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Inspiração para o Oriente
Filipinas e Índia se espelham no sucesso do Novo Mercado para criar segmentos de listagem especiais em suas bolsas de valores

, Inspiração para o Oriente, Capital AbertoComo fazer de um mercado temerário para os investidores um modelo de boa governança corporativa? Reformas na lei e na regulação são os instrumentos mais óbvios e utilizados. Poucas fórmulas, porém, deram tão certo quanto a criação do Novo Mercado, o segmento de listagem da BM&FBovespa feito sob medida para as companhias interessadas em associar sua imagem às melhores práticas de governança. A história de um produto que nasceu desacreditado, no meio de uma crise, mas pôde computar a chegada da centésima empresa listada oito anos depois, impressiona a ponto de sua trajetória de sucesso conquistar seguidores do outro lado do mundo. As Filipinas e a Índia são os mais recentes exemplos de países que buscam no Novo Mercado a inspiração para ampliar a confiança dos investidores institucionais em suas bolsas de valores.

Em entrevista à CAPITAL ABERTO, Jonathan Juan Moreno, chefe do departamento de governança corporativa da Bolsa de Valores das Filipinas (PSE, na sigla em inglês), conta que passou a estudar o Novo Mercado neste ano. O que lhe chamou a atenção foi o pragmatismo da Bovespa. “Conseguiram levar o projeto adiante, apesar do ambiente desafiador”, elogia. O caráter voluntário de adesão às regras mais rigorosas também agrada a Moreno. “O mecanismo se tornou um incentivo e um diferencial para as companhias que se comportam bem.”

O interesse da Índia e das Filipinas ocorre num momento em que as regras do Novo Mercado estão sob revisão (veja quadro). Na virada do século 21, quando o segmento abriu suas portas, o mercado brasileiro era outro. Desde então, a estagnação das ofertas públicas de ações acabou, e as companhias voltaram a buscar recursos no mercado de capitais. A mudança transformou o ambiente de investimentos e de captações, suscitando novos questionamentos para a regulação e a autorregulação. O regulamento do Novo Mercado acabou ficando desatualizado. Por isso, apesar de não ser a primeira, essa é a mais aguardada das reformas das normas do segmento.

SEM IMITAÇÃO — Mesmo que significativas, as mudanças terão impacto irrelevante nos planos asiáticos. Moreno gosta de frisar que a proposta da PSE não é copiar o regulamento do Novo Mercado, mas, sim, aprender com a experiência brasileira. Uma lição importante é a de que a vontade de aumentar as exigências de governança deve partir do próprio setor privado. Vinda do Estado, a iniciativa provavelmente não surtiria o mesmo efeito. Em segundo lugar, importar padrões estrangeiros, sem modificá-los à luz da realidade local, pode ser um erro. “Acima de tudo, o surgimento do Novo Mercado foi orquestrado por brasileiros”, observa Moreno.

Fundador do Institute of Corporate Directors, associação que reúne conselheiros de companhias filipinas, Moreno foi recrutado em 2007 pela PSE justamente com a missão de repaginar a governança da Bolsa. Ele acumulou o cargo de “chief risk officer”, tornando-se responsável pela gestão de riscos e controles internos da PSE, uma companhia de capital aberto. Depois de arrumar a casa, Moreno viu que estava na hora de aperfeiçoar também as práticas das empresas listadas.

Em se tratando de aspectos regulamentares, o mercado de capitais filipino está num estágio mais avançado do que estava o brasileiro no fim do ano 2000, quando o Novo Mercado foi lançado oficialmente. A Securities and Exchange Commission (SEC), o órgão regulador das Filipinas, requer, desde 2004, a presença de pelo menos dois membros independentes nos comitês de auditoria. Há quatro anos as companhias abertas são obrigadas a publicar balanços completamente alinhados com as normas internacionais de contabilidade (IFRS). Já os problemas de governança são semelhantes aos nossos. A negociação de ações em posse de informações privilegiadas e falhas no disclosure, por exemplo, prejudicam a confiabilidade do mercado filipino.

AO GOSTO DO ESTRANGEIRO — Assim como a elaboração do regulamento do Novo Mercado levou em conta as queixas mais constantes de investidores estrangeiros contra o Brasil — notadamente, a forte presença de ações sem poder de voto —, as regras do segmento de listagem filipino deverão cuidar de pontos críticos apontados por vozes internacionais. Moreno empreendeu uma espécie de tour pela Ásia recentemente. Reuniu-se com gestores de fundos norte-americanos e europeus, acadêmicos, agências de rating e oficiais de governos, em localidades como Cingapura, Hong Kong, Hanói (Vietnã) e Bangcoc (Tailândia). Depois de ouvi-los, concluiu que as maiores preocupações quanto à governança nas Filipinas, e na Ásia como um todo, dizem respeito à falta de enforcement.

As regras existem, mas parecem fazer pouca diferença na percepção do investidor porque não são adequadamente cumpridas.

Por isso, um dos focos do projeto da bolsa filipina concentra-se no fortalecimento da fiscalização e de processos sancionadores. As empresas do nível diferenciado terão, ainda, normas mais rígidas para aprimorarem a transparência e lidarem com temas como operações entre partes relacionadas, gestão de riscos e proteção a acionistas minoritários. Ao contrário da Bovespa, que criou os Níveis 1 e 2 como estágios intermediários para quem preferisse evitar o rigor máximo, a PSE planeja dar vida a somente um segmento especial.

Por trás desses esforços está o apoio da International Finance Corporation (IFC), instituição do Banco Mundial voltada ao setor privado. A IFC foi uma das grandes incentivadoras do Novo Mercado da Bovespa e se tornou quase uma garota-propaganda da empreitada. Além do suporte já prestado na parte de pesquisa e consultoria, a IFC e o Banco Mundial vão ajudar no financiamento do projeto filipino, segundo Moreno. A PSE recebeu também amparo financeiro de um fundo, ligado ao governo britânico, que fomenta iniciativas de redução de emissões de carbono. Embora o Novo Mercado filipino não trate exatamente de causas verdes, “uma boa governança leva ao controle de emissões”, acredita Moreno.

A BM&FBovespa tem cooperado de maneira informal com as bolsas estrangeiras, por meio de conversas. De acordo com Cristiane Pereira, diretora de relações com empresas, não é a primeira vez que o Novo Mercado repercute lá fora. Em 2006, o órgão regulador do mercado de capitais argentino manteve contatos com a praça paulista, interessado em aprender mais sobre o caso brasileiro. O assunto, ao que parece, não evoluiu muito. Contudo, em seminários de governança corporativa realizados em países da América Latina, o Novo Mercado frequentemente é citado.

A CAMINHO DA ÍNDIA — A novidade é a receita causar boa impressão até na Ásia. Na Índia, o projeto está em fase inicial. O chairman da Securities and Exchange Board of India (Sebi), C.B. Bhave, contou à capital aberto ter pedido ao presidente da National Stock Exchange (NSE), uma das duas principais bolsas da Índia, que analisasse a implementação de um segmento de listagem semelhante ao Novo Mercado. Na visão de Bhave, as estruturas de governança previstas na regulação indiana já são bastante sofisticadas. O caminho para subir mais um degrau seria, portanto, o da adesão voluntária.

De fato, regras não faltam no mercado indiano. Lá, quando o CEO e o chairman são a mesma pessoa, é obrigatório que ao menos metade do board seja formada por membros independentes. Os comitês de auditoria são exigidos pelo regulador e devem ser constituídos, na maior parte, por profissionais sem vínculos com a companhia. A dificuldade dos indianos é fazer com que esse arcabouço regulatório se transforme em um engajamento verdadeiro dos membros do conselho de administração e dos acionistas controladores — chamados por eles de “promoters”. Essa necessidade ficou mais evidente após a fraude escandalosa protagonizada pela empresa de TI Satyam. Os donos da companhia forjaram lucros no balanço durante anos. Suspeita-se que os recursos tenham sido desviados para outras empresas da família controladora por meio de contratos com partes relacionadas.

A expectativa de Bhave é de que o “Novo Mercado” indiano atraia as companhias que já adotam um padrão de governança elevado voluntariamente. Um exemplo é a empresa de tecnologia Infosys, a mais respeitada por lá em termos de boas práticas. Na última semana de julho, Cristiane, da BM&FBovespa, participou de uma teleconferência com CFOs de dez companhias indianas de grande capitalização de mercado e representantes da NSE e do regulador. A principal dúvida dos executivos era se, de fato, havia algum benefício em aderir a um conjunto de regras.

A resposta não é automática. Somente duas companhias iguais, listadas em segmentos distintos, poderiam fornecer evidências irrefutáveis, respondeu Cristiane. A análise fica mais difícil para as veteranas. A diretora não omitiu o fato de que as maiores companhias do Ibovespa são negociadas fora do Novo Mercado. “Não sei se disse o que eles queriam ouvir”, reconhece. Mas ela ressaltou que o segmento foi essencial para companhias novatas que, sem as garantias previstas pelo Novo Mercado, talvez jamais teriam conquistado a confiança do investidor. As captações poderiam ter sido menores. A onda de IPOs talvez nem tivesse existido. Na Índia, contudo, há uma diferença importante quanto a esse ponto. Companhias que vão ao mercado fazer um IPO também se preocupam com a percepção dos investidores institucionais estrangeiros, mas não tanto como as nossas. Elas contam com um gigantesco mercado de varejo que é fissurado por IPOs — principalmente pelos ganhos do primeiro dia de negociação, decorrentes dos generosos descontos que os emissores indianos costumam dar.

MODELO QUE PERCORREU O MUNDO — Segmentos de listagem com patamares mais elevados de governança não são uma invenção tupiniquim. O Novo Mercado, por exemplo, foi baseado em alguns princípios do Neuer Markt alemão. A diferença é que o Brasil teve muito mais sucesso no negócio. A Bolsa de Valores de Bucareste (BVB), da Romênia, tentou emplacar um ambiente de listagem com regras mais rígidas. As companhias locais, porém, não foram simpáticas à ideia.

O erro foi tornar a adesão praticamente compulsória e exigir mais governança num país que não estava preparado para isso, relata uma executiva da BVB na publicação Novo Mercado and its Followers: Case Studies in Corporate Governance Reform. Patrocinada pela IFC e divulgada em 2008, a publicação compara os fundamentos do Novo Mercado com iniciativas frustradas na Romênia e na Turquia. A Bolsa de Valores de Istambul cogitou organizar um ambiente de listagem à parte, similar ao Novo Mercado. Mas avaliou que as regras do segmento da Bovespa eram “simplistas demais”, escreveram os acadêmicos Melsa Aratat e Burcin Yurtoglu. Na época, os turcos também desconfiaram da viabilidade do experimento verde-amarelo. O Novo Mercado já tinha um tempo de vida e apenas uma companhia listada. Quem sabe não seria a hora de os turcos atualizarem a pesquisa.

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