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Chegou a hora de tributar os dividendos?
De Bolsonaro a Marina, candidatos defendem fim da isenção fiscal. Será uma boa ideia?
Ilustração de um braço segurando um prato com um homem sentado em cima de uma torta segurando um garfo

Ilustração: Rodrigo Auada

Difícil imaginar que candidatos à presidência da República com perfis tão distintos quanto Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede) concordem em alguma coisa. Pois não apenas os dois, mas também outros entre os principais nomes que encabeçam as 13 chapas inscritas para a fragmentada eleição de outubro, levantam a bandeira do fim da isenção tributária dos dividendos. Nesse aspecto, pouco importam posições no espectro ideológico: todos parecem cobiçar a nada desprezível montanha de 40,4 bilhões de reais que poderia entrar nos combalidos cofres públicos caso, numa conta simples, se fixasse uma alíquota de 15% — estimativa baseada nos 269,4 bilhões declarados por pessoas físicas à Receita Federal em 2017. (Leia mais sobre as propostas os presidenciáveis para essa e outras questões relacionadas ao mercado de capitais a partir da página 16).

Não é novidade a movimentação em torno da possibilidade de reforma da Lei 9.249/95, que isentou a parcela de lucros distribuídos a sócios. Tema constante de debate eleitoral desde então, a tributação é o mote de pelo menos nove projetos de lei da Câmara dos Deputados e três do Senado.

O olho grande dos políticos é justificável, considerando-se que o resultado do cálculo de arrecadação adicional de 40,4 bilhões de reais poderia ser ainda maior se os dividendos estivessem sujeitos à tabela do imposto de renda das pessoas físicas, em que a alíquota máxima chega a 27,5%. Pelo teto, o recolhimento somaria 74 bilhões de reais. Muito bom para um novo governo — qualquer que seja —, que terá diante de si a inescapável tarefa de equilibrar as contas públicas.

 

Menos desigualdade

Os defensores do fim da isenção têm um argumento forte: a medida ajudaria a diminuir a desigualdade tributária e, consequentemente, a concentração de renda no País. Levantamento publicado neste ano pela organização World Inequality Lab mostra que, no Brasil, o topo da pirâmide — formado por 1% da população, o equivalente a 1,4 milhão de pessoas num universo de pouco mais de 200 milhões — detinha 28% das riquezas em 2015. Na ponta oposta, aos 50% mais pobres (um exército de 71 milhões de brasileiros) sobravam 12%. Uma injusta estrutura de tributação — regressiva em vez de progressiva — contribui para essa equação de desigualdade. Dados da Receita Federal relativos a 2017 mostram que 324 mil brasileiros do “andar de cima” receberam 22,7% de toda a renda declarada e pagaram 16,2% dos impostos arrecadados — uma visível discrepância. Mais um número? A parcela de 1,6% que corresponde aos mais ricos foi agraciada por 46,2% das isenções de imposto de renda, incluindo os ganhos advindos de dividendos. “Para se gerar justiça tributária, é necessário que exista certa progressividade na cobrança de impostos. Isso sem desconsiderar que a tributação sobre capital deve ser inferior àquela sobre o trabalho, uma vez que empresários e investidores estão expostos a riscos”, afirma Jules Queiroz, consultor legislativo e autor de um estudo sobre tributação de lucros e dividendos feito sob encomenda da Câmara.

 

Prejuízo à competitividade

As estatísticas parecem corroborar as intenções dos candidatos à sucessão de Michel Temer de tributar dividendos, mas não são suficientes para convencer agentes dos mercados financeiro e de capitais — que olham a questão por um outro prisma. Para eles, essa ideia só faria sentido se viesse acompanhada de ajustes no sistema tributário nacional. Em primeiro lugar, teme-se que o fim da isenção dos dividendos afaste investidores, com grande prejuízo ao País em termos de competitividade global. “A partir do momento em que há países com condições tributárias mais favoráveis, o investidor certamente considera outras opções”, observa a advogada tributarista Ana Cláudia Utumi, do escritório Utumi Advogados.

A corretora Spinelli simulou no ano passado o que aconteceria com o principal índice do mercado acionário brasileiro se os dividendos passassem a ser tributados a alíquotas a partir de 5%. Concluiu o seguinte: se a taxa escolhida fosse 15%, o Ibovespa recuaria 10%; se fosse 25%, a queda seria de 15,5%. “As ações sofreriam sobretudo no caso de não se aliviar a alíquota de imposto de renda de pessoa jurídica”, acrescenta Álvaro Frasson, analista da Spinelli e autor do estudo.

 

Caminho do meio

Um caminho do meio, inclusive mencionado em propostas de alguns dos presidenciáveis, está no desenho de uma reforma tributária que alie o aumento da alíquota sobre os dividendos a uma diminuição dos impostos sobre o lucro tributável de empresas não financeiras — hoje, tirando da conta deduções caso a caso, a alíquota é de 34% (25% de IRPJ e 9% de CSLL). O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), destaca, entretanto, que por meio de planejamento tributário legítimo, muitas vezes o imposto efetivo pago pelas empresas é bastante inferior a esse percentual. “Acaba ocorrendo então uma ‘dupla não tributação’: fica-se livre de impostos tanto na pessoa física quanto na jurídica”, afirma. Por isso, Appy defende que, primeiro, se fechem as brechas que permitem a redução do lucro tributável. Só depois, na opinião dele, faria sentido pensar numa redução da alíquota incidente sobre o lucro empresarial (como vêm fazendo muitos países) e na introdução de alguma tributação sobre o lucro distribuído aos acionistas e sócios.

Essa reforma mais ampla, dizem seus defensores, teria ainda um efeito colateral positivo sobre a competitividade brasileira, que tende a cair num cenário em que outros países avançam. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) calcula que, em média, a carga tributária empresarial dos países integrantes é de 24%, ante os 34% do Brasil. Se os dividendos fossem tributados e a alíquota do IRPJ diminuísse, as empresas poderiam reinvestir os lucros para elevar a produtividade, com evidentes ganhos ao desenvolvimento econômico. Em dezembro passado, por exemplo, Donald Trump obteve importante vitória no Congresso dos Estados Unidos ao ver aprovada a proposta de redução de 35% para 21% do imposto das empresas. Além disso, os ganhos de multinacionais do país no exterior passaram a ser tributados apenas na origem do lucro — antes, elas pagavam alíquota máxima de 35% de imposto na repatriação, sendo subtraída desse teto a proporção paga no país de origem. Por lá, a cobrança na pessoa física varia dependendo do tipo de dividendo recebido — se representa renda ou ganho de capital. Na primeira hipótese, a tabela progressiva de imposto de renda é seguida, com alíquotas de 10% a 39,6%; na segunda, a tributação média é de 15%. No início deste ano, a Argentina iniciou um processo que prevê o corte imediato da alíquota das empresas de 35% para 30%, percentual que deve cair a 25% em 2020. Em contrapartida, foi estabelecida a cobrança de 7% sobre dividendos agora e de 13% a partir de 2020.

Essa tendência de carga menor sobre lucros empresariais e maior sobre dividendos parece disseminada. Após descontos e deduções, a alíquota média sobre dividendos nas economias que compõem a OCDE subiu de 19,6% para 23,8% entre 2008 e 2018, enquanto a tributação corporativa diminuiu de 25,5% para 23,6%. “Da crise de 2008 a 2015, o foco esteve em consolidação fiscal, o que explica o aumento da arrecadação de impostos de pessoas físicas. Nos últimos três anos, com o foco desviado para a recuperação do crescimento, percebe-se quedas mais expressivas na tributação de empresas”, explica Rodrigo Orair, pesquisador do Ipea.

Orair é autor de um estudo sobre tributação e distribuição da renda no Brasil, feito com base em dados da OCDE. Ele verificou que, nos 35 países da amostra, os modelos variam do extremo da Estônia — tributação zero de dividendos — ao de países como Espanha, em que se tributa esses proventos conforme uma tabela progressiva de imposto de renda de pessoas físicas, com alíquota máxima de 23%. “A maioria adota modelos intermediários, que buscam amenizar a bitributação, situação em que acionistas são atingidos tanto pelo gasto da empresa com o imposto quanto pela taxação dos dividendos que recebe. No caso de Itália e Bélgica, o alívio é dado para a pessoa jurídica; na Noruega, para pessoa física”, detalha o pesquisador.

Para harmonizar as duas cobranças, há ainda países que utilizam um sistema de imputação: nele, a pessoa física tem uma espécie de crédito correspondente à proporção já paga pela empresa de que é sócio na tributação sobre o lucro. A estrutura é adotada por Reino Unido e Chile. “Não podemos mimetizar experiências internacionais, mas dentre as estruturas bem-sucedidas, o modelo aplicado pelo Chile é o mais adaptável à realidade brasileira”, avalia Orair, referindo-se às alíquotas de 25% para a pessoa jurídica e de até 35% para o sócio — que se beneficia da dedução prevista no modelo. Exemplos variados, portanto, não faltam. Mas qualquer que seja o escolhido, sua aprovação no Congresso Nacional não deve ser nada fácil.


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