Pesquisar
Close this search box.
Uma proposta para as SEMs
Como conciliar o livre arbítrio dos gestores para buscar valor com projetos sociais não rentáveis

A governança das sociedades de economia mista (SEMs) é um tema importante tanto para investidores, quanto para a sociedade em geral. Essas empresas representam uma parcela substancial (cerca de um quarto) da carteira do Ibovespa, o principal índice do nosso mercado acionário e parâmetro de rentabilidade para a maioria dos fundos de ações. O impacto social dessas empresas decorre da qualidade das decisões da alta gestão, que pode afetar a eficiência de todo o sistema empresarial — as SEMs geralmente atuam na base da cadeia de suprimento — bem como o custo de vida dos cidadãos.

Além das questões de governança tradicionalmente presentes em qualquer sociedade anônima, as SEMs apresentam riscos e desafios peculiares. Dentre os principais riscos, merecem destaque:

• a possibilidade de sofrerem interferência indevida ou excessiva do Estado no papel de controlador;

• a menor pressão por resultados e, consequentemente, por maior eficiência operacional, já que as SEMs estão livres dos riscos de falência e aquisição hostil (dois dos principais mecanismos externos de governança);

• a menor responsabilização dos administradores pelas decisões tomadas, uma vez que essas companhias possuem uma estrutura mais complexa para deliberações, geralmente com a participação de diversos agentes em cadeia, tais como diretores, conselheiros, representantes do governo, etc.; e

• a dificuldade da manutenção da continuidade administrativa, porque normalmente passam por uma mudança de controlador a cada quatro ou oito anos — os períodos de eleições.

Nesse contexto, um conjunto de dez desafios especiais de governança se apresenta diante das SEMs. Especificamente, elas precisam:

1. definir claramente a sua função–objetivo, de modo a lidar com a dualidade entre a maximização do valor de longo prazo da companhia e a promoção de políticas públicas;

2. definir regras para transações com partes relacionadas, tais como operações com o governo e demais órgãos públicos;

3. dar transparência aos demais investidores sobre eventuais despesas associadas ao atendimento de políticas públicas, com a divulgação periódica de seus custos;

4. definir uma política de preços com regras claras, tornando–a independente de questões políticas momentâneas;

5. estabelecer procedimentos para nomeação dos executivos que assegurem um ambiente meritocrático e de alto nível técnico;

6. estabelecer procedimentos claros para a seleção de conselheiros de administração, de forma a assegurar boa diversidade de experiências e a presença de pontos de vista independentes no órgão;

7. criar mecanismos que permitam remunerar os administradores de forma proporcional às suas responsabilidades e vinculada ao alcance das metas de longo prazo;

8. criar mecanismos formais para avaliação periódica de desempenho das principais lideranças da empresa e órgãos de governança;

9. conceder ao conselho de administração poder de fato para seleção e substituição do diretor–presidente e demais membros da diretoria executiva; e

10. criar mecanismos que permitam maior proteção do modelo de gestão da companhia contra mudanças bruscas no cenário político, assegurando a manutenção dos compromissos prévios com investidores e demais stakeholders.

É preciso definir “trade–offs” claros nas decisões que geram conflitos entre os objetivos de maior rentabilidade e de promoção de políticas públicas

Dentre os desafios a serem enfrentados, um se destaca: a definição da função–objetivo da SEM, isto é, os critérios gerais a serem empregados para tomada de decisões e avaliação de seu desempenho como entidade ao longo do tempo. Trata–se do item mais importante de governança a ser trabalhado, já que a falta de clareza nesses critérios pode levar a alta gestão a passar por uma espécie de crise existencial na análise de matérias relevantes. Seus dirigentes poderiam se perguntar, por exemplo, até que ponto convém fazer investimentos que certamente resultarão em prejuízo, bem como adquirir produtos mais caros do que outras opções equivalentes no mercado.

Nas companhias de controle integral do Estado, normalmente determina–se como a função–objetivo a ser perseguida a promoção de políticas públicas voltadas ao aumento do bem–estar social. Nas empresas privadas, geralmente assume–se como função–objetivo a maximização do valor de longo prazo. O problema é que as SEMs conjugam capital público e privado, fazendo–se necessário definir um único propósito que atenda a ambos os interesses. Em outras palavras, é preciso definir pontos de troca (“trade–offs”) claros nas decisões que geram conflitos entre os objetivos de maior rentabilidade da empresa e de promoção de políticas públicas (muitas vezes com impactos negativos sobre o resultado financeiro).

Há duas formas de resolver esse problema. A primeira opção seria assumir claramente que a sociedade de economia mista procura atingir simultaneamente os dois objetivos. Nessa abordagem, a empresa deveria: 1) informar aos investidores, antes da captação de recursos no mercado, que tomará algumas decisões que vão sacrificar a rentabilidade em prol de determinadas causas sociais; 2) procurar aumentar a previsibilidade do impacto de suas decisões sociais em seus resultados anuais; e 3) informar de maneira transparente e periódica os custos dessas ações para os acionistas.

A segunda opção seria deixar a SEM livre para buscar seus objetivos empresariais de máxima eficiência econômica, eliminando a dicotomia entre rentabilidade e metas sociais. Assim, seus administradores receberiam uma única missão: tomar as melhores decisões possíveis visando à maior criação possível de valor no longo prazo.

Se a escolha for pela segunda abordagem, como ficaria a questão da promoção de políticas públicas não rentáveis? De acordo com essa visão, o custo das políticas públicas deveria ser segregado e explicitado em seu orçamento, sendo pago por toda a sociedade e não apenas pelos acionistas da companhia. Em outras palavras, as SEMs agiriam como executoras das políticas de interesse público, porém a um custo transparente e arcado pelo Estado, e não pela companhia.

Como exemplo, tem–se a questão da universalização dos serviços de saneamento, algo socialmente importante, porém muitas vezes não rentável empresarialmente. Sob essa ótica, o Estado deveria definir inicialmente à SEM sua meta de universalização. A empresa estimaria, então, os custos de execução de tal política, apresentando–a ao Estado. Na sequência, o projeto entraria na disputa por verbas do orçamento público com outros projetos de interesse da sociedade. No caso de aprovação, a companhia mista seria responsável por sua execução, recebendo uma remuneração pelos serviços prestados. Esse raciocínio poderia ser aplicado, por exemplo, ao caso dos subsídios do financiamento agrícola, que passariam a ser arcados pelo Estado e não pelas instituições financeiras de controle estatal.

Do ponto de vista das boas práticas de governança corporativa, a segunda opção parece oferecer mais vantagens do que a primeira. Ela elimina o livre arbítrio dos gestores na promoção de outras iniciativas que não as de interesse empresarial, evitando o uso das SEMs como instrumentos opacos de condução de políticas de governo. Além disso, acaba com a confusão entre os objetivos empresarial e políticos, conferindo aos administradores uma função clara (geração de valor ao longo do tempo), sobre a qual devem prestar contas e ser avaliados objetivamente por investidores, governo e sociedade.

Em resumo, a definição transparente da função–objetivo das sociedades de economia mista e os mecanismos para assegurar a manutenção desses critérios ao longo do tempo terminaria por protegê–las, impelindo–as rumo a uma maior eficiência operacional e financeira, sem prejudicar a execução de políticas públicas fundamentais. O resultado seria positivo para os investidores (incluindo o Estado), a sociedade como um todo e os demais públicos interessados.


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.