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Uma década de Enron – parte II
Os sinais de alerta que poderiam ter sido observados, e as lições que ainda podem ser aprendidas

Na edição anterior, começamos a refletir sobre o colapso da Enron, o caso de governança mais emblemático da história, que completou uma década. Analisamos as causas da fraude contábil, tanto as internas quanto as externas à companhia. Desta vez, nos voltamos para a identificação de sinais de alerta que poderiam ter sido observados antes do surgimento dos problemas e para as principais lições a serem aprendidas com o episódio.

Dentre os sinais de alerta, ou “red flags”, que poderiam ter chamado a atenção dos investidores, merecem destaque:

• um líder excessivamente poderoso: Kenneth Lay — CEO e presidente do conselho de administração por 15 anos e responsável pela fusão que deu origem à Enron — exercia domínio quase que completo sobre as grandes decisões tomadas, não havendo um contrapeso aos seus desejos e pontos de vista na alta direção da empresa;

• um CEO/presidente do conselho mais interessado em promoção pessoal do que na direção do negócio: ao mesmo tempo em que exercia grande ascendência sobre o conselho, Lay demonstrava menos interesse pelas questões do dia a dia.
Ao longo dos anos, passou a dedicar mais tempo à realização de eventos beneficentes e a outras atividades externas que alimentavam seu ego e aumentavam seu reconhecimento social do que à gestão da Enron;

• a falta de transparência sobre as atividades e as origens das receitas: poucas pessoas entendiam o negócio da Enron e suas hipotéticas fontes de lucro. Mesmo assim, os investidores não deixaram de colocar dinheiro na companhia. Em entrevista no início de 2001, o diretor de operações Jeffrey Skilling reconheceu a baixa transparência: “Sim, a empresa é uma caixa-preta. Mas é uma caixa-preta que está crescendo 50% em receitas e lucros. É uma boa caixa-preta”;

• a presença de um sistema de remuneração inadequado: além de montantes claramente excessivos — US$ 750 milhões em bônus para os 65 mais altos executivos em 2000, ano em que a Enron havia reportado lucro líquido de US$ 975 milhões —, a política de remuneração era inapropriada, permitindo aos administradores embolsar no curto prazo os lucros de projetos que, em tese, seriam concretizados no longo prazo; e

• o extraordinário crescimento nos anos imediatamente anteriores: de 1996 a 2000, a receita da Enron saltou quase oito vezes (de US$ 13,3 bilhões para US$ 100 bilhões). Tal fenômeno foi viabilizado, principalmente, por meio de aquisições, as quais se mostraram, na maioria das vezes, caras e com resultados aquém do esperado. Ao longo do tempo, as aquisições se tornaram um mecanismo para desviar a atenção das fragilidades da empresa.

Analisado de forma integrada, o caso Enron fornece muitas lições. Dentre elas, destacam-se sete:

1. A enorme distância entre a governança do checklist e a boa governança efetiva: embora, no papel, muitos mecanismos de governança da Enron fossem considerados alinhados às melhores práticas, internamente a governança era exercida de forma bem diferente. Como exemplos, têm-se o conselho de administração e a área de gestão de riscos. Apesar de aparentarem independência, muitos conselheiros possuíam outros vínculos sutis com a Enron e as suas lideranças, tais como laços financeiros indiretos e de amizade, que minavam sua capacidade de questionamento. Além disso, a falta de dedicação era outro fator comprometedor: o conselho e seus comitês se reuniam pouco, um reflexo do escasso tempo disponível dos conselheiros para a companhia. A área de gerenciamento de risco, constituída por cerca de 150 experts em finanças, banking e estatística formados nos melhores MBAs, também era louvada como uma grande vantagem competitiva da Enron por consultorias e agências de avaliação de risco de crédito. Entretanto, internamente, seus líderes tinham pouca força para barrar projetos e operações considerados excessivamente arriscados.

As vantagens e os lucros fantasiosos cegaram os investidores, iludindo-os com a perspectiva de ganhos fáceis no curto prazo

2. Os riscos da percepção de sucesso: a forte repercussão na mídia, no mercado de ações e no mundo acadêmico do “sucesso” da Enron reforçou a euforia, a soberba e a arrogância do ambiente interno, levando seus executivos à percepção de certa invencibilidade. Isso diminuiu o senso crítico internamente, fazendo com que as pessoas deixassem de questionar se estavam realmente fazendo as coisas certas para o êxito da companhia no longo prazo.

3. A preocupação quase que exclusiva com os lucros trimestrais em vez do foco na criação de valor no longo prazo: no lugar de estimular a criação sustentável de valor ao longo dos anos, os executivos da Enron concentravam seus esforços no aumento sistemático do lucro trimestral por ação, principal indicador levado em consideração pelos analistas de ações de Wall Street.
O engajamento da empresa nessa espécie de jogo do mercado, com base em um parâmetro insuficiente, manipulável e de curto prazo, tornou-se uma bola de neve irreversível.

4. O apego da companhia a nomes com alta reputação como forma de transmitir uma falsa sensação de segurança aos investidores: a Enron foi muito habilidosa em utilizar nomes considerados de primeira linha no mercado como forma de “certificar” suas atividades. O que poderiam pensar os investidores de uma companhia orientada estrategicamente por McKinsey, legalmente por escritórios como Vinson e Elkins, financeiramente por bancos de investimento como J.P. Morgan e Citibank, auditada por Arthur Andersen e sistematicamente elogiada por instituições como Harvard? Contudo, os investidores deixaram de questionar os vínculos e interesses desses guardiões, confiando exclusivamente em sua reputação.

5. A falta de questionamento e a ganância dos investidores: investidores, inclusive os funcionários que puseram recursos de suas aposentadorias na Enron, deixaram de fazer perguntas simples. Exemplos: como uma empresa de grande porte no setor de commodities conseguiria crescer 50% ao ano? Como uma empresa operando derivativos poderia ter lucros crescentes e com incremento constante todos os trimestres? É razoável obter um retorno de 500% das ações em apenas quatro anos? Em outras palavras, as vantagens e os lucros fantasiosos da Enron cegaram os investidores, iludindo-os com a perspectiva de ganhos fáceis no curto prazo.

6. Os potenciais problemas da marcação a mercado: mesmo sendo correta do ponto de vista conceitual, a regra contábil da marcação a mercado ou do valor justo (mais interpretativa) se mostrou suscetível a fraudes, principalmente quando os preços de mercado dos ativos não podiam ser determinados de forma objetiva. Como resultado, muitos ativos da Enron começaram a ser “marcados aos modelos”, por meio de estimativas derivadas de modelos financeiros manipulados a fim de se alcançarem determinados valores.

7. Os perigos da regulação deficiente: muitos problemas foram causados por brechas na regulação aproveitadas pela Enron. O exemplo mais claro é o das suas sociedades de propósito específico (SPEs), na maioria das vezes não consolidadas nos balanços da companhia. Além disso, a Enron controlava diversos mercados de derivativos (dentre os quais os chamados derivativos de tempo, que ajudam a diminuir riscos associados a condições climáticas), em geral definindo seus preços “de mercado”.

Como se vê, a história da queda da Enron é extremamente rica em lições. Porém, tais ensinamentos têm sido sistematicamente esquecidos, conforme evidenciam os colapsos de instituições financeiras nos Estados Unidos, em 2008, e os problemas de governança de empresas brasileiras nos últimos anos. O caso Enron deve ser encarado como uma oportunidade para evitarmos prejuízos para os investidores e a sociedade decorrentes de grandes empresas mal governadas.


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