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A fé sem obras é morta
A qualidade da regulação financeira brasileira, tanto do ponto de vista prudencial como do de conduta [...]
, A fé sem obras é morta, Capital Aberto

Carlos Rebello*/ Ilustração: Julia Padula

A qualidade da regulação financeira brasileira, tanto do ponto de vista prudencial como do de conduta, é bem avaliada pelos pares internacionais e, junto com a abertura restrita de nossa economia, apontada como elemento mitigador de percalços decorrentes das crises ocorridas em importantes mercados no exterior. Isso nos traz alegria. Ajuda a combater o tal complexo de vira-latas que o saudoso Nelson Rodrigues atribuía ao brasileiro por considerar-se inferior quando defrontado com o estrangeiro.

No que concerne ao mercado de capitais, há muito tempo se enxergou a necessidade de aprimorar o ambiente regulatório. Há quase 40 anos, foi criada uma agência reguladora especializada — a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) —, juntamente com a Lei das S.As., considerada moderna até os dias atuais.

No fim dos anos 1990, chegou-se à conclusão de que não havia condições de nosso mercado sair da inércia a não ser que houvesse uma regulação que garantisse a adequada proteção aos investidores, à época, contra abusos de acionistas controladores. Assim, foram feitos importantes aperfeiçoamentos na legislação de criação da CVM e na lei societária, bem como, no campo privado, adotadas duas iniciativas transformadoras: o lançamento do Novo Mercado pela Bolsa de Valores de São Paulo; e a edição, pela Associação Brasileira de Bancos de Investimento (Anbid), de seu primeiro código de ofertas públicas.

Diante do estrago causado no mercado pelos receios com a campanha eleitoral de 2002, lembro-me de Luiz Cantidiano, presidente da CVM na época, exortar seus colegas de colegiado e a equipe técnica para que priorizassem esforços com vistas ao aprimoramento de regras. Surgiram, então, normas que simplificariam o financiamento ao empreendedorismo (Instrução 391) e trariam ao País o estado da arte das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários (Instrução 400). Coincidência ou não, logo em seguida estabeleceu-se o ciclo de IPOs.

Em conjunto com as boas regras, foi construída uma estrutura para sua aplicação de forma moderna, com intensa utilização da tecnologia da informação, de treinamento e remuneração para os profissionais encarregados de sua execução. O relacionamento com reguladores do exterior tornou-se realidade. Os técnicos da CVM passaram a participar ativamente das reuniões da Organização Internacional das Comissões de Valores (Iosco). O Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleceu as condições necessárias para a adoção, em 2006, da supervisão baseada em risco.

Para manter o processo de aperfeiçoamento e a agilidade de decisões, os participantes do mercado passaram a recolher, em 1989, a taxa de fiscalização. Assim, a CVM foi dotada dos mecanismos necessários a uma regulação eficiente e compatível com o dinamismo do mercado de capitais. Utilizando o velho bordão de um grande economista — “não há almoço grátis” —, a montagem e a manutenção de tal estrutura são caras e demandam investimentos constantes.

O problema é que, embora as taxas sejam arrecadadas pela CVM, seu uso não é determinado pela autarquia. A CVM, assim como as demais repartições, envia sua proposta orçamentária ao Ministério da Fazenda, que a analisa e executa os cortes para submeter o orçamento ao Congresso. Apesar de a CVM ter recursos próprios e ser superavitária, houve queda real nas despesas autorizadas por Brasília nos anos recentes, incluindo as necessárias aos investimentos, de acordo com os relatórios publicados. A cada ano sobram uns R$ 30 milhões da arrecadação das taxas que, se investidos corretamente, poderiam trazer tranquilidade à autarquia.

Para completar o quadro, as taxas de fiscalização foram majoradas, em agosto, pelo ministro da Fazenda. Por exemplo, a taxa máxima de registro de uma oferta pública foi de R$ 82,8 mil para R$ 283,3 mil; aquela aplicada sobre os administradores de carteira e consultores de investimento, pessoas naturais, subiu de R$ 165,74 para R$ 566,58. Sobre a autorização para a utilização desses novos recursos em excesso, infelizmente, nenhuma linha na imprensa (inclusive na oficial), embora saibamos que, nos termos da lei, os valores arrecadados devem ter correlação com o custo da atividade. Caso contrário, seria um imposto.

Todo o progresso corre risco de se perder, pois os cortes de orçamento realizados na CVM já estão comendo a carne e, receamos, podem implicar em perda da qualidade da regulação e supervisão realizada pelo órgão. Os contribuintes da taxa, diretamente ou através de suas associações de classe, assim como todos aqueles que consideram o mercado de capitais um instituto relevante para o desenvolvimento do país, deveriam se preocupar com o tema.


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