profissional sobre os instrumentos utilizados para estruturá-la.

Mais uma vez, os auditores se prenderam a trechos formais prescritivos para alegar que não podem opinar sobre contas individuais das demonstrações financeiras, apenas sobre todas as contas olhadas em conjunto. Fica a dúvida sobre a quem serve essa inflexibilidade.

O Comitê de Pronunciamentos Contábeis, em seu Pronunciamento 00 (de 15 de dezembro de 2011) deixa claro que as demonstrações financeiras “objetivam fornecer informações que sejam úteis na tomada de decisões econômicas e avaliações por parte dos usuários em geral”. Descrever metodologia e premissas sem opinar sobre elas certamente exclui as PAAs do rol de informações úteis na tomada de decisões econômicas.

Já o caso Petrobras-hedge accounting é um atentado dramático à adoção do conceito de essência sobre forma. O colegiado da CVM decidiu, em votação apertada (dois votos a um), que está correta a decisão da estatal de classificar sua dívida em moeda estrangeira como hedge accounting. A meu ver, o resultado do caso faz perdurar um mistério: como é possível usar o hedge accounting sem considerar a balança comercial da companhia?

Ao ignorar que a Petrobras era importadora líquida e que, por isso, tinha um passivo em moeda estrangeira que tornava sem sentido a classificação de dívidas monetárias como hedge accounting de exportações, ignora-se completamente a essência da operação. As opiniões de experts contábeis angariadas pela companhia pendem de forma decepcionante para o formalismo dos CPCs e pouco se imiscuem nos fundamentos do CPC que deram origem a todos os demais pronunciamentos.

Os auditores precisam repensar sua postura, à luz da introdução do conceito de essência sobre forma em sua atividade profissional. Seria salutar que discutissem seu papel no sistema de pesos e contrapesos da boa governança. Torço para que modernizem sua forma de pensar e agir e parem de perder oportunidades tão ímpares que a introdução desse conceito vem continuamente lhes dando para valorizar sua profissão.


* Isabella Saboya, conselheira de administração de empresas abertas


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