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Comitês previnem conflitos de interesse
Independentes, eles legitimam voto alinhado aos propósitos da companhia e dos acionistas
conflito de interes, Comitês previnem conflitos de interesse, Capital Aberto

Carlos Rebello*/ Ilustração: Julia Padula

A partir dos anos 1980, o Judiciário americano passou a ver nos comitês especiais de companhias, compostos por diretores independentes, um mecanismo inovador e eficiente para endereçar questões envolvendo reais e potenciais conflitos de interesses em fusões, aquisições e fechamentos de capital feitos entre partes relacionadas.[1] Além disso, tem adotado a business judgment rule, priorizando o exame do processo decisório em detrimento da análise do impacto econômico resultante das decisões dos administradores. Nessa abordagem, verifica-se se há elementos que comprovem dolo, má-fé, deslealdade ou ação em desacordo com os interesses da companhia.

Com praticidade, característica da cultura americana, o Judiciário estabelece que cabe aos acusadores o ônus da prova da ocorrência de ilícitos nessas operações quando existe uma boa governança, representada por um comitê independente encarregado de apontar a melhor solução para os interesses da companhia. Posteriormente, o Judiciário dos EUA adicionou mais um item: a necessidade da demonstração de que tanto a negociação quanto o preço foram justos (o entire fairness standard).

Portanto, a utilização de comitês independentes, que observam os elementos dessas duas teorias, é uma eficiente estratégia para se limitar a responsabilidade de acionistas e administradores, aumentar a segurança jurídica de uma transação e mitigar potenciais iniciativas ou litígios contra a operação.

No Brasil, temos na esfera administrativa a CVM, que em seus processos sancionadores foca o escrutínio do processo decisório, deixando em segundo plano o resultado econômico da decisão — em linha com a abordagem do judiciário dos EUA.[2]

O Parecer de Orientação nº 35 da autarquia era o incentivo que faltava, ao ver com bons olhos o uso dos comitês independentes para negociar operações e levar suas recomendações à administração da companhia — nos casos de fusão, incorporação e incorporação de ações envolvendo sociedade controladora e suas controladas ou sociedades sob controle comum. Ademais, há no País situações de conflito de interesses de acionistas (previstas na lei societária) que não envolvem transações cuja decisão seja de responsabilidade de administradores, mas que podem também ensejar a arguição de impedimento de voto do acionista em assembleia geral.

Recentemente, tive a oportunidade e o privilégio de participar de um comitê independente, especialmente criado para orientar acionista acerca do voto mais adequado aos interesses da companhia e de seus acionistas em relação à tomada de contas da administração e à aprovação de suas demonstrações financeiras.

Vale ressaltar que a orientação de voto do comitê, qualquer que fosse, conforme deliberado pelo acionista quando da criação da estrutura, deveria ser refletida no voto dele na AGO. Essa característica, que não necessariamente existe nas estruturas utilizadas nos EUA, foi um fator adicional a evidenciar a importância de um trabalho de verificação meticuloso, qualificado, independente e desinteressado, assim como a responsabilidade de seus membros ao emitir a orientação.

Foram quase três semanas de trabalho intenso, junto com colegas de comitê, profundos conhecedores de finanças e com larga experiência na administração de companhias.

Exercendo a faculdade de contar com assessores para auxiliar na tarefa, o comitê logo decidiu contratar escritório de advocacia especializado em direito societário, cujos profissionais foram de extrema valia para esclarecer diversas questões envolvendo critérios de avaliação de independência, deveres dos acionistas, conflitos de interesses, tomada de contas dos administradores e deliberação sobre demonstrações financeiras etc.

Na sequência foram feitas entrevistas com pessoas-chave do processo de produção, checagem e aprovação das demonstrações financeiras e, com base nas informações colhidas e avaliações, tratou-se ainda de outros elementos mais relacionados à análise genérica dos atos dos administradores no exercício de 2017. Foi possível, então, produzir uma orientação de voto técnica — pois desinteressada, informada e refletida —, tendo como fundamento o melhor interesse da companhia e de seus acionistas.

Com base nessa experiência, penso que seria muito útil para garantir votos bem fundamentados numa AGO que as companhias disponibilizassem um canal em seus sites quando da divulgação da proposta da administração, para que administradores e auditor externo recebessem perguntas e prestassem esclarecimentos aos acionistas. Embora a Lei das S.As. determine que esses esclarecimentos sejam prestados na realização da AGO, com o advento do voto a distância os acionistas seriam mais bem assistidos se houvesse essa antecipação.

 


*Carlos Rebello ([email protected]) foi diretor de regulação de emissores da BM&FBovespa até 2015 e superintendente da CVM entre 1978 e 2009. 

[1] Scott V. Simpson and Katherine Brody, The Evolving Role of Special Committees in M&A Transactions: Seeking Business Judgment Rule Protection in the Context of Controlling Shareholder Transactions and Other Corporate Transactions Involving Conflicts of Interest – The Business Lawyer; August 2014

[2] Pedro Henrique Castello Brigagão, A Administração de Companhias e a Business Judgment Rule – 2017


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