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Revendo conceitos

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O mercado tem acompanhado de perto a tentativa da Azul de ofertar ações no mercado brasileiro. A companhia aérea teve sua emissão barrada pela área técnica da CVM em outubro, por causa da proposta inusitada de emitir ações preferenciais (PN) com 75 vezes mais vantagens econômicas do que as ordinárias (ON). O caso chama a atenção por levar o descasamento entre poder político e econômico ao extremo, mas não foi o único a mostrar o desfastio das companhias por emitir ações PN. A oferta da Votorantim Cimentos, cancelada em agosto, previa a emissão de ações ON e PN agrupadas na forma de units. Alupar e Via Varejo vieram a mercado usando a mesma estrutura. O avanço das captações com papéis preferenciais foi objeto do Círculo de Debates promovido em 3 de dezembro, na sede da capital aberto, com o tema “Uma ação, um voto: hora de repensar o paradigma?”. A seguir, os melhores trechos do encontro.

CAPITAL ABERTO: Vocês concordam com a ideia de que as ações preferenciais estão reconquistando companhias e investidores?

Carlos Rebello: Não é de agora que existe um nicho de empresas para o qual a emissão de ações preferenciais é relevante. Algumas companhias, dependendo do setor de atuação, não podem ter 100% de ações ordinárias. Além disso, companhias de tecnologia, além das pequenas e médias, costumam optar pela oferta de PNs por entender que é importante manter o controle do negócio nas mãos do fundador. Apesar disso, a percepção da Bolsa é que a oferta apenas de ações ON gera mais valor para a companhia. Tanto que os investidores se dispõem a pagar um prêmio, muitas vezes alto, pelos papéis negociados no Novo Mercado.

Francisco Utsch: A estrutura de governança ideal é aquela em que cada ação tem direito a um voto. Mas, no fim das contas, não será isso o que vai determinar o sucesso de uma oferta, e sim se há ou não demanda para aquela emissão no preço sugerido. Se houver demanda, a oferta vai sair e, eventualmente, as ações serão negociadas com algum desconto.

CAPITAL ABERTO: Vocês concordam com o Francisco em que o ideal é cada ação ter direito a um voto?

Sergio Fontana dos Reis: Como gestor, eu fujo do ideal. Apesar de acreditar muito no modelo de uma ação, um voto, com o passar dos anos percebi que, mais importante do que procurar essa característica numa empresa, é buscar administradores apaixonados pela governança. De acordo com os manuais sobre o assunto, algumas companhias, como a Berkshire Hathaway, do Warren Buffett, seriam apontadas como de péssima governança. [A empresa tem papéis classe A com oito vezes mais poder de voto que os de classe B.] Apesar disso, ela é muito admirada e há outros exemplos como esse.

CAPITAL ABERTO: Arthur, a SulAmérica está listada no Nível 2. Você acha que a empresa é punida por ter ações preferenciais?

Arthur Farme d´Amoed: Quando a SulAmérica abriu o capital, os acionistas foram muito transparentes em afirmar que a opção pelo Nível 2 visava manter os controladores no comando. Entre todos os acionistas, o controlador é o que tem visão de mais longo prazo, seja porque fundou a companhia, seja por estar na operação há mais tempo. A SulAmérica é uma empresa de 118 anos e está na quinta geração de acionistas. Eu não atribuiria qualquer desconto em nossas ações à ausência de voto.

Sergio Goldman: Eu concordo que o controlador tenha a visão de mais longo prazo, mas não como regra. Se compararmos o controlador com o gestor de fundo, quem sabe isso seja verdade, porém não existem apenas esses dois tipos de acionistas. Na minha leitura, talvez generalizada, é perigoso flexibilizar coisas que estão dando certo. O Novo Mercado é um grande sucesso, principalmente quando comparado a outras estruturas de governança em mercados emergentes. Infelizmente, vivemos num país em que as pessoas se aproveitam de brechas para desvirtuar os objetivos. Minha preocupação é com a mensagem que vamos passar. Em relação ao desconto, afirmo, peremptoriamente, que os analistas sell side não se preocupam em determinar qual é o prêmio justo por uma ON em relação a uma PN. Mas, a meu ver, ele existe. Basta olhar a reprecificação das ações de empresas que migraram para o Novo Mercado.

Francisco Utsch: Também acredito que exista um prêmio. Se eu analiso duas empresas iguais, uma está no Nível 2 e outra, no Novo Mercado, eu prefiro a do Novo Mercado, porque me sinto mais confortável.

E poderia pagar um prêmio por esse conforto, porque, num momento de desalinhamento de interesses, estaria mais protegido. Isso não quer dizer que não tenha na carteira ações PN de companhias que, se não fosse pelo acionista controlador ou pela administração, provavelmente eu não teria adquirido.

, Revendo conceitos, Capital AbertoCAPITAL ABERTO: Falando em desalinhamento, quanto o desequilíbrio entre poder político e econômico pode gerar distorções na gestão da companhia?

Sergio Fontana dos Reis: A situação que o Rebello comentou, de a companhia emitir PNs por entender que precisa preservar o fundador no controle, pode ser interessante para a sociedade inicialmente, mas é preciso lembrar que as coisas mudam. Se a empresa foi constituída, no passado, com dois terços de PN para um terço de ON, porque o empreendedor era um gênio nos negócios, e depois ele morreu, um grupo de herdeiros continua no comando com os mesmos direitos do fundador original, mas sem suas habilidades.

Carlos Rebello: A empresa está em evolução sempre. No caso que você citou, a segunda geração teria que perceber a destruição de valor gerada pela ausência do fundador e propor uma migração da companhia para o modelo de uma ação, um voto.

Francisco Machado Neto: Em algumas empresas internacionais, os fundadores começam emitindo ações com voto extra, mas os estatutos preveem que, dentro de cinco ou dez anos, elas sejam conversíveis em ações com direito a um voto cada. São evoluções criadas para amenizar o problema.

Sergio Fontana dos Reis: Na questão do desalinhamento, cabe lembrar que a lei atual permite a estrutura de controle piramidal, que é muito perniciosa. Nesse formato, um acionista com parcela pequena do capital votante pode controlar a empresa. Isso pode gerar conflitos, por exemplo, na hora de pagar dividendos, porque, para o controlador, isso significará uma saída de caixa na qual ele praticamente não tem benefício nenhum.

Francisco Machado Neto: O incentivo para pagar é muito menor.

Francisco Utsch: Esse desalinhamento também é grande em companhias nas quais o tag along não é oferecido para todos os acionistas. Nesse caso, o controlador pode fazer alocações de capital não necessariamente boas para a empresa como um todo, mas capazes de gerar um valor de prêmio de controle que lhe favorecerá na hora da venda. Já vi isso acontecer inúmeras vezes.

CAPITAL ABERTO: Arthur, como a SulAmérica evita esses desalinhamentos?

Arthur Farme d´Amoed: Buscamos ser o mais transparentes possível. Todas as políticas aprovadas pelo conselho sobre pagamentos de dividendo, remuneração dos executivos e governança, por exemplo, são divulgadas ao acionista. Há um empenho da administração e dos controladores em fornecer ao mercado o máximo de informação sobre a companhia. Não temos nada a esconder. Tanto que convidamos, faz um tempo, o representante de um fundo que era acionista relevante da empresa para participar do comitê de auditoria. Hoje, ele nem é mais investidor, mas continua integrando o órgão. O nosso conselho de administração também possui, além dos independentes, representantes de acionistas não controladores.

Carlos Rebello: Quero dizer que estou muito feliz de ver este debate. É um sinal de que superamos o trauma da época em que as PNs tinham, na prática, uma preferência sem valor. Vivíamos num ambiente com fluxo importante de investidores não residentes, que começavam a ter os seus investimentos dilapidados pelo desequilíbrio entre poder político e econômico. Com a mudança da Lei das S.As., em 2001, e a criação do Novo Mercado, a situação foi bastante minimizada. Não podemos esquecer que a função social do mercado é financiar o investimento produtivo. Portanto, precisamos sempre verificar se as condições atuais favorecem o alcance desse objetivo. Fico contente por, aparentemente, estarmos superando o dogma de que só ação ON é boa, ao entender que certas situações beneficiam uma estrutura diferente. Se chegarmos à conclusão de que a nossa lei precisa ser aperfeiçoada para abarcar esses casos, será uma evolução.

“Estamos superando o dogma de que apenas a ação ON é boa e entendendo que certas situações favorecem uma estrutura diferente”

CAPITAL ABERTO: Você acha que a lei, hoje, restringe demais?

Carlos Rebello: A nossa lei tem restrições que lá fora não existem. Cabe saber se é do interesse social que a legislação, dada a representatividade do capital estrangeiro no mercado brasileiro, admita novas fórmulas.

Sergio Goldman: Acho que não deveríamos ser mais liberais do que já somos. A lei atual já permite algum tipo de flexibilização e repito: temos que pensar na mensagem que queremos passar. A estrutura de uma ação, um voto pode não ser a melhor em todos os casos, mas, ainda assim, é a que devemos vender agressivamente.

Sergio Fontana dos Reis: Se estamos falando em modificar a lei, nós podemos fazer isso de várias formas, não só na Lei da S.As. As companhias aéreas não podem ter controle estrangeiro no Brasil por causa de uma circunstância que vem da Segunda Guerra Mundial, quando se imaginava que os aviões comerciais poderiam ser usados no transporte de tropas. [Acionistas estrangeiros não podem deter mais de 20% do capital votante das aéreas, exigência que leva as empresas do segmento a emitir ações preferenciais.] No Brasil, isso nunca ocorreu, e eu acho improvável que ocorra. Então, em vez de modificar a Lei das S.As., poderíamos pensar em alterar a Lei da Aviação Comercial. Uma coisa que eu gostaria de ver, antes de qualquer mudança na lei societária, é o exercício dela. Falta ao Brasil um pouco de destruição criativa — por exemplo, administrações ineficientes ou impopulares serem desalojadas pela força do voto.

Arthur Farme d´Amoed: Concordo plenamente com esse comentário. A SulAmérica vem fazendo manuais de assembleia com uma linguagem mais acessível há cinco anos, tentando atrair a participação do investidor para esses fóruns. Mesmo assim, porém, a frequência ainda é pequena.

CAPITAL ABERTO: Mas quanto dessa passividade não estaria relacionada ao fato de os investidores terem ações PN?

Sergio Goldman: Não acho que a passividade tenha a ver especificamente com a existência de classes diferentes de ações. O problema é que o Brasil não tem cultura de investimento em ações.

CAPITAL ABERTO: Por que o preferencialista iria à assembleia se ele não pode votar?

Arthur Farme d´Amoed: Ele pode não decidir, mas pode questionar a administração e registrar sua reclamação, se for o caso. Esse exercício de desafiar o status quo, de se posicionar, é extremamente importante, mas pouco realizado.

Carlos Rebello: No Brasil, se não houver um esforço muito grande do profissional de RI [relações com investidores], os acionistas não irão à assembleia. Existe um movimento para permitir o voto à distância, mas falta a CVM regulamentar o assunto. Num país do tamanho do nosso — em que há uma concentração de assembleias ordinárias num período curto de tempo e grande parte das ações em circulação pertence aos estrangeiros —, retirar as burocracias que dificultam a participação dos acionistas nesses encontros torna-se fundamental. Se não, em vez de ir à assembleia buscar mudanças, o investidor insatisfeito simplesmente vende a ação.

Arthur Farme d´Amoed: O mecanismo de voto por procuração eletrônica que existe hoje é descolado do momento em que a discussão está acontecendo. Ele não produz, de fato, uma participação remota na assembleia, o que poderia trazer o estrangeiro para a discussão.

, Revendo conceitos, Capital AbertoCAPITAL ABERTO: E qual a opinião de vocês sobre a oferta da Azul? São a favor de que o colegiado da CVM a autorize ou que siga a área técnica? [Segundo a área técnica, a oferta fere o parágrafo 2o do artigo 15 da Lei das S.As., segundo o qual “o número de ações preferenciais sem direito a voto não pode ultrapassar 50% do total das ações emitidas].

Francisco Machado Neto: Do ponto de vista estritamente legal, é controverso afirmar se houve uma infração por parte da Azul. O que a letra da lei fala é: a proporção de ações preferenciais deve ser de, no máximo, 50% em relação às ordinárias. Agora, se o espírito da lei não é esse é outra discussão.

Carlos Rebello: Fazendo uma análise sistemática da lei, acho admissível a conclusão da área técnica da CVM. Tanto que, quando a estrutura proposta pela Azul chegou à Bolsa, pensamos em medidas que a companhia poderia tomar para mitigar os problemas de desbalanceamento. Nesse sentido, sugerimos à empresa, por exemplo, que garantisse maior participação dos acionistas preferencialistas no conselho de administração e adotasse comitês de auditoria e remuneração liderados por um independente.

Francisco Machado Neto: Eu entendo que a área técnica fez bem em ser conservadora nesse caso, até para incentivar o debate sobre a questão pelo colegiado. Se a CVM autorizar a oferta da Azul, isso terá um impacto para todo o mercado. O perigo é o conceito ser deturpado mais para a frente, sem a adoção de qualquer medida mitigadora.

CAPITAL ABERTO: A última questão que gostaríamos de abordar é a proposta da Comissão Europeia de ampliar os direitos de voto das ações em posse de investidores de longo prazo, com o intuito de recompensá-los por sua lealdade à companhia. Como vocês veem essa sugestão? Faria sentido pensarmos nisso no Brasil?

Sergio Goldman: Quando um fundo de investimento compra ações de uma empresa, espera auferir um ganho. Se isso ocorrer em dois meses, ele vende — o que é extremamente legítimo. Essa proposta da Comissão Europeia força o investidor [no seguinte sentido]: “Se você ficar mais tempo, tem mais direitos”. As pessoas criticam muito o especulador, apontando-o como o grande vilão da sociedade, mas não há nada de errado em comprar uma ação hoje e vendê-la na próxima semana porque o papel atingiu o preço considerado justo. O investidor de longo prazo geralmente acredita que a diferença entre valor de mercado e preço justo vai se dar ao longo do tempo. No entanto, se esse preço for alcançado em três meses, ele vai vender. Não me parece que o grande anjo do mercado seja o investidor de longo prazo.

CAPITAL ABERTO: Mas o que vimos nos últimos anos, especialmente com a crise de 2008, não foi um exagero de visões de curto prazo?

Sergio Goldman: Existe, sim, um exagero, mas é o próprio mercado que tem de se ajustar. Não adianta você criar um mecanismo que force o investidor a ser acionista de uma companhia por muito tempo.

Carlos Rebello: Também não podemos esquecer que há companhias em que o investidor senta em cima de sua posição e a administração pede, pelo amor de Deus, que ele se desfaça dela no mercado para gerar liquidez. O importante é a empresa ter acionistas com diferentes perfis.

Sergio Fontana dos Reis: Eu hesito muito em acreditar nessas legislações que vão ficando complexas. Como o Rebello mencionou, há companhias de pouquíssima liquidez que, com a criação de uma regra desse tipo, seriam ainda mais penalizadas.

Francisco Machado Neto: Em relação aos exageros vistos na crise internacional, a questão talvez seja muito mais, como o Sergio apontou, mudar a lei da indústria causadora do problema, e não a societária. Se as pessoas estão preocupadas com as instituições financeiras, por que não alterar a lei bancária? Caso contrário, você corre o risco de dar um tiro mirando uma coisa e acertar outra.

Carlos Rebello: É sempre assim. Ocorre uma crise e aí se cria uma regulação para resolver todos os problemas. Porém, se ela for seguida por uma seca de IPOs, a conclusão será: existem regras demais, é preciso liberar tudo. Gostaria de ver um mundo, que eu não vejo agora, mais equilibrado. Esse maniqueísmo precisa ser balanceado. Existem pessoas e pessoas. Algumas delas vão usar mal a estrutura que existe; sempre será assim. O importante é garantir que as companhias sejam transparentes e os investidores percebam as mudanças de maneira rápida.


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