Há exatos dez anos, emergia o escândalo da Parmalat, maior fraude corporativa da Europa. Na ocasião, descobriu-se que a empresa, com 36 mil funcionários e 130 mil acionistas, possuía dívidas ocultas de € 14,3 bilhões, que geraram um rombo equivalente a cerca de 1% do PIB italiano. Como resultado, as ações da companhia, que já tinha mais de 40 anos, viraram pó nas duas primeiras semanas de dezembro de 2003.
Tendo em vista a grande presença da empresa no mercado nacional, o caso gerou enorme repercussão no Brasil. Ademais, diferentemente de outras companhias fraudulentas da época com estrutura dispersa, como Enron e Worldcom, a Parmalat possuía uma realidade similar à das empresas brasileiras: sociedade familiar com um empreendedor poderoso no comando, neste caso Calisto Tanzi.
A falcatrua era simples. Basicamente, envolvia desvios sistemáticos de recursos para a família Tanzi e a ocultação de dívidas em sociedades de propósito específico sediadas em paraísos fiscais. Também era antiga. A Parmalat teria reportado prejuízos todos os anos desde 1992, caso não tivesse falsificado suas demonstrações. Para esconder os problemas financeiros e assegurar a captação contínua de recursos, a empresa tinha que manter a aparência de solidez e crescimento. Logo, enquanto a maioria das companhias se endivida para crescer, a Parmalat precisava crescer para ocultar os seus débitos.
O caso oferece lições preciosas para os envolvidos em empresas de controle familiar. Em primeiro lugar, tratava-se de uma sociedade “de um homem só”, Tanzi, que concentrava todo o poder. Ele atuava como acionista controlador, presidente do conselho e diretor-presidente. Uma das consequências dessa mentalidade de dono era a notória falta de transparência nos relatórios para o mercado. A estrutura societária complexa — cerca de 170 subsidiárias em paraísos fiscais e inúmeras participações cruzadas entre si — acentuava a deficiência na prestação de contas.
Outro problema na Parmalat, comum a muitas companhias familiares, era a ausência de meritocracia nas posições-chave e a diversificação excessiva, a fim de acomodar parentes. Ao longo do tempo, Tanzi fez a empresa investir pesadamente em áreas fora do seu escopo. Entre os investimentos desastrosos, que consumiram cerca de € 1 bilhão do caixa, contam-se agências de viagens (Parmatour), emissoras de TV (TV Odeon) e até clubes de futebol (AC Parma). Todas essas companhias deficitárias eram dirigidas por seus filhos.
Além da concentração exagerada de poder, da baixa transparência, da ausência de meritocracia e das diversificações fracassadas, três outros fatores contribuíram para o fracasso da Parmalat:
1. A tentativa de manter o controle acionário familiar a qualquer custo. Isso levou Tanzi a evitar emitir ações para captar recursos e a desenvolver estruturas societárias piramidais cada vez mais complexas.
2. A presença de um conselho de administração passivo e totalmente subordinado ao controlador, composto basicamente de familiares, executivos e amigos.
3. A tomada de diversas decisões estratégicas equivocadas sem o devido questionamento, entre as quais a expansão demasiadamente rápida, via compras inflacionadas.
Tanzi, portanto, sempre tratou o caixa da companhia como se fosse a sua própria conta bancária. Desde 2011, ele cumpre pena de quatro anos e quatro meses de prisão. Para os que argumentam que as instituições familiares são menos propensas a fraudes, em razão do maior alinhamento de interesses e do horizonte temporal das decisões, a Parmalat representa um contraexemplo muito útil para reflexão. Nele, os interesses da família — e não os da empresa — vieram sempre em primeiro lugar.
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