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Interesses desalinhados
Sempre haverá conflito quando o tomador de decisão, seja ele o controlador ou o executivo, preferir os benefícios privados

Uma das discussões mais freqüentes entre investidores e economistas diz respeito à importância do mercado de capitais para o desenvolvimento econômico e a como o sistema de organização do controle das empresas brasileiras afeta essa relação. A estrutura de governança corporativa e o sistema legal das sociedades anônimas têm uma relação direta com o desenvolvimento do mercado de capitais e o crescimento econômico através do aumento de poupança – e seu direcionamento para investimentos produtivos que acabam por fomentar a acumulação de capital – e do aumento de produtividade e eficiência na alocação de recursos através do controle exercido pelos investidores financeiros sobre as decisões dos empresários.

Nos EUA, o conflito societário mais comum acontece entre os acionistas e os gestores da companhia. Observamos que nas maiores corporações americanas existe uma separação clara entre os acionistas da empresa (propriedade) e o agente tomador de decisão (controle) – num ambiente de acionistas dispersos, os executivos das empresas são os verdadeiros controladores. Esta separação entre acionistas e administradores gera conflitos pois os interesses dos executivos, normalmente, não estão alinhados com os dos acionistas.

Ao longo dos últimos anos ocorreu todo tipo de expropriação possível: fusões com sinergias negativas, investimentos em projetos com valor presente negativo, manipulação de balanços, divulgação de projeções excessivamente otimistas para o mercado. Sempre com o objetivo de maximizar a riqueza do administrador devido aos incentivos dados por formas de remuneração não adequadas. Estes conflitos também atingiram os auditores e a maior parte dos bancos de investimento que se utilizaram de seus analistas para conseguir negócios e justificar fusões.

Num artigo recentemente publicado no National Bureau of Economic Research, os professores Sara Moeller, Frederik Schlingemann e René Stulz estimaram que as empresas compradoras em processo de aquisição, entre 1998 e 2001, perderam 240 bilhões de dólares em valor de mercado. Casos como os da Enron e os acordos feitos pela SEC e a justiça americana com diversos bancos de investimento foram o auge deste processo.

CONFLITOS DISTINTOS DE MOTIVAÇÃO COMUM – No Brasil, observando as empresas de capital aberto negociadas em bolsa, temos uma situação completamente diferente. O controle é exercido externamente à empresa, de maneira permanente, e não existe uma clara separação entre executivos, conselho de administração e acionista controlador.

Devido a essa estrutura societária, não se observou nos últimos anos nenhum caso semelhante ao ocorrido nos EUA, onde os abusos dos executivos destruíram o valor de diversas empresas. Teoricamente, a estrutura de controle definido leva a vantagem de que o controlador tem um menor interesse de expropriar a companhia, pois possui participação relevante de seu capital e assim tem como objetivo a maximização de seu valor.

Entretanto, observamos, no Brasil, outro tipo de conflito: aquele que ocorre entre acionistas controladores e minoritários. Exemplos recentes são os casos da incorporação de Tele Centro Oeste Celular pela Telesp Celular e a compra da Oi pela Telemar Norte Leste.

A concentração de controle em acionistas que freqüentemente têm uma pequena parcela do capital total da companhia leva a um desalinhamento de interesses com os demais acionistas. Dessa maneira, os controladores buscam utilizar os ativos da companhia para uma gama de propósitos que não são necessariamente de interesse dos outros acionistas, como a utilização de pagamento de despesas pessoais, contratos comerciais com partes relacionadas, diluição não justificada e outras inúmeras formas de benefícios privados.

O caso recente da Parmalat é um exemplo interessante da estrutura de controle familiar com controle definido que pode ser devastadora para a empresa. Este é um caso em que a mentalidade do acionista controlador levou à total negligência do dever de informar corretamente a situação da empresa aos demais acionistas e aos detentores de títulos de dívida.

Como exposto, existem problemas em ambos os modelos. Teremos um potencial desalinhamento de interesses sempre que o agente controlador, através do seu poder de decisão, criar benefícios privados maiores que o valor gerado para ele na empresa.

CONCORRÊNCIA VERSUS MONOPÓLIO – Numa comparação com modelos econômicos, poderíamos dizer que a estrutura de controle diluído é comparável a um ambiente competitivo em que as soluções de mercado resolvem os conflitos. Sempre existirá a possibilidade de alguém comprar ações em mercado para trocar os gestores da empresa. E os insatisfeitos com a postura da companhia podem sair através da venda de suas posições.

Parmalat é um caso em que a mentalidade do controlador levou à total negligência quanto ao dever de informar

Já na estrutura de controle definido, não existe a solução de mercado para troca da administração da empresa. Assim, torna-se similar ao caso econômico do monopólio, em que é necessária uma agência reguladora com poderes muito maiores que no caso anterior e suficientes para evitar abusos.

Nossa legislação societária permite o prêmio de controle e estimula a organização dos acionistas, através de acordos de acionistas, para se apropriar deste valor. Portanto, enquanto não alterarmos nossa doutrina jurídica, não devemos esperar que prosperemos para um ambiente de controle disperso com diretores de empresas efetivamente controlando nossas companhias

De fato, a lei societária brasileira atribui deveres e responsabilidades aos acionistas controladores que, de certa maneira, quase retira a idéia de responsabilidade limitada de uma sociedade anônima para o controlador. Entretanto, apesar de utilizar incentivos econômicos corretos através da responsabilidade do controlador e dos diretores, tais incentivos são em parte neutralizados pela aplicabilidade da lei, sua dificuldade de interpretação e pelo tempo de execução de uma ação no sistema judiciário.

O PAPEL DA CVM – Recentemente, tivemos um adequado encaminhamento de problemas societários no caso da incorporação de Tele Centro Oeste Celular/Telesp Celular. A CVM agiu a tempo e deve continuar atuando desta maneira para evitar que problemas específicos de uma empresa se espalhem para outras aumentando o risco sistêmico das ações e assim prejudicando o mercado acionário como um todo.

Ao longo dos últimos anos presenciamos uma maior organização de acionistas minoritários – como no caso da criação da Associação Nacional dos Investidores do Mercado de Capitais (Animec) – e uma melhoria do modelo de governança corporativa de empresas como Suzano, Ultrapar, Marcopolo, Vale do Rio Doce. Estes são alguns exemplos de companhias que buscaram tratar melhor o acionista minoritário de forma a aumentar a liquidez, distribuir dividendos e ampliar a transparência de suas demonstrações financeiras, conseguindo assim um menor custo de capital.

Estruturas de controle diluído se comparam a um ambiente competitivo no qual predominam as soluções de mercado

Por fim, um aumento dos poderes da CVM para interferir nos conflitos societários aliado a um sistema judiciário ou de arbitragem especializada em matérias societárias, que torne sua resolução justa e de curta duração, é fundamental para reduzir o prêmio de risco embutido no custo de capital de nossas empresas.


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