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O futuro já começou
, O futuro já começou, Capital Aberto

Carlos Rebello*/ Ilustração: Julia Padula

“O futuro dependerá daquilo que fazemos no presente.”
Mahatma Gandhi

Observo minha neta de nove anos usando o celular. Seus movimentos são frenéticos, e demonstram uma destreza ímpar no domínio dessa pequena máquina — o que destrói o orgulho daqueles que, como eu, pertencem a uma geração que não se viu obrigada a dialogar, desde a tenra idade, com esses instrumentos malévolos.

Para mim é um estorvo pedir o auxílio dela para lidar com meu caprichoso celular. Gostaria de manter a tradição de que os avós sabem de tudo; mas nesse quesito minha neta é a professora. Infelizmente, com o passar do tempo a defasagem tecnológica entre avô e neta só tende a piorar. Meu consolo é saber que não estarei sozinho.

Em uma pesquisa global realizada por empresa de tecnologia com 4 mil executivos, pouco mais de metade respondeu que suas empresas já experimentam significativa ruptura em função das tecnologias digitais. Já 78% consideram as startups de tecnologia como ameaças à continuidade dos negócios. Por fim (pasmem!), 48% não sabem como seu setor de atividade será daqui a três anos. Imagine em dez anos!

Lá adiante, toda a comunicação se dará por celulares, de forma instantânea. Os perfis dos investidores terão, com dados extraídos das interações com os aparelhos, todas as características de comportamento catalogadas em bancos de dados, e diariamente as pessoas receberão ofertas de compra e venda de produtos e serviços sob medida.

Aliás, o efetivo comportamento das pessoas no que concerne a pontos como governança corporativa, ética e meio ambiente, será verificado com facilidade pela tecnologia. Com isso, serão reduzidos os riscos de surpresas provocadas, por exemplo, por administradores de companhias que agem de maneira distinta dos compromissos assumidos por elas perante seus investidores e partes relacionadas.

As fintechs (o equivalente ao “Uber da intermediação”) não vão deixar ninguém sem liquidez — terão uma abrangência tão grande que sempre haverá, na outra ponta, alguém com interesse oposto para se viabilizar um negócio. A arquitetura de investimentos fechada dos bancos será um item do passado.

Como a tecnologia processará as principais línguas escritas e faladas no mundo e haverá uma robusta padronização de produtos, os investidores residentes em países de economia aberta terão um amplo leque de oportunidades de investimento em seu próprio território e em outras regiões do globo. Os principais reguladores desses países se unirão para monitorar esse mercado global e terão grande parte de seus recursos financeiros e humanos alocados em tecnologia de ponta.

O prospecto deixará de existir e se transformará em um grande banco de dados sobre a companhia emissora. A inteligência artificial irá cotejar essas informações com os perfis de seus clientes para achar os potenciais interessados. Cada um receberá um vídeo interativo de cinco minutos, com informações essenciais para uma decisão refletida de investimento. Os que se mostrarem interessados na oferta terão acesso a um textão, com não mais que dez rolagens de página no celular. A novidade é que tanto o vídeo como o texto não serão únicos: dependendo do perfil da pessoa, eles podem focar mais em riscos, sustentabilidade, retorno de curto ou longo prazo, governança etc.

Em lugar dos jogos, muitos insones passarão parte da noite acompanhando o desempenho dos valores mobiliários, já que sua negociação será 24 horas, sete dias por semana. As atividades de consultoria de investimentos e administração de carteiras serão exercidas por máquinas; o consumidor de serviços financeiros deve olhar todas as opções e, em consequência, não será fiel a marcas ou intermediários específicos.

O tamanho dos conselhos de administração deve diminuir, pois a importância e a complexidade das funções estratégicas demandarão aumento de carga horária de dedicação de seus membros. Já a realização de assembleias de acionistas passará a ser mais frequente, considerando os aperfeiçoamentos para viabilização da participação a distância — o que vai incrementar o diálogo entre os donos e a administração da companhia, possibilitando que decisões relevantes passem pelo crivo dos acionistas e até de partes relacionadas antes de serem adotadas.

Em nossa região, após a aprovação de um tratado de livre investimento envolvendo toda a América Latina, as empresas incorporadas no Paraguai (embora com ativos no Brasil, no México, na Argentina e na Colômbia) serão as mais negociadas na internet. Isso porque o país terá adotado, cinco anos antes, uma legislação de mercado de capitais amigável aos negócios — com uma lei de companhia baseada na do estado americano de Delaware — e Justiça especializada para resolução de conflitos de maneira ágil, além de isenções tributárias para companhias e investidores.

Será que algumas práticas observadas no Brasil, como as listadas a seguir, existirão daqui a dez anos?

• Publicação de demonstrações financeiras em diário oficial e jornal de grande circulação;
• permissão, garantida por liminar, para que companhias abertas não divulguem dados da remuneração de seus administradores;
• escritura de debêntures sem padronização;
• variação do CDI como referencial de investimentos de renda fixa;
• definição do ativo em que o cidadão pode investir a cargo do regulador;
• quatro reguladores do mercado (CVM, BCB, Previc e
Susep).

Resta saber que atitude vamos tomar no Brasil para encarar essa futura realidade. Vamos abraçar essas inovações ou criar impedimentos?


* Carlos Rebello ([email protected]) foi diretor de regulação de emissores da BM&FBovespa até junho de 2015 e superintendente da CVM entre 1978 e 2009.


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