Uma chance de mudar
Lava Jato mostra que ainda há muito a evoluir em governança no Brasil
Oliver Orton*

Oliver Orton*

O Brasil não consegue desviar o olhar da Operação Lava Jato, e o mesmo se pode dizer do mundo — todos observam atentamente as investigações. Está mais do que claro que a cultura de governança está no cerne da questão.

Nos últimos dez anos, assistimos a uma evolução notável das práticas de governança na América Latina (AL), o que pode ser parcialmente atribuído às pressões regulatória e de mercado. É possível ver essa evolução em iniciativas como a regulação mais contundente no Chile, o Indice de Buen Gobierno Corporativo da Bolsa de Valores de Lima, no Peru, e o Novo Mercado da bolsa brasileira. O caso da Lava Jato, no entanto, mostra que ainda há muito a ser feito no que diz respeito à governança corporativa. Eis as três questões mais relevantes:

Profissionalização dos conselhos

Muitos já concluíram que a raiz das circunstâncias que levaram à Lava Jato foi o fato de os conselhos terem deixado de exercer adequadamente seu papel. E por que isso aconteceu? Até há pouco tempo, os conselheiros latino-americanos estavam em uma situação tranquila, pois não costumavam ser responsabilizados por suas decisões, possivelmente em virtude dos vínculos entre os governos e suas estatais e do poder exercido pelos acionistas controladores.

Além disso, de modo geral, os conselhos da AL deixam a desejar em diversidade. Muitos países, incluindo Chile, Colômbia e Peru, exigem a participação de membros independentes e qualificados nos conselhos de companhias listadas em bolsa; todavia, por si só a independência não constitui critério de diversidade. A diversificação implica equilíbrio no número de mulheres e homens. Segundo muitos estudos, a melhora na diversidade dos conselhos, principalmente com mais mulheres, gera ganhos em ética, compliance e governança.

Temos observado esforços para melhora da qualidade dos conselhos. A pressão vem dos escândalos corporativos, de condições econômicas adversas e de exigências de investidores institucionais. As companhias e os conselhos estão cada vez mais cientes dos riscos envolvidos — que vão de sanções a danos irreparáveis à reputação.

Outro indício positivo é o crescimento da busca por treinamento. Um seminário organizado recentemente na Colômbia, com participação da IFC e da Rede de Associações Latino-Americanas de Governança Corporativa (IGCLA), reuniu conselheiros sêniores da AL. Nossos parceiros, como o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), também reportaram o crescente interesse pelos programas.

As avaliações de desempenho do conselho estão igualmente mais comuns, o que favorece o alinhamento da região às regras globais de boas práticas, conforme detalhado na última atualização dos Princípios de Governança Corporativa redigidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e ratificada por líderes do G20. A ideia de que os conselheiros estão acima de qualquer tipo de avaliação está cada vez mais ultrapassada.

Cultura de compliance, transparência e integridade

Com a Lava Jato, o foco dos reguladores e promotores brasileiros está no setor privado e também, pela primeira vez, nas autoridades públicas. Uma lei anticorrupção firme entrou em vigor no País.

O Brasil também volta sua atenção às questões de ética e compliance, aos sistemas de controle interno e governança de risco. Espera-se que as empresas desenvolvam programas contínuos de compliance, implantem mecanismos de denúncia e assegurem a existência de funções mais rígidas de controle financeiro e não-financeiro. Os conselhos estão aumentando a vigência de seus conselhos fiscais — que devem ser formados por conselheiros independentes qualificados. Os conselhos fiscais estão supervisionando o desenvolvimento de códigos de ética e conduta e garantindo o compliance.

Em última instância, contudo, cabe à alta liderança dar o tom desse comportamento, já que é ela a responsável pela criação de uma cultura corporativa ética, que fomente a boa governança. Esses esforços devem ser pautados por um regime de sanções firmes e supervisores qualificados.

Há muitos exemplos na AL de empresas que elevaram seus padrões de governança e puderam usufruir dos benefícios decorrentes. Por exemplo: os membros do Círculo de Companhias Latino-Americanas — líderes de mercado que melhoraram voluntariamente as próprias regras de governança — conseguiram driblar crises com muito mais tranquilidade.

Também há necessidade de maior transparência em um âmbito mais amplo, que envolve estatais, companhias listadas em bolsas e empresas de capital fechado. Em todo o mundo, há uma tendência de intensificação da divulgação de informações, de cunho financeiro ou não. Na AL, a Superintendência do Mercado de Valores do Peru e a Superintendência Financeira da Colômbia, entre outros, já enfatizaram esse aumento no nível de transparência e divulgação ao mercado.

Supervisão das estatais

Em geral, há três formas de se estabelecer supervisão de estatais na região: de maneira centralizada, descentralizada ou uma mistura de ambas. Brasil e Equador aplicam o modelo híbrido (cuja supervisão tem um órgão centralizado e o respectivo ministério). Estudo publicado pela OCDE mostra que esse modelo pode ser eficiente “quando há a divisão clara entre os deveres do controlador e do regulador”. Mas o modelo pode também levar a “linhas e objetivos indefinidos de reporte de informações”.

Se não há como garantir que uma determinada abordagem resulte em excelência de gestão e governança, acredito que a tendência à aplicação do modelo centralizado poderia beneficiar a supervisão, já que pode contribuir com a melhora da comunicação entre os diferentes players e permitir que as companhias tenham uma estratégia mais claramente definida. Além disso, esse modelo pode desencadear processos mais transparentes e formais de nomeação de conselheiros, e, em última instância, resultar em sistemas mais fortes de governança. A Colômbia está aplicando esse modelo, com o apoio da IFC e do Banco Mundial, como parte de seu processo de adesão à OCDE.

Conforme olhamos para o futuro, o Brasil tem a oportunidade de aproveitar as dificuldades oriundas da Lava Jato. O mundo também pode aprender, para aprimorar ainda mais os compromissos com a boa governança. Fato é que, muitas vezes, crises são necessárias para catalisar mudanças. Considerando a atual confluência infeliz de fatores, incluindo os desafios econômicos da região, são ainda mais urgentes a criação formas de se abordar as lacunas de governança corporativa e o fortalecimento dos sistemas para se enfrentar as volatilidades.


*Oliver Orton é gerente regional do programa de governança corporativa na América Latina e Caribe da International Finance Corporation (IFC). As opiniões manifestadas neste artigo são exclusivamente do autor e não representam a opinião da IFC ou de qualquer outro membro do Grupo Banco Mundial.


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