CVM erra ao condenar Eike Batista
Ilustração: Grau 180.com.

Ilustração: Grau 180.com.

Escrevo sobre um tema que é objeto de debate no mercado, com opiniões que, me parece, não examinam o cerne da questão. Refiro-me ao resultado de julgamento proferido em processo sancionador, no qual a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aplicou pena de inabilitação temporária ao presidente do conselho de administração de companhia aberta pelo fato de a sociedade controladora, igualmente controlada pelo referido presidente, ter votado em assembleia geral pela aprovação das contas da companhia.

Um breve resumo do caso que gerou o processo: entidades a que Eike Batista, presidente do conselho da Óleo e Gás Participações S.A., era vinculado (Centennial Mining e Centennial Equity) aprovaram, em assembleia realizada em maio de 2014, as contas do exercício social de 2013. A situação, para a CVM, configurou alegada infração ao parágrafo 1º do artigo 115 da Lei das S.As., que dispõe:

“O acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia”.

Ressalto que, conforme já referido por Marcelo Trindade, ex-presidente da CVM, em artigo publicado na imprensa, a citada decisão da autarquia contraria entendimento anterior do órgão regulador, que não considerava ser ilícita dita conduta. Na minha opinião, a decisão da CVM é equivocada por interpretar o mencionado dispositivo legal de forma imprecisa.

A esse respeito, saliento, em primeiro lugar: do ponto de vista formal, não foi o membro do conselho de administração que votou pela aprovação das contas da companhia, e sim uma sociedade que ele controla. Sobre o tema, me permito transcrever trecho de decisão judicial citada por Nelson Eizirik nas páginas 35/38 do 2º volume de Sociedades Anônimas – Jurisprudência.

“Respeitado o entendimento do digno magistrado, a ação improcede. Regras de impedimento ao exercício de direitos, como todas as normas restritivas deles, não podem ter interpretação ampliativa. Regra semelhante é de direito excepcional, como ensina Carlos Maximiliano em Hermenêutica e Aplicação do Direito, págs. 237 a 245, 8ª ed., exigindo interpretação estrita. O parágrafo único da disposição apontada veda o voto do acionista em quatro hipóteses determinadas, não estendendo o impedimento à hipótese de aprovação de contas de diretor proprietário ou controlador da empresa votante. A lei não ignora a hipótese de uma sociedade ser controlada por outra, tanto que em seu artigo 246 estabelece a obrigação da sociedade controladora reparar os danos causados por atos praticados com infração ao disposto nos artigos 116 e 117 do mesmo diploma, isto é, com abuso de poder, entre eles, a aprovação de contas irregulares. Fosse intenção dela proibir voto dessa espécie, a vedação seria expressamente indicada. Por isso, deve prevalecer a lição de Rubens Requião, referida pela ré na contestação, segundo a qual ‘o fato de acionistas ou diretores estarem impedidos eventualmente de votar não impede que a sociedade limitada da qual façam parte vote em assembleia geral, matéria relativa àquela do impedimento. Uma coisa é a incompatibilidade do acionista de votar quando impedido; outra coisa é o direito da sociedade acionista de exercer livremente seu direito de voto correspondente às ações de que é titular.’”. (Apelação cível no 263.694-1, 10ª Câmara de Direito Privado)

Tal circunstância me parece relevante, uma vez que, pelo que entendi do material divulgado referente ao aludido julgamento, não ficou comprovado que o referido conselheiro de administração exerceu influência junto à sociedade sob seu controle para que ela aprovasse as contas da companhia.

Também não restou demonstrado, segundo o que depreendi, que na citada aprovação das contas houve fraude que pudesse levar à desconsideração da personalidade jurídica da sociedade controladora da companhia.

Como é referido na decisão judicial citada por Eizirik, todo dispositivo legal que impõe restrições a direito deve ser interpretado de forma restrita, sendo inapropriado pretender-se ampliar ou alargar norma dessa natureza (limitadora de direitos), como ocorre no citado artigo 115 da Lei das S.As.

Mas há algo mais para demonstrar que, a meu juízo, errou a CVM quando condenou o comportamento do mencionado conselheiro de administração. Como visto, a lei diz que não pode o acionista votar para aprovar deliberação relativa à aprovação de suas contas como administrador. Administradores na companhia aberta, segundo dispõe a Lei das S.As., são os integrantes de seu conselho de administração, assim como os membros da diretoria executiva. Ocorre que, em alguns dispositivos, ao se referir a administradores, a lei contempla ambas as categorias; já em outras normas, o legislador se refere a uma ou a outra classificação, situação que pode levar quem interpreta o texto a ter dificuldade para saber a que categoria de gestor o legislador pretendeu se referir aqui ou ali.

Não se apercebeu a autarquia que, em seu artigo 142, inciso V, a lei afirma ser competência do conselho de administração “V – manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria”. Ou seja, como explicita a própria lei, as contas não são dos membros do conselho de administração e sim da diretoria, que exerce atividade executiva como órgão gestor da sociedade anônima.

Portanto, abstraído o aspecto anteriormente abordado (diferença entre a pessoa que exerce a função de membro do conselho de administração da companhia e a sociedade que ele controla, essa sim acionista para os fins do disposto em lei), na minha visão, o citado membro do conselho de administração condenado pela CVM não infringiu o disposto no artigo 115 da Lei das S.As., visto que ele não aprovou suas próprias contas, e sim as contas da diretoria.

Ao apreciar a conduta do conselheiro, a CVM procedeu de forma equivocada, condenando-o sem que ele tenha descumprido regra constante da legislação vigente.


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